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Resposta ao professor marxista que condenou pixação na USP
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História
Victor Mariutti, estudante de Ciências Sociais USP

Escrevemos aqui uma resposta ao professor chefe de departamento de Sociologia da USP, proveniente da tradição marxista, mas que em um post de facebook condenou uma pichação nas paredes da faculdade.

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Na Universidade de São Paulo o ano começou com uma série de ataques. Logo em janeiro a Reitoria atacou os trabalhadores ao tentar despejar a sede histórica do SINTUSP, ao mesmo tempo em que fechou a Creche Oeste que foi ocupada por funcionários, pais e alunos. Essa ofensiva de Marco Antônio Zago contra a USP ocorre em seu último ano enquanto Reitor, e por isso busca às pressas implementar o projeto de desmonte e privatização, para o qual foi escolhido por Alckmin para o cargo.

Nessa última terça-feira (07/03), ocorreu uma repressão brutal contra estudantes, professores e funcionários que se manifestavam em frente à reitoria contra uma série de propostas que buscam elitizar e precarizar ainda mais a USP, destruindo por completo seu caráter público. São propostas que a comunidade universitária vem chamando de PEC do fim da USP, já que busca, até 2022, a demissão de ao menos 5.000 mil funcionários e o congelamento dos salários dos professores e funcionários. Isso significa diretamente o fechamento do Hospital Universitário, das creches que restam, na completa terceirização dos bandejões e num impacto direto sobre a vida dos estudantes pelo corte de bolsas de pesquisa e permanência.

Mesmo com muito sangue derramado, professoras, funcionárias e alunos presos e seriamente agredidos por bombas e cassetetes, num momento em que a reitoria investe num ataque histórico, Ruy Braga decidiu que era necessário abrir uma reflexão acerca de um picho nas paredes do prédio de Ciências Sociais e Filosofia, em que estava escrito “Contra a PEC do fim da USP. Faísca.” Diz ser uma manifestação oportunista e preguiçosa, já que para ele, a FFLCH é uma faculdade em que professores e alunos já estão completamente cientes e há uma hegemonia quanto ao que significa essas propostas. Nos acusou, por isso, de sermos eleitoreiros e mesquinhos por termos nos identificado enquanto Faísca num picho.
Infelizmente, se fosse verdade esse consenso, no ato em que fomos duramente reprimidos haveria milhares e não poucas centenas de estudantes e professores da História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia e Letras. O DCE, e todos os centros academicos da FFLCH teriam convocado e construído o ato, com grandes blocos com estudantes de cada curso, para intervir no processo e nos rumos de nossa universidade. Mas esse consenso que Ruy Braga alega, não é visto na prática, e na verdade, não existe.

Se quisermos ter uma reflexão séria, como tenta propor o professor, precisamos lembrar que a FFLCH não é um “vale encantado esquerdista". Muito pelo contrário, pois o que vemos é que existem diversos setores, com diversas opiniões dentro da faculdade, desde aqueles que defendem abertamente as posições privatizantes e estão alinhados com a política da reitoria, passando por aqueles que estão céticos e acham que a mobilização não pode mais responder aos ataques, até aqueles que veem a gravidade da situação e estão dispostos a se organizar para lutar e responder a altura do ataque que a reitoria pretende implementar.

Durante a ditadura militar, os cursos de humanas, e em especial a Ciências Sociais, foram verdadeiros bastiões de resistência contra os militares e no final do regime foi um dos primeiros locais no Brasil a proclamar “Abaixo a ditadura!”. Com uma atuação enraizada no movimento operário, os alunos da Ciências Sociais davam aulas sobre marxismo para trabalhadores em Osasco, que foi onde explodiu o levante operário no final da década de 70. Nem precisamos ir tão longe, pois em 2007 o movimento estudantil da USP, UNICAMP e UNESP, em unidade com os trabalhadores e professores, derrubaram o secretário de educação e derrotaram os decretos de Serra.

Esses são apenas alguns exemplos. Por mais que Ruy Braga afirme não saber o que é a Faísca, o que é possível, mas improvável, fica claro em seu post que possui fins políticos nada imparciais e despretensiosos, como sugere. Ele diz que a pichação tem o objetivo de ganhar alguns votos para eleição de centro acadêmico, mas não existe nenhuma eleição de centro acadêmico em curso ou próximo, e a Faísca, quando adentra eleições, nunca sai com esse nome. Isso por si só já derruba boa parte da tese dele de que a pichação foi oportunista. Quando afirma que há consenso na FFLCH em relação à PEC do fim da USP, mostra um desconhecimento com relação à sua própria faculdade, casa de alguns famosos tucanos e direitistas, como não lembrar de FHC? Ou apenas oportunismo para criticar um agrupamento com o qual ele não concorda.

Não fazemos agitação e política visando votos. Diante de tanta confusão, devemos lembrar que não partimos da tradição de que grandes mudanças ocorrem com os votos e nem se limitam aos órgãos de democracia institucionalizada, tanto em âmbito nacional quanto no regime interno de nossa universidade. O Conselho Universitário, composto por burocratas e professores, dos quais 1/3 tem ligação com empresas de terceirização e de fundações privadas, é uma prova do quanto é falsa essa democracia acadêmica. Muitos dos professores ganham salários ilegais, sendo dezenas de milhares de reais, inclusive Zago recebe salário de cerca de R$30.000, mais até do que Alckmin.

Na FFLCH, ano passado, foi feita uma “eleição farsa” para a direção da faculdade. Dentro da faculdade de humanas mais renomada e onde Ruy Braga diz ser consensual o rechaço a PEC do fim da USP, os estudantes e trabalhadores não tem voz nenhuma e são completamente ignorados pela diretoria, assim como são pela reitoria. Nessa “eleição” na qual concorreram duas chapas, Ruy Braga apoiou a chapa da atual diretora da faculdade, Maria Arminda, que foi pró-reitora de Zago por muito tempo, chegando a participar de decisões importantes como a tentativa de desvinculação do Hospital Universitário.

A Chapa do professor Coggiola, através de uma consulta a professores, trabalhadores e estudantes ficou disparadamente na frente. Entretanto, desrespeitando a decisão da maioria da faculdade, através de uma eleição onde apenas um pequeno setor de professores pôde votar, uma parcela ainda menor de funcionários, e uma parcela ínfima de estudantes, apenas 200 pessoas, num universo de 13,5 mil, tiveram direito ao voto e num resultado apertado, Maria Arminda se elegeu como diretora da FFLCH. O professor Ruy Braga foi uma figura chave na campanha como chefe de gabinete da Sociologia e completamente conivente com um processo tão descaradamente antidemocrático e burocrático.
Talvez isso justifique por que Ruy Braga quis atacar uma agrupação de juventude, que combate dia a dia as políticas privatistas e precarizadoras de Zago, ao invés de lutar contra o C.O. e a Reitoria. Parece ser algo rotineiro na atuação política do professor uma verborragia sobre meios democráticos para avançar na defesa da USP, mas ao mesmo tempo participar e ser cúmplice de processos tão burocráticos e antidemocráticos, como no exemplo acima das eleições para direção da FFLCH. Porque o professor não considera isso oportunista, preguiçoso e eleitoreiro?
Por que não reivindicar as falas de nossos “representantes” no C.O. que bravamente se colocaram contra o absurdo que acontecia naquele dia, e em primeiro lugar mostrar um completo rechaço e não reconhecimento da votação que ocorreu sobre gás, bombas e sangue de estudantes trabalhadores e professores? Por que não ajudar a convocar e construir a próxima paralização do dia 15, na qual vários setores vão paralisar? Porque tanta revolta contra uma simples pichação no prédio da Sociais com um conteúdo extremamente democrático? Porque tanta desaprovação com uma assinatura?

Talvez porque esteja de acordo com a política adotada pela diretoria da faculdade, já que Maria Arminda tem uma filosofia em relação à arte parecida com a de Dória. Nesse ano a FFLCH teve seus muros pintados, até aí é algo comum, novas paredes para receber novos pichos dos mais variados tipos, posições, assinaturas e consignas. Entretanto, as novas intervenções e novos pichos, como nunca antes tinha acontecido, foram cobertos. A tinta cinza que Maria Arminda usou carrega o mesmo conteúdo daquela usada por Dória. Ruy Braga, com propriedade enquanto apoiador de Maria Arminda, explica o motivo das pichações estarem sendo cobertas: é porque, segundo ele, elas poluem e degradam o ambiente de estudo e trabalho.
Nós entendemos que a pichação é uma manifestação artística e política subversiva que confronta a propriedade privada e questiona o caráter do espaço público. Se trata de um meio de agitação tradicional dos movimentos operários e estudantis, como se viu em maio de 68, entre outros levantes da juventude e da classe trabalhadora. Por isso reivindicamos a pichação como uma das ferramentas políticas de mobilização e construção de um movimento estudantil amplo e combativo, capaz de se opor aos ataques da reitoria. Intervimos assim porque entendemos que a mobilização não se dá de forma espontânea e sim pela organização dos estudantes.

Diferente do que Ruy Braga pensa, não existe um consenso entre a comunidade FFLCH acerca da PEC do fim da USP. Não pode se separar o nível de consciência política das pessoas de sua ação. Se fosse assim, desde os representantes da direção da faculdade no C.O. se expressaria uma posição unificada com os estudantes e funcionários, que naquele dia fizeram suas falas de repudio ao absurdo daquela votação e de apelo para que os conselheiros se levantassem da sessão e não permitissem que um ataque dessa magnitude pudesse passar enquanto lá fora corria o sangue daqueles que se manifestavam contra essa medida. Além disso, Na FFLCH a maioria dos centros acadêmicos, assim como muitos professores, estão alinhados com o petismo que durante muitos anos foi responsável pela contenção dos movimentos sociais e operários, e hoje dá mais importância para a campanha de Lula em 2018 como solução a crise econômica e política do que para a organização da luta e resistência. Se negam a colocar em cena os grandes batalhões de trabalhadores e jovens para barrar os ataques do governo golpista de Temer. Sendo assim, diversos conteúdos de agitação são pertinentes no instituto, inclusive pela luta contra a PEC do fim da USP.

Percebemos que tantos ataques a um coletivo devido a apenas uma pichação, e tanto diletantismo em relação ao conteúdo da nossa assinatura, que ele dizia mal conhecer, se deve ao fato de que ainda que seja um professor marxista, no final das contas acaba tendo uma política conciliatória com a burocracia universitária e conivente com a estrutura antidemocrática de poder da universidade, como vemos por seu apoio a Maria Arminda e consequente alinhamento em relação à censura das intervenções artísticas e políticas na FFLCH.

Para nós da Faísca é essencial o embate a burocracia universitária e seus órgãos de poder antidemocráticos e elitistas, que servem somente aos grandes empresários e donos de fundações privadas sobre representadas no C.O. Por isso defendemos que se dissolva essa burocracia, composta por alguns poucos professores com altos privilégios, e contra essa estrutura de poder, lutamos pelo controle e gestão por todos os estudantes, trabalhadores e professores, onde sejam eleitos em seus locais de estudo e trabalho. Defendemos a liberdade de expressão artística e política como forma de organizar a mais ampla resistência e defender a universidade desse grande ataque, para transformá-la em uma universidade a serviço de toda a população pobre e trabalhadora.

Resta saber se as publicações de Ruy Braga estão realmente no âmbito da crítica e reflexão política, ou se tratam de uma ameaça de censura e perseguição tendo em vista a sua posição como chefe de departamento.

 
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