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TEORIA
Dialética e marxismo: Isaak Illich Rubin e o fetichismo da mercadoria
Juan Dal Maso

Continuaremos com a série de marxismo e dialética com alguns aspectos da leitura de Isaak Illich Rubin sobre a importância teórica e metodológica do fetichismo da mercadoria no pensamento de Marx.

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Isaak Illich Rubin (1886-1937) foi um destacado economista e pesquisador da obra e Marx. Antes da revolução russa havia militado na fração menchevique do Partido Operário Socialdemocrata Russo. Em 1926 ingressou como pesquisador no Instituto Marx-Engels, coordenado por David Riazanov. Em 1930 foi preso e acusado falsamente de conspirar para reorganizar um centro menchevique. Foi liberto em 1934 e enviado ao Cazaquistão em uma espécie de exílio externo. Em 1937 foi detido no marco do “Grande Expurgo” levado adiante pelo regime de Stalin e executado em alguma data próxima a 25 de novembro de 1937.

Sua obra mais conhecida são os Ensaios sobre a teoria marxista do valor (1928) na qual faz uma série de contribuições fundamentais para a reflexão crítica sobre a obra de Marx, em especial O Capital.

Daremos foco neste artigo, em sua leitura sobre a questão do fetichismo da mercadoria, seu lugar no desenvolvimento da compreensão marxista o capitalismo e sua importância teórica para compreender os argumentos e o método dialético de Marx.

Rubin questionava aqueles críticos de Marx (Tugan-Baranovski entre outros) que haviam interpretado a exposição de Marx sobre o fetichismo da mercadoria como uma digressão filosófica sem relação com a crítica à economia política. Pelo contrário, ressaltava que a questão do fetichismo da mercadoria era inseparável da teoria do valor de Marx e era chave para compreender o capitalismo, já que era “uma teoria geral das relações e produção da economia mercantil”.

Antes de retomar os argumentos de Rubin, vejamos como Marx definia o fetichismo da mercadoria em sua conhecida passagem de O Capital:

“O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social entre os objetos, existente à margem dos produtores. É por meio desse quiproquó que os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sensíveis-suprassensíveis ou sociais. A impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo óptico não se apresenta, pois, como um estímulo subjetivo do próprio nervo óptico, mas como forma objetiva de uma coisa que está fora do olho. No ato de ver, porém, a luz de uma coisa, de um objeto externo, é efetivamente lançada sobre outra coisa, o olho. Trata-se de uma relação física entre coisas físicas. Já a forma-mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho em que ela se representa não tem, ao contrário, absolutamente nada a ver com sua natureza física e com as relações materiais [dinglichen] que dela resultam. É apenas uma relação social determinada entre os próprios homens que aqui assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Desse modo, para encontrarmos uma analogia, temos de nos refugiar na região nebulosa do mundo religioso. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, como figuras independentes que travam relação umas com as outras e com os homens. Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo de fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias.” [1]

Rubin assinalava que o fetichismo da mercadoria não era uma ilusão ideológica, mas sim o resultado de um processo social. Suas bases objetivas estavam dadas pelo fato de que ao caracterizar-se a sociedade capitalista moderna pela organização da produção em função da troca no mercado, os produtores atuavam como produtores privados independentes sem relação estabelecida de antemão. Ao estabelecerem relação através da troca de mercadorias, a relação social entre as pessoas efetivamente se realizava através da mediação das coisas, ou seja, das mercadorias. As mercadorias, neste contexto, se caracterizavam por ter uma existência material e uma função social e essa dualidade é chave para compreender a crítica de Marx à economia política.

Rubin destacava que na sociedade capitalista se dá um processo de coisificação das relações de produção entre as pessoas e personificação das coisas. Isto significa que as relações de produção se materializam nas mercadorias e, por sua vez, o proprietário de coisas com determinada forma social (por exemplo o capital) estabelece a partir destas coisas (falando sempre de objetos produzidos para ser trocados no mercado ou por seu equivalente em dinheiro) relações de produção concretas com outras pessoas. Uma vez que este processo de “coisificação das relações de produção” se generaliza em um sem-número ininterrupto de transações entre produtores de mercadorias, as “coisas” (mercadorias produzidas para o mercado) mantém essa característica de condensar relações sociais ainda que momentaneamente a troca se interrompa para casos específicos. Deste entrelaçamento entre as relações sociais de produção e as mercadorias, surge o fetichismo de considerar que as coisas “têm valor” como uma característica própria.

Rubin sustentava que ao destrinchar o problema do fetichismo, Marx estabeleceu uma relação nova entre a existência material das categorias econômicas e sua função social. Isto significa que analisando as categorias econômicas em seus distintos níveis de complexidade, Marx expôs uma série de formas que expressavam as relações sociais através das “coisas”. Por exemplo, o dinheiro que cumpre a função de vincular de forma direta o capitalista com os trabalhadores têm a forma de “capital variável”, enquanto aquele que os vincula indiretamente tem a de “capital constante”. Os conceitos básicos da economia política expressam relações de produção entre as pessoas, que estão mediadas por coisas (mercadorias), assim estas cumprem uma função social e adquirem portanto uma forma social. Por isso, para Rubin a teoria de Marx analisava um conjunto de formas econômicas que respondiam a uma série de “relações de produção de complexidade crescente entre as pessoas”, incluídas aquelas mais complexas como a “forma valor” e a “forma dinheiro”. Neste tratamento das formas residia, segundo Rubin, a formulação metodológica totalmente nova dos problemas econômicos por Marx. Rubin não se referia ao tratamento das formas como tais (questão que já estava presente em Schiller, Hegel, no romanticismo e no idealismo alemão), mas sim ao tratamento das formas econômicas em relação com suas determinações sociológicas.

Neste contexto, Rubin (assim como Antonio Labriola) caracterizava o método dialético de Marx como um “método genético”: “Este método genético (ou dialético) que contém análises e sínteses, foi contraposto por Marx ao método analítico unilateral dos economistas clássicos. O caráter único do método analítico de Marx não consiste somente em seu caráter histórico, mas também em seu caráter sociológico, na intensa atenção que presta as formas sociais da economia. Partindo das formas sociais como dadas, os economistas clássicos trataram de reduzir as formas complexas nas formas mais simples através de análises, isto com o intuito de descobrir sua base ou conteúdo técnico-material. Marx, por outro lado, partindo de uma condição dada do processo material da produção, de um nível determinado das forças produtivas, tratou de explicar a origem e o caráter das formas sociais que assume o material e a produção”

A leitura de Rubin permite aproximar-se da dialética marxista de um modo distinto dos habituais (explicação de leis dialéticas). Ao eleger como centro de sua reflexão a problemática do fetichismo da mercadoria e sua relação com as características específicas das relações de produção no capitalismo, apresenta a dialética como um pensamento que expõe relações sociais concretas entre sujeitos (os seres humanos que se relacionam em função da produção e reprodução da vida material), entre sujeitos e objetos (as “coisas” produzidas com o fim de serem compradas e vendidas no mercado) e entre planos da realidade que são reproduzidos conceitualmente (categorias econômicas e formas sociais). Deste modo, as clássicas problemáticas dialéticas de relações de interdependência entre essência e aparência e forma e conteúdo, que muitas vezes são expostas de maneira abstrata, são reformuladas de maneira original a partir de uma releitura metodológica do pensamento de Marx.

Esta proposta de leitura de Rubin representa uma importante contribuição para a compreensão da dialética como um pensamento do concreto.

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[1] Trecho em português retirado da edição de O Capital publicado pela Editora Boitempo. Tradução de Rubens Enderle.
O Capital, Karl Marx, 2013, Ed. Boitempo. O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo. pp. 206-7.

 
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