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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Para os administradores, a USP não pode dar certo
Diana Assunção
São Paulo | @dianaassuncaoED
Jorge Luiz Souto Maior

O projeto quer eliminar todas as experiências de sucesso da universidade, que não estejam ligadas à lógica de mercado, para destruir o seu caráter de ente público, favorecendo a inserção dos mecanismos de privatização: investimento privado; pagamento de mensalidade; terceirização de serviços; submissão dos trabalhadores ao regime “meritório” e assediante da imposição de metas; destruição da resistência sindical.

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Considerando as atitudes do atual Reitor da USP, a mensagem que fica é muito clara: a USP não pode dar certo.

Ora, o Reitor, sem qualquer discussão, sobretudo com os diretamente interessados, do final do ano passado para cá: propôs uma intervenção nas atividades dos Centros Acadêmicos da Física, da FAU e da ECA; tentou expulsar o SINTUSP do Campus; determinou o fechamento da creche-Oeste e, por meio, de uma proposta de Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-financeira da USP, apontou uma espada contra servidores e professores.

Verdade que a Administração da USP alega razões jurídicas para a realização de todos esses atos, mas se a questão fosse jurídica o que determina o art. 37 da CF é que os atos administrativos devem respeitar aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, sempre dentro do preceito básico de atender aos interesses de ordem pública, ou seja, o caráter social da coisa pública, que é um patrimônio de todos e voltada à melhoria da vida em sociedade, não se destinando, pois, à satisfação de uma visão de mundo privada e particular.

No fundo, o Reitor da USP vale-se, retoricamente, de preceitos legais para atingir fins que interessam, exclusivamente, ao seu projeto, compartilhado com o governo do Estado, de privatizar a universidade, sendo certo que, evidentemente, tem encontrado muitos aliados pelo caminho.

Para cumprir esse objetivo de justificar a privatização com o argumento de que a instituição, enquanto bem público, não funciona adequadamente, torna-se relevante eliminar as experiências da vida universitária que impulsionam racionalidades de convívio coletivo, de solidariedade, de espírito público e de luta social.

Ocorre que se os atos administrativos só se consideram válidos quando voltados à defesa do patrimônio público com sua finalidade social, os atos que procuram destruir ou fragilizar a coisa pública só podem ser levados adiante com desvio de finalidade, ilicitamente, portanto.

No que se refere às investidas acima mencionadas, o desvio de finalidade é facilmente detectável quando se lembra que a atuação dos Centros Acadêmicos em questão é um exemplo de ativismo estudantil bem sucedido; o SINTUSP é um exemplo de sindicalismo autêntico, que não medra diante das manifestações do poder que tentam reprimir os trabalhadores, tendo recebido, inclusive, um reconhecimento público de inúmeros profissionais e entidades; a creche-Oeste é considerada um modelo singular na área da educação; e os servidores e professores, por seus méritos, constituem os reais motivos pelos quais a USP se tornou, e ainda é, uma das principais universidades da América Latina e, porque não dizer, do mundo, não se devendo tal status, por certo, aos comandos daqueles que se sucederam nos cargos de governadores e reitores.

Cumpre recordar que não é de hoje que se tem verificado essa escalada repressiva e privatizante na USP que somente se aprofunda. Foram tantas as iniciativas neste sentido que chega mesmo a ser espantoso – para o desespero da Folha de S. Paulo e do Estadão – que a USP ainda mantenha em seus quadros (de alunos, servidores e professores), de forma predominante, pessoas comprometidas com a defesa do caráter público da universidade, ainda que tenham sido, ao longo dos últimos anos, submetidas a todo o tipo de pressão.

O problema para os infratores é que a ordem jurídica e as instituições têm funcionado para conter os desvios de finalidade dos administradores públicos. De fato, é juridicamente impossível não reconhecer a autonomia das representações estudantis; a liberdade sindical; a relevância de se preservar uma creche que é referência, assim como os direitos dos trabalhadores que lá atuam, vez que o envolvimento com o referido projeto social, que é afinal, a finalidade precípua de uma instituição pública, foi também um projeto de vida de cada um deles; e negar vigência ao art. 37, X, da Constituição Federal, que garante aos servidores públicos a “revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”, de modo a inviabilizar, ao menos, a corrosão do poder de compra dos salários, impedindo-se, ainda, que a política salarial seja utilizada pelo administrador como forma de estabelecer uma relação de poder com relação aos servidores.
Vista com amplitude histórica, a tal “sustentabilidade econômico-financeira da USP”, proposta pelo Reitor, é, na verdade, um ato de represália do administrador frente aos servidores e professores, em razão das conquistas auferidas na greve de 2014. No fundo, o ato é motivado por um sentimento de vingança, que não tem, por certo, qualquer respaldo constitucional. Trata-se, meramente, de mais um capítulo de um conflito estabelecido desde que o Reitor, por ocasião de sua posse, assumiu publicamente o compromisso de acabar com o sindicalismo na USP.

O ato, portanto, é uma afronta à comunidade universitária e a toda população.
A proposta de “Parâmetros de Sustentabilidade da Universidade de São Paulo”, que será apresentada na próxima reunião do Conselho Universitário (CO), marcada para 07/03, vem em um contexto histórico de diversas iniciativas dos administradores no sentido da privatização da universidade e da resistência estabelecida por servidores, professores e estudantes, não se podendo simplesmente supor que o Reitor, de uma hora para outras, tenha abandonado o seu projeto.

Dentro desse contexto, é preciso verificar as potencialidades repressivas e privatizantes da proposta, com o gravame de que se aprovada a proposta todas as iniciativas futuras tomadas com base nela terão o aval prévio de toda a comunidade uspiana, sendo, portanto, uma forma do administrador de negar sua responsabilidade.

Veja-se, inicialmente, que a proposta toma como intocável, ou seja, sem qualquer discussão institucional, o valor do repasse do Tesouro do Estado, sem considerar, portanto, as indevidas retenções, muitas vezes verificadas por uma política neoliberal de isenção tributária, ou mesmo de omissão de cobranças, o que se efetiva, no conjunto, como uma política institucional de destruição da coisa pública.
A proposta, portanto, deixa a USP nas mãos do governo do Estado e assumi isto como natural e devido. Assim, se o Estado tem uma política contrária ao patrimônio social, a USP se verá atingida e ainda coisa que poderá fazer é reforçar a lógica, cortando gastos.

Diz a proposta que se os gastos com pessoal superarem o teto de 80% Repasse do Tesouro do Estado (RTE) – que já ocorre –, ficam proibidos, entre outros, qualquer reajuste de salários ou concessão de vantagens, assim como a realização de novas contratações. Na versão inicial da proposta, havia a previsão de que quando superada a marca de 85%, a reitoria teria até um ano para “eliminar o excedente”, nos termos do art. 169 da Constituição Federal (regulamentado pela Lei de Responsabilidade Fiscal), que determina a exoneração dos servidores não estáveis e, se não for suficiente, de servidores estáveis. A menção ao § 4o. do art. 169 da CF foi retirado, mas não havendo nada explícito em sentido contrário na proposta, não se pode dizer que tal procedimento não venha a ser adotado em futuro próximo.
Além disso, a proposta estabelece que os docentes devem ser no mínimo 40% do quadro de servidores ativos. Para cumprir essa restrição, com o número atual de docentes (5995), o número de trabalhadores (não-docentes), que no início da gestão Zago era 17.600, e com a conclusão do segundo PIDV em março chegará a 13.995, teria que cair para 8992. Ou seja, essa medida significa a demissão de 5 mil trabalhadores. Nos últimos dias o Reitor fez um vídeo declarando que irá fazer constar nos “Parâmetros” uma cláusula que diga que não haverá demissões: isso, por um lado, demonstra a força do movimento de resistência; e, por outro, que o Reitor admite que vai de outras formas corta os 5 mil postos de trabalho.

No fundo, a mera discussão da proposta tem o efeito perverso de descarregar sobre os ombros dos trabalhadores todo o peso e mesmo a carga de responsabilidade a crise financeira da universidade, que foi, como se sabe, fruto de uma política estadual reiteradamente desinteressada com a preservação do patrimônio público.
Tenta-se vender a ideia de que se aprovados os Parâmetros passaram a valer somente a partir de 2022, mas muitas medidas valeriam imediatamente, como a que proíbe a concessão de reajuste quando for superado o percentual de 90% do crescimento do RTE, que no último ano, segundo a reitoria, foi zero. Ou seja, desde já ficaria aprovado o congelamento dos salários.

A proposta prevê ainda que a USP deve manter uma reserva de no mínimo 50% do seu orçamento, o que hoje equivaleria a cerca de R$2,5 bi, enquanto aplica todos esses cortes sobre os trabalhadores. A USP tem uma reserva que, em maio/16 (quando foi informada pela última vez) era de R$1,4 bi. Por fim, a proposta contém um mecanismo para que não possa ser revogada nem modificada no futuro, a não ser com a votação de mais de 2/3 dos membros do Conselho Universitário.

O que se quer, portanto, é eliminar todas as experiências de sucesso da universidade, que não estejam ligadas à lógica de mercado, para destruir o seu caráter de ente público, favorecendo a inserção dos mecanismos de privatização: investimento privado; pagamento de mensalidade; terceirização de serviços; submissão dos trabalhadores ao regime “meritório” e assediante da imposição de metas; destruição da resistência sindical.

Por isso, é um dever de todos e todas que lutam pela declaração e a efetivação de direitos sociais estar na próxima terça-feira, ao lado dos servidores, estudantes e professores da USP, no ato convocado às 12h em frente a reunião do Conselho Universitário, para dizer não a todas essas tentativas de destruição do caráter verdadeiramente público da USP.

 
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