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DEBATE
O que disse Leandro Karnal sobre a revolução no Estadão?
Iuri Tonelo
Recife

Você deve conhecer pelo menos algumas das reflexões do professor Leandro Karnal: parece que foi começando com um vídeo no facebook aqui, outro acolá, de repente esse professor de história da Unicamp começou a ganhar enorme repercussão em todos os lados por seus comentários que abordavam desde a paixão pela profissão de professor até as formas de micropoder e a corrupção cotidiana – e além do conteúdo, com uma forma irreverente, cativou um grande público. Pois bem, mas nem sempre o tema é fácil de agradar a todos: às vezes divide águas, e esse me parece que foi o caso de seu último texto no Estadão do dia 1 de março, que trata do tema da Revolução Russa de 1917.

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Foto: Felipe Gabriel

No breve artigo, o professor usou certo tom “nem lá, nem cá” que marca o final do seu artigo, de que “Simpatia ou antipatia pelo socialismo altera pouco o fato de 1917 ser um imenso marco histórico”. O título de um ponto de vista parece fora de questão: “O fantasma de Stalin”. Uma crítica ao stalinismo, da repressão e a formação de um Estado totalitário; de outro lado, Karnal também faz a crítica das guerras no capitalismo, da desigualdade enorme e que, nesse sentido, a Revolução Russa nascia num contexto em que era possível e necessário fazer “a crítica”.

Mas eis que nos deparamos em um passo além, que demonstra que a polêmica não era com Stalin, mas sim com Karl Marx: afinal, diz o professor no artigo referido, que “O socialismo tornava-se a resposta errada para uma crítica correta”. Ou seja, a dúvida que fica é: de que fantasma Karnal está falando, do stalinismo totalitário ou da possibilidade emancipatória?

Isso porque existe uma ampla e incomensurável campanha em todas as mídias, folhas, letras e por que não nos vídeos de hoje que visa exclusivamente um objetivo frente aos 100 anos da Revolução Russa: confundir o apodrecimento do fruto com o início de seu estágio de maturação, ou seja, confundir a negação contrarrevolucionária da Revolução Russa que é o stalinismo, com a perspectiva emancipatória do socialismo.

Frente a esse desafio, a primeira coisa a se notar é a completa falência do capitalismo como modo de produção em uma crise histórica. Não são apenas as guerras que matam, mas a fome, a desigualdade, os assassinatos nas escolas fruto da cultura belicista, a exploração colonial da Ásia e da África e as bombas imperialistas no Oriente Médio. Como disse Karnal, em nome do capital se “mata”, todos os dias, num mundo onde 52 bilionários tem metade da riqueza mundial, mas também mata de desgosto, de tristeza, de depressão, num mundo onde, por exemplo, metade da população do país mais rico do mundo utiliza alguma forma de antidepressivo.

Depois, estamos de completo acordo de fazer a crítica do stalinismo, de todas as formas de repressão à vanguarda revolucionária de 1917, da perseguição contra milhões de trabalhadores enviados aos Gulags - campos de concentração – e também a perseguição que levou à morte de Trotski e tantos outros dirigentes, da perseguição aos artistas, do restabelecimento da arcaica família, dos retrocessos enormes nos direitos das mulheres, etc.

Ou seja, quando falamos da Revolução de 1917 – e não dos processos de Moscou de 1936, não são o mesmo –, é preciso notar a grandeza de uma revolução que trouxe a esperança de um mundo contra a Guerra Mundial (trouxe a paz imediata), que conferiu terra aos camponeses, “pão” à população, que esteve baseada em um governo de trabalhadores a partir dos conselhos operários, conhecidos como sovietes (uma forma de democracia nunca antes imaginada no “semi-feudalismo” russo e "mil vezes mais democrática que a mais consolidada democracia capitalista ocidental", como dizia Lênin), que foi o primeiro Estado a garantir o direito ao aborto e ao divórcio às mulheres, a colocar fim à perseguição aos homossexuais, que produziu poetas maravilhosos como Maiakóvski e a possibilidade de uma liberdade criativa na cultura, que cantavam a poesia da emancipação dos trabalhadores.

Mas, dizíamos, esse processo grandioso conseguiu por anos defender estas conquistas das inumeráveis intervenções militares do imperialismo e da ruína econômica herdada das guerras e bloqueios das potências estrangeiras, perdeu alento e retrocedeu, tendo como fatores os distintos obstáculos para a expansão da revolução internacional, sendo sufocada por todas as potências, sofrendo as pressões de burocratização interna e, por fim, ganhando a forma da tragédia stalinista. A própria violência da guerra civil é um produto posterior à revolução, já que em Outubro de 1917 o número de mortes foi irrisório – a violência começa, sim, quando as potências capitalistas não aceitam essa vitória – agora as dificuldades desse processo efetivamente vão ter consequências nesse processo de burocratização. E, portanto, Stálin não surgiu como "fruto necessário da Revolução", e sim como reação às dificuldades da emancipação mundial dos trabalhadores através da expansão internacional da revolução.

Apesar do desvio de rota, ao nosso ver não modifica a grandeza de Outubro de 1917 e da perspectiva emancipatória – que devemos buscar não incorrer nos erros passados, mas retomar sua poesia e uma estratégia que leve esses erros em conta, e como dizia Marx, com o objetivo de que “a emancipação dos trabalhadores seja obra dos próprios trabalhadores”.

No mundo da completa miséria social e ideológica do capitalismo, para nós a Revolução Russa não aparece frente ao mundo como uma “velha senhora”, como diz Karnal: para nós é um espetacular acontecimento da história da humanidade, que merece ser atentamente estudado para que suas lições possam nos permitir, neste século, uma verdadeira saída em que os trabalhadores possam governar o destino em suas próprias mãos, acabando com o sistema capitalista mundial e libertando a vida humana de sua "pré-história".

A bem da verdade, a Revolução Russa é apenas uma “jovem” frente ao hiperarcaico capitalismo, com seus séculos de existência. Afinal, se não defendemos a perspectiva da revolução social, a transição socialista contra esse mundo de miséria, o que poderia ser proposto? A ideia, essa sim utópica e antiga, de um capitalismo mais humano?

Apesar das palavras bem articuladas, dessa vez Karnal não nos convenceu...

 
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