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OPINIÃO
Economia e Luta de Classes
Santiago Marimbondo
São Paulo

Um dos temas mais debatidos dentro do marxismo, sobre o como conceber a interpretação materialista e dialética da história, é como se relacionam economia e luta de classes, debate que é fundamental mesmo para a fundação do marxismo como corrente ideológica particular.

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Um dos temas mais debatidos dentro do marxismo, sobre o como conceber a interpretação materialista e dialética da história, é como se relacionam economia e luta de classes, debate que é fundamental mesmo para a fundação do marxismo como corrente ideológica particular, desde que foram escritos obras celebres como ‘Ideologia Alemã’ e o famoso ‘Prefácio à Critica da Economia Política’ e que atravessou a história dos embates teóricos no interior mesmo do marxismo e nos debates com seus antípodas burgueses dentro da ciência social (pense-se por exemplo na obra de Max Weber, que construiu grande parte dela num debate crítico com a interpretação materialista da história, desde sua ‘Ética Protestante e Espírito do Capitalismo’ até sua obra inacabada ‘Economia e Sociedade’, essa última como tentativa mais ambiciosa de apresentar sua concepção sobre a relação entre economia e relações sociais).

Dentro do marxismo existem duas posições antagônicas e igualmente reducionistas e unilaterais que estão em posições opostas no entendimento dessa relação entre economia e luta de classes: uma primeira que estabelece uma relação vulgar e mecânica de determinação unívoca da economia sobre a luta de classes, no qual a luta de classes, expressão fundamental das relações sociais nas sociedades divididas em classes, é mero epifenômeno , um momento determinado de forma passiva pelo desenvolvimento da economia. Nessa concepção a luta de classes é mera consequência do desenvolvimento da economia, o que gera uma visão mecanicista da sociedade capitalista; uma segunda concepção, que irá se desenvolver em combate ao unilateralismo e reducionismo mecanicista da concepção anterior, pecará por unilateralismo oposto, recaindo numa concepção idealista da história, onde se vê a luta de classes como elemento independente do desenvolvimento da economia capitalista; inclusive, em alguns casos, determinando esse desenvolvimento. Nessa segunda concepção é impossível estabelecer um conhecimento científico da sociedade, base de uma estratégia efetivamente revolucionária, pois o desenvolvimento da luta entre as classes não tem nenhuma determinação concreta, sendo fruto de elementos caóticos e totalmente imprevisíveis.

É na busca de contribuir de forma inicial para estabelecer a relação correta e concreta entre os momentos que compõe essa interação dinâmica que sintetizados formam a realidade como todo concreto que é escrito esse pequeno artigo. Adendo que o entendimento da relação entre economia e luta de classes é impossível sem absorvermos uma terceira dimensão da formação da realidade social na época imperialista, que são as relações interestatais. Se essa terceira dimensão já era importante na época do capitalismo de livre concorrência, em que Marx escreveu sua obra, ela ganha um papel ainda mais marcado na época imperialista, onde a relação entre os estados se transforma de forma qualitativa em relação à época anterior. Economia, luta de classes e relações interestatais, assim, formam um complexo dinâmico que em sua interação contraditória se concretizam como fundamento da realidade social. Mas qual o momento predominante nesse complexo e como se relaciona esse momento predominante com os outros elementos dessa totalidade concreta/complexa?

ECONOMIA E LUTA DE CLASSES OU: ECONOMIA É LUTA DE CLASSES?

Um primeiro erro ao estabelecer a relação entre economia e luta de classes é fazer desses dois momentos linhas paralelas que interagem mas são momentos marcadamente distintos. A própria separação entre economia e luta de classes, apesar de metodologicamente necessária, é bastante problemática, pois numa sociedade dividida em classes, e isso de forma ainda mais marcada na sociedade capitalista, o conjunto das relações sociais é marcado e perpassado pela luta de classes. Na sociedade capitalista não existe relação social que não seja expressão direta ou indireta da luta de classes. Ou seja, é impossível distinguir de forma marcada economia e luta de classes, pois como forma de relação social que é a economia também é permeada e está submersa, assim digamos, pela luta de classes.

O erro fundamental da maioria dos teóricos que transformaram o marxismo num determinismo econômico mecanicista é entender a economia como a produção de coisas, como a produção e reprodução de valores de uso, como uma forma de administração dos recursos e das forças produtivas (essas entendidas, inclusive de forma parcial e unilateral), da mesma maneira como fazem os economistas burgueses. A economia capitalista, no entanto, não é a produção e reprodução de coisas, não se caracteriza pela produção de ferro, aço, máquinas, ou quaisquer outros valores de uso, mas é a reprodução de uma relação social específica, de uma particular forma de exploração do trabalho, onde a força de trabalho é transformada em mercadoria e o trabalhador direto num vendedor dessa mercadoria, mercadoria essa que tem uma qualidade especial, a de gerar um valor maior em sua utilização do que o valor necessário à sua reprodução.

A produção de coisas nessa relação, portanto, das máquinas, dos meios de produção, de suas matérias primas e insumos, de energia, etc (valores de uso certamente essenciais à existência da sociedade capitalista) tem como finalidade permitir uma exploração maior, mais profunda e extensa possível da força de trabalho e a reprodução de um proletariado cada vez maior e mais passível de ser explorado.

A economia, dessa forma, não pode ser separada de forma marcada da luta de classes, ao contrário, a economia capitalista só pode ser entendida como momento, como forma particular de manifestação, da luta entre as classes. Como Marx demonstra n’O Capital, inclusive, mesmo na mais elementar relação econômica especificamente capitalista, a compra e venda de força de trabalho, existe já luta entre as classes, com o comprador, o capitalista, buscando comprar a mercadoria pelo menor valor possível e tentando utilizá-la pelo maior tempo, enquanto o vendedor, o operário, tenta vender sua mercadoria pelo maior valor e utilizá-la pelo menor tempo possível.

Vemos assim que antes de separar de forma marcada economia e luta de classes temos que entender cada um desses dois momentos como parte de uma totalidade, partes que interagem de forma dinâmica e que de forma alguma podem ser distinguidas e colocadas como momentos paralelos. A reprodução ampliada da economia capitalista é, assim, não predominantemente a reprodução ampliada de máquinas, de cimento, de ferro ou aço, ou qualquer outro valor de uso, mas predominantemente a reprodução ampliada, intensiva ou extensiva, da exploração do trabalho do proletariado.

Em cada relação econômica dentro do capitalismo, da introdução de um novo maquinário até uma nova forma de organização da produção, da intensidade do trabalho à duração da jornada, da determinação do salário a organização do capital financeiro e sua interação nas bolsas de valores, o que está em jogo são as formas mais eficientes de exploração da força de trabalho, as melhores formas de explorar as variações do valor da mercadoria força de trabalho nos diferentes espaços econômicos, etc.

Dessa forma, a economia não pode determinar de forma mecânica a luta de classes, como algo extrínseco a ela, pois é ela parte já, como fundamento, como momento predominante, da própria luta entre as classes.

CICLO ECONÔMICO E LUTA DE CLASSES

Na visão daqueles que reproduzem uma concepção mecânica e determinista da relação entre economia e luta de classes no interior do marxismo o ciclo econômico determina as conjunturas da luta de classes de forma extrínseca, ou seja, um ciclo econômico que é independente da luta de classes determina as suas conjunturas. No ciclo econômico ascendente a luta de classes é de pouca intensidade e em seus momentos de crise a luta de classes se agudiza, pensam os que têm essa visão mecânica, numa exposição a grosso modo.

Como expresso no subtítulo anterior essa visão é fruto de uma apreensão equivocada tanto do conceito de economia quanto do de luta de classes. O ciclo econômico não é algo extrínseco a luta de classes, mas momento predominante da totalidade das relações sociais na sociedade capitalista que compõe a luta entre as classes. Se a produção e reprodução da economia no modo de produção capitalista é a produção e reprodução da exploração da classe operária, se a acumulação ampliada do capital é igual a exploração ampliada da classe trabalhadora, o ciclo econômico capitalista é o ciclo das conjunturas da possibilidade de exploração de nossa classe.

As crises econômicas capitalistas, por exemplo, não são fruto simplesmente da desproporção na produção entre valores de uso, como pensava o infame Jean-Batiste Say, mas são crises, desarranjos, nas formas como tinham se estruturado a reprodução ampliada da exploração da força de trabalho até aquele momento; as crises, portanto, são crises das formas com que o capitalismo tinha até ali organizado a exploração ampliada, intensiva ou extensiva, da classe operária.

O capital, para se reproduzir de forma ampliada, que é o móbil central de sua ação, estrutura e organiza uma rede de relações, um regime de acumulação, que permite seu funcionamento. Esse regime de acumulação se caracteriza pelas formas como se organiza a produção (fordismo, toyotismo, etc), as relações entre os diferentes capitais (formas de administração e propriedade, etc), as relações financeiras e monetárias, o fluxo de matérias-primas e insumos, de produção de energia, um mercado de trabalho adaptado as condições da reprodução ampliada do capital (um contingente adaptado de mão de obra, um exercito industrial de reserva, um fluxo de novos trabalhadores para suprir esse exército de reserva nos momentos ascendentes do ciclo, etc). Todo esse regime de acumulação que estrutura o capital tem como finalidade a maior produção possível de mais valia, ou seja, a maior exploração possível, extensiva ou intensiva, da força de trabalho.

As crises econômicas, portanto, são crises desses determinados regimes de acumulação, crises da forma como até ali tinha o capital organizado a forma concreta de exploração do trabalho; seja porque as forma de organização das relações entre os diferentes capitais entraram em curto circuito, seja porque as forma de organização da produção não mais correspondem às necessidades técnicas, seja porque os fluxos de matérias primas ou insumos não mais se adaptam ao ritmo da produção, ou o mercado de trabalho não acompanha as necessidades ampliadas dos capitalistas, ou ainda por uma síntese desses fatores, esse regime de acumulação que tinha se erigido no período anterior entra em crise, não mais pode se reproduzir de forma ampliada da mesma maneira, a partir da mesma estruturação. É necessário, nesse momento, aos capitalistas, reorganizar as formas de reprodução ampliada do capital, reestruturar as formas de exploração da classe operária, tanto reorganizando as relações entre os próprios capitalistas (com novas formas de estruturação da propriedade privada capitalista), novas formas de organização da produção, a descoberta de novos mercados fornecedores de mão de obra e matéria prima, etc.

Os momentos ascendentes do ciclo econômico são os momentos em que o regime de acumulação constituído como resposta à crise anterior está em pleno funcionamento e expansão, em que suas possibilidades e potencialidades de reprodução estão em seu melhor momento de funcionamento. Assim, os ciclos econômicos, antes de serem algo extrínseco e paralelo em relação à luta entre as classes são parte fundamental dessa luta, sendo expressão do funcionamento ou não das formas através das quais os capitalistas estruturam e organizaram a reprodução ampliada da exploração, extensiva e intensiva, da classe operária.

ECONOMIA, RELAÇÕES INTERESTATAIS E LUTA ENTRE AS CLASSES

Também o desenvolvimento das relações interestatais não pode ser entendido como uma linha paralela em relação ao desenvolvimento da economia na sociedade capitalista, ainda mais na época imperialista. As relações entre os estados, principalmente a relação fundamental entre países imperialistas e países semicoloniais, estão imersas e perpassadas pelas relações econômicas. Essa relação entre países imperialistas e semicoloniais, inclusive, são imediatamente relações geopolíticas e econômicas ao mesmo tempo.

Parte da estruturação concreta de um determinado regime de acumulação, de uma determinada forma de configuração das formas através das quais o capital organiza a exploração da classe operária, é o estabelecimento de uma relação de dominação e subjugação por parte das potencias centrais do capitalismo sobre os países de capitalismo periférico e dependente. As formas através das quais o capital financeiro organiza seus centros de poder e configura um determinado equilíbrio de forças entre as classes nas fronteiras dos países imperialistas e organiza a expansão das relações burguesas para países dependentes e periféricos são parte fundamental das relações econômicas capitalistas que se expressam no imediato como relações entre estados.

Assim, se novamente aqui o momento predominante na interação entre economia e relações interestatais é o momento econômico, de forma alguma essa relação pode ser entendida como um determinismo unívoco e unilateral. A capacidade, por exemplo, que tem uma determinada potencia imperialista de impor sua hegemonia dentro de um determinado sistema de alianças entre estados, sua capacidade de ser a mediadora de uma determinada balança de poderes entre estados, certamente pode impactar seu desenvolvimento econômico ampliado.

Uma potência imperialista, para continuar seu processo de expansão econômica, deve ser capaz de subjugar os países semicoloniais que pertencem a sua esfera de influencia, a seu espaço econômico. Essa é forma fundamental de garantir um mercado fornecedor de matéria prima e insumos baratos à sua produção, um mercado capaz de absorver sua exportação de produtos finalizados a preços acima de seu valor, forma fundamental de criação de um sobre-lucro para a metrópole imperialista, mercados capazes de absorver a exportação de seus capitais com uma oferta de força de trabalho barata a abundante, forma de combater a queda tendencial da taxa de lucro através de uma maior taxa de mais-valia. Uma economia semicolonial dependente pode permitir também ao país imperialista a valorização artificial de seu capital financeiro, por meio da especulação, assim como diversas outras formas de exploração.

A questão é que essa subjugação dos países semicoloniais por parte dos países imperialistas não é uma relação econômica direta, mas antes mediada pelas relações políticas reais e concretas entre os países. Uma subjugação muito direta e profunda, por exemplo, pode gerar uma resistência por parte das classes subalternasnos países semicoloniais que tenda a pressionar setores das classes médias pequeno-burguesas e dos trabalhadores a resistir a exploração imperialista, inclusive fazendo apelo à ideologia nacionalista, parte fundamental das formas ideológicas através das quais toda burguesia nacional pode legitimar sua dominação.

Ao mesmo tempo a expansão econômica de um país imperialista, a maior exploração de suas semicolonias é parte fundamental da construção do “contrato social”, do equilíbrio de força entre as classes, dentro desses países, que permite à burguesia atrair um setor do proletariado para dentro de sua esfera de influência de forma mais estável, tanto materialmente, através da formação de uma aristocracia operária, com efetivos privilégios em relação ao conjunto da classe trabalhadora, quanto subjetivamente através de uma ideologia nacionalista chauvinista, que cria um abstrato sentimento de superioridade do proletariado dos países centrais em relação a seus irmãos de classe em países periféricos.

Dessa forma, vemos que também na relação entre economia e geopolítica (e na interação entre esses dois momentos e a luta de classes), é impossível pensar em cada um dos momentos como algo independente e que se desenvolve de forma paralela em relação ao outro, paralelas que se tocariam apenas nos momentos de crise. Antes é essa uma relação extremamente complexa e dinâmica, em que cada um dos momentos é imediatamente unido e separado em relação ao outro, em que cada momento é ao mesmo tempo simultâneo e sequencial em relação ao outro, em uma interação dialética em que a unidade de momentos distintos é unidade de identidade e não-identidade entre esses momentos, sendo o momento predominante o momento econômico, o que de forma alguma apaga o caráter ativo e concreto tanto da luta de classes quanto das relações interestatais sobre a economia.

Toda formação econômico-social capitalista como totalidade concreta, assim, só pode ser entendida como síntese de seus elementos constitutivos (economia, luta de classes e relações interestatais), como unidade dessa multiplicidade, onde o momento predominante, a economia, não é único elemento ativo, mas elemento ativo-passivo em ralação aos outros componente do complexo, a luta de classes e as relações interestatais.

A CRISE DO CICLO ECONÔMICO E AGUDIZAÇÃO DA LUTA DE CLASSES

A crise do ciclo econômico, assim, é crise da forma determinada como tinha se configurado e organizado a reprodução ampliada do capital. As relações técnicas que permitiam a produção, ou seja, o grau de desenvolvimento tecnológico da produção, as formas como era organizado o trabalho dentro dessas relações técnicas, o equilíbrio de forças entre as classes, que permitia um determinado grau de exploração do trabalho, a exploração dos países semicoloniais, que permitia um fluxo determinado de matéria primas e insumos, e a interação complexa entre todos esses elementos entram em crise, não mais podem se reproduzir de forma ampliada pelas mesmas vias em que tinha se reproduzido até ali.

Mas por que essa crise do regime de acumulação, que caracteriza toda crise econômica, é um catalisador para a agudização da luta de classes? Porque a crise do regime de acumulação rompe o equilíbrio de forças que tinha se construído entre as classes durante o período anterior, não só o equilíbrio entre burguesia e proletariado quanto entre essas e as demais classes e setores que compõe a sociedade. As formas determinadas de divisão do produto líquido do ciclo econômico, as formas ideológicas que legitimavam o “contrato social” anterior se rompem, dando lugar a necessidade para a burguesia de construir um novo equilíbrio entre as classes, uma nova forma de subjugar o proletariado e construir o consentimento ativo dessa classe a sua dominação.

Uma forma fundamental de a burguesia superar a crise do regime de acumulação anterior é o aprofundamento da exploração intensiva ou extensiva (ou uma combinação de ambas) da classe operária. O aprofundamento da exploração intensiva da classe operária permite uma superação da crise, pois aumenta a exploração da classe operária já existente, ou pela redução do valor da força de trabalho, ou pelo aumento da produtividade do trabalho, ou aumento da jornada de trabalho, o que permite a extração de uma maior taxa de mais-valia tanto absoluta (no caso da diminuição do valor da força de trabalho ou aumento da jornada) quanto relativa (pelo aumento da intensidade do trabalho). Uma maior exploração extensiva do proletariado é permitida pela proletariazação das demais classes subalternas que compõe a sociedade, aumentando o exército industrial de reserva, o que permite diminuir o valor da força de trabalho dos setores já proletariazados da sociedade, ou pela submissão de mais setores da economia diretamente ao capital, o que aumenta o número de horas de trabalho que geram diretamente mais valia para a burguesia.

Essa necessidade para a burguesia de romper o equilíbrio entre as forças na luta de classes e aprofundar a exploração do proletariado tende a gerar resistências por parte de nossa classe, o que acaba sendo um catalizador, um motor, para o aprofundamento da luta de classes. Todas as formas de interação que tinham conseguido reproduzir uma relativa passividade por parte dos trabalhadores, seu consentimento ativo relativo, a dominação capitalista se rompem, e uma resistência cada vez maior e tenaz tende a se produzir contra as formas de intensificação da exploração que a burguesia busca impor.

Essa resistência num primeiro momento defensiva pode se desenvolver para uma luta ativa contra a exploração capitalista de conjunto, se um setor de vanguarda se preparou no momento anterior, acumulou forças suficientes, para ter papel ativo na direção primeiro dessa resistência e depois num momento de passagem à ofensiva. Esse setor de vanguarda deve ser capaz de aproveitar essa crise de hegemonia que as crises tendem a produzir para dirigir a insatisfação espontânea e tateante do proletariado contra a sociedade capitalista, insatisfação que cada vez mais se desenvolve em revolta, para os centros de gravidade do poder burgues, visando derrubá-lo.

Na falta desse setor de vanguarda, ou no caso de uma insuficiência de suas forças, a pressão exercida por essa insatisfação e revolta do proletariado nos momentos de crise tende a se dissipar, seja porque o proletariado depois de grandes sacrifícios e lutas tende a dispersar e consumir suas forças, o que prepara as possibilidades do contra-ataque da burguesia, seja porque a burguesia consegue impor a exploração e proletarização de outros setores da sociedade, de países semicoloniais, no caso da burguesia imperialista, o que permite a ela cooptar e comprar setores importantes dos trabalhadores em luta.

AS NECESSIDADES DA REPRODUÇÃO DA ECONOMIA CAPITALISTA E REPRESSÃO AOS APARATOS HEGEMÔNICOS DO PROLETARIADO

Os momentos de crise no regime de acumulação que haviam instituindo os capitalistas no período anterior tendem a criar fissuras entre as classes subalternas e as instituições e organismos através dos quais a burguesia garantia e exercia sua hegemonia anteriormente; há a tendência a se criar um período de crise orgânica, no qual as formas ideológicas e institucionais através dos quais os capitalistas constroem o consenso ativo dos dominados a seu poder passam a ser mais e mais contestadas. Esses momentos de crise da hegemonia burguesa são férteis, tendencialmente, para que o proletariado construa seus próprios aparatos hegemônicos, organismos de poder, instituições através do qual o proletariado pode organizar e difundir sua ideologia e buscar exercer hegemonia sobre as demais classes e grupos subalternos.

No entanto, a existência de fortes aparatos hegemônicos proletários, capazes de organizar a contestação das classes subalternas à dominação burguesa, é uma barreira para que a burguesia possa estabelecer uma nova correlação de forças na luta entre as classes favorável a que ela institua um novo regime de acumulação capaz de superar os entraves que se erigiram à acumulação ampliada de seu capital. É fundamental, portanto, à burguesia destruir, ou pelo menos enfraquecer, a influência dos aparatos hegemônicos proletários sobre as massas como forma de restabelecer uma correlação de forças favorável à acumulação ampliada do capital, que permita aprofundar a exploração intensiva e extensiva do proletariado.

A crise do ciclo econômico anterior, assim, é uma catalisadora do aprofundamento e agudização da luta de classes, pois ao romper o equilíbrio de forças entre as classes e as formas subjetivas de legitimação e construção de consentimento ativo à dominação exige que as classes em disputa lutem de forma mais aberta e clara pela objetivação de uma nova correlação de forças, cada uma lutando para impor uma correlação de forças favorável a seus interesses, num jogo de soma zero, posto serem classes antagônicas (jogo de soma zero ou relação polar, ou seja, o fortalecimento de uma das classes antagônicas é o enfraquecimento da outra e vice-versa).

Enquanto o proletariado, aproveitando esse momento de crise da hegemonia burguesa, das formas concretas de objetivação da dominação capitalista, busca estabilizar e expandir a influência de seus aparatos hegemônicos, visando estrategicamente dar um golpe mortal na sociedade burguesa, os capitalistas buscam enfraquecer e em última instância apagar a influência desses aparatos hegemônicos proletários que contestam sua dominação e que são uma barreira à instituição de novas relações entre as classes favoráveis a acumulação ampliada do capital.

Vemos assim que a relação entre economia e luta de classes, entre estrutura econômica e superestrutura política, organizativa, etc, longe de uma relação entre mecanismos independentes e que funcionam de maneira paralela é uma relação extremamente dinâmica e complexa em que cada um dos momentos é idêntico e não-idêntico ao outro, uma efetiva unidade dialética entre identidade e não-identidade de momentos distintos.

O estabelecimento de uma relação na superestrutura política, organizativa, que leve a um consentimento ativo das classes subalternas à sua dominação é essencial aos capitalistas para conseguir construir um ambiente favorável à superação da crise econômica pelo estabelecimento de uma nova forma de aprofundamento da exploração do proletariado. Sem uma classe operária adaptada a ser explorada de forma vantajosa é impossível à patronal impor um novo regime de acumulação que permita um novo período de acumulação ampliada do capital.

Essa capacidade, porém, de impor ao proletariado uma adaptação as necessidades do capital em expansão está longíssimo de ser algo natural, ao contrário, é sempre fruto de uma encarniçada luta, onde a burguesia, para conseguir seus objetivos, deve reprimir de forma aberta ou velada os aparatos hegemônicos através dos quais o proletariado organiza sua contestação e luta contra a sociedade do capital.

CONJUNTURA ECONÔMICA E CONJUNTURA DA LUTA DE CLASSES

De todo o expresso anteriormente fica evidente que não há uma determinação mecânica entre a conjuntura econômica e a conjuntura da luta de classes. Não existe nenhuma determinação unívoca e unilateral onde o crescimento econômico levaria de forma mecânica a uma passividade do proletariado e os momentos de crise necessariamente a uma grande luta de nossa classe; essa relação é muito mais complexa e mediada. Há uma tendência, certamente, a que nos momentos de estabilidade e crescimento do ciclo econômico as lutas sejam menos radicais e profundas, mas de forma alguma a que elas não existam, por exemplo.

Ao contrário, um momento de crescimento econômico pode ser extremamente propício as lutas parciais e acumulo de forças por parte do proletariado, posto que confiante em suas forças e em sua centralidade para o processo produtivo em expansão, sem a medo do desemprego, sendo capaz de obter vitórias parciais (pela necessidade da burguesia de aproveitar o momento propício é muito provável que ela faça concessões parciais para garantir evitar uma greve maior, por exemplo) o proletariado pode se recuperar da depressão subjetiva ocasionada por um período anterior de derrotas, por exemplo. Uma hábil direção revolucionária, assim, longe de esperar de forma passiva um momento de crise do ciclo econômico para começar a se construir no seio da classe e criar raízes entre os trabalhadores, deve aproveitar esse momento de possíveis vitórias parciais do proletariado, de confiança em suas próprias forças, para acumular a potência necessária para desferir golpes mais agudos e audazes nos momentos de aprofundamento da luta de classes.

Da mesma forma um momento de crise econômica não de maneira mecânica é um momento propício para o aprofundamento da consciência de classe e revolucionária do proletariado. Se no momento anterior não se construiu uma direção audaz e com clareza estratégica e programática, com raízes entre os trabalhadores, se o momento anterior foi de derrotas e desmoralização, ou se a burguesia, por meio de alguma figura ou personalidade carismática, conseguiu construir uma letargia e passividade agudas em nossa classe, um momento de crise econômica, com o desemprego, baixos salários, instabilidade de vida para os trabalhadores, que são suas consequências, pode significar uma ainda menor disposição à luta, um medo paralisador, de se mobilizar e sofrer as consequências do contra-ataque patronal.

Dentro da própria conjuntura econômica essa relação não é também unilateral e mecânica. Por exemplo, uma conjuntura de crise econômica não é algo que leva a uma linear piora dos indicadores econômicos a todo momento; mesmo durante a crise, mesmo a economia permanecendo em crise, certamente existirão situações de recuperação econômica relativa, de relativo respiro, ainda em uma conjuntura de crise. Seria um grande erro pensar que num cenário de luta de classes aberta, de ascenso de lutas do proletariado durante uma conjuntura de crise econômica, uma situação de relativo respiro e recuperação econômica levaria a um descenso da luta de classes de forma mecânica. Ao contrário, na conjuntura de crise uma situação assim pode ser um forte impulso à luta dos trabalhadores, caso uma hábil direção classista consiga utilizar as maiores possibilidades de vitórias parciais, a entrada de uma série de trabalhadores desempregados novamente na produção, etc, para expandir e estabilizar sua influência.

Uma recuperação contundente da economia, uma saída efetiva da crise e início de um novo ciclo de expansão econômica, tende, certamente, a impactar negativamente na luta de classes, pois significa que a burguesia conseguiu impor, mesmo que num primeiro momento de forma precária, uma nova correlação de forças entre as classes e um novo regime de acumulação. Uma nova situação na luta de classes se abre, no qual a guerra de posição novamente tende a ocupar o primeiro plano e lutas parciais, tanto defensivas quanto ofensivas, passam a estar na ordem do dia. Vemos, no entanto, que essa relação entre conjuntura econômica e da luta de classes nunca é mecânica e unilateral, mas sempre dinâmica, complexa e multifacetada.

CONCLUSÃO: O CAPITALISMO COMO FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL E NECESSIDADE DA APROPRIAÇÃO DA NATUREZA E REPRODUÇÃO DA RIQUEZA

Nesse breve artigo buscou-se contrapor a duas formas unilaterais opostas e complementares de estabelecer a relação entre economia e luta de classes a concepção correta dentro de um ponto de vista marxista. Contra uma visão materialista mecânica de um determinismo unívoco e unilateral e contra uma visão proto-idealista de independência da luta de classes em relação a determinação efetiva da economia sobre ela, buscou-se apresentar a visão marxista de uma interação dinâmica e complexa entre economia, luta de classes e relações interestatais, no qual cada um dos elementos é parte de uma unidade em qual todos são elementos ativos e passivos que sintetizados formam essa unidade, tendo como momento predominante a economia, isso de forma alguma querendo dizer que a economia não é também determinada pelos movimentos relativamente independentes da luta de classes e das relações entre os estados.

Entender a economia não como algo extrínseco e paralelo a luta de classes, mas como parte fundamental sua, foi essencial à empreitada. Numa sociedade dividida em classes, como a capitalista, as formas de estruturação que assume o metabolismo entre o ser humano e a natureza circundante, as formas através das quais os seres humanos associados se apropriam de seu ambiente natural, são parte fundamental da luta entre essas classes. A estruturação desse metabolismo entre humanidade e natureza, evidentemente está longe de ser algo natural, mas é construção histórica, e os rumos da construção desse metabolismo estão em disputa numa sociedade dividida em classes. A economia, como ciência social, nesse sentido, trata não apenas da produção de coisas, mas das formas de interação social que permitem à comunidade se organizar para poder efetivamente se apropriar de seu ambiente.

A luta de classes tem seu fundamento na economia, assim, porque toda luta política expressa a luta pelas formas como devem se organizar os seres humanos associados para se apropriar de seu ambiente natural e sobre como serão distribuídos os frutos, o produto, dessa apropriação. As formas jurídicas, políticas, artísticas, ideológicas, etc, são formas superestruturais de expressão dessa organização estrutural dos seres humanos em seu metabolismo com a natureza. A luta pelo poder político do proletariado, por exemplo, tem como uma de suas finalidades a utilização desse poder político (dessa capacidade que tem através desse poder político de impor sua vontade subjetiva de classe a toda sociedade) para reorganizar as estruturas econômicas da sociedade, as formas através das quais os seres humanos associados estruturam seu metabolismo com o ambiente natural, fazendo com que as formas com que se estruturam esse metabolismo social não dependam da exploração de um setor (majoritário) da sociedade por outro (minoritário). Essa transformação das estrutura produtiva através do qual nos apropriamos da natureza leva como consequência a uma transformação das forma de distribuição da riqueza, acabando com a desigualdade entre uma classe que frui de todos os benefícios da produção enquanto outra é alijada de seu frutos.

A luta de classes tem como fundamento a luta pela transformação das estruturas econômicas inclusive porque parte das outras trincheiras onde se desenvolve a luta, como a arte, a ciência, a política, a ideologia, etc, dependem em amplo sentido daquela. A luta pela produção artística, política, etc, é parte da luta pela apropriação do excedente econômico, a luta pelo lazer, pelo reino da liberdade, pelo ócio, capaz de produzir um ser humano integral, com capacidade de ser trabalhador pela manhã, crítico pela tarde, artista ao anoitecer.
Essa constatação em nada apaga o caráter ativo da superestrutura sobre a estrutura econômica, como mostra o simples fato de que as transformações na estrutura econômica não se dão de forma mecânica, mas antes que a conquista do poder político e sua utilização consciente pela classe revolucionária é elemento fundamental para a transformação dessa estrutura.

Além disso, é muito evidente que a possibilidade da tomada do poder político pelo proletariado não se constrói de forma mecânica pelo desenvolvimento das relações de produção capitalistas, mas é fruto da ação política consciente dos trabalhadores, ação política essa que é relativamente independente das relações econômicas. Todo modo de produção é além de uma forma de apropriação da natureza um amplo complexo de relações sociais, que estão para muito além da economia, envolvendo as mais diversas formas de superestrutura ideológica, que evidentemente não são elementos apenas passivos, mas ativos na formação do que deve ser entendido como uma formação econômico-social, sempre multifacetada e dinâmica, em que cada um dos elementos é parte ativa e passiva na formação do todo.

A apreensão científica da relação entre economia e luta de classes é elemento fundamental para pensarmos os cenários estratégicos em que se desenvolve a luta entre as classes. Com esse artigo o autor espera ter contribuído para a apreensão científica dessa relação.

 
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