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SAÚDE MENTAL E TRABALHO
Depressão afastou 75 mil pessoas do trabalho em 2016 só no Brasil
Fernando Pardal

Com incidência cada vez maior, a depressão levou ao afastamento de 75,3 mil pessoas do trabalho em 2016 no Brasil. De acordo com a OMS, até 2020 será a doença mais incapacitante do mundo. O que está por trás desses números?

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Os afastamentos por depressão corresponderam a 37,8% do total de licenças médicas ocorridas devido a algum tipo de transtorno psíquico, que, somados, representam 199 mil afastamentos no país. A escalada de diagnóstico dessas doenças é alarmante: em 2015, haviam sido 170,8 mil. Entre os anos de 2009 e 2015, aproximadamente 97 mil pessoas foram aposentadas por invalidez em decorrência das doenças psíquicas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que até 2020 a depressão será a doença incapacitante com maior prevalência no mundo. E a Associação Brasileira de Psiquiatra (ABP) possui uma estimativa de que entre 20% e 25% das pessoas passaram ou passarão por algum episódio de depressão em suas vidas.

O que representam essas estatísticas?

Contudo, a interpretação desses números não é uma tarefa simples ou sequer "objetiva": requer uma discussão bastante complexa sobre o tema das doenças mentais, que possui o paradoxo de ser um dos campos mais discutidos da medicina contemporânea, e ser ainda um dos que causa maior preconceito de estigma social sobre os que são diagnosticados (ou carecem de um diagnóstico) de um transtorno psíquico.

Em primeiro lugar, cabe dizer o óbvio: o nosso trabalho nos adoece. Pelo menos desde os "Manuscritos Econômico-Filosóficos" de Marx, pode-se dizer que o ódio, desprezo, angústia e outros sentimentos afins que o trabalhador médio sente pela sua atividade cotidiana é um tema de debate, reflexão, estudo e pesquisa entre os que querem transformar a sociedade.

A exploração absurda e destruidora de corpos foi fartamente documentada pelos que condenavam o capitalismo nascente, que submetia igualmente homens, mulheres, crianças, velhos a jornadas de trabalho massacrantes e que, literalmente, matavam. Mas não são apenas nossos corpos que adoecem. A alienação de um trabalho que não nos pertence, o assédio moral e a pressão por produtividade e metas, a completa ausência de condições mínimas para exercer as funções de um cargo, as imposições por cumprir tarefas que muitas vezes são contrárias a nossos valores morais, entre tantas outras questões, levam a que as pessoas - para usar o termo mais comum fora dos consultórios e estatísticas - enlouqueçam.

Uma medicina sob medida para transformar doença em lucro

O trabalho sob o capitalismo adoece nossas mentes; mas não, esse fato por si só não explica o alarmante número de diagnósticos. Há que se olhar para a qualidade dos atendimentos médicos, que tipo de olhar se presta aos que recorrem aos consultórios com queixas, de moderadas a fatais, sobre problemas psíquicos. Nas últimas décadas, pelo menos desde o grande boom publicitário da "pílula da felicidade", o Prozac, nos anos 1990, os laboratórios farmacêuticos tem transformado os remédios psiquiátricos em um um dos mais lucrativos negócios capitalistas que existem. Hoje, remédios como a Ritalina ou o Rivotril estão na lista dos mais vendidos em muitos países.

Em uma especialidade médica em que existe um fator subjetivo muito mais agudo para se estabelecer diagnósticos do que em outras áreas, um grande nicho que podemos classificar como intermediário entre a pesquisa e a publicidade, se tornou carro-chefe dos impérios industriais dos medicamentos. A formação dos médicos se dá por meio de participações em luxuosos congressos - pagos por esses laboratórios - ou por distribuição de todo tipo de agrados e brindes aos todo-poderosos portadores das canetas que assinam as receitas e decidem - quase sempre sem a participação dos pacientes - que eles deverão tomar para curar seus males.

Assim, o incrível aumento do diagnóstico de depressões, TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), Transtornos de Ansiedade, entre muitas outras doenças psíquicas, não pode ser visto como uma prova "objetiva" do aumento de prevalência dessas doenças, sem se considerar que a indústria farmacêutica usa sua artilharia pesada de bilhões de dólares para induzir a venda de seus caríssimos medicamentos.

Nessa difícil equação, o mais provável é que os dois fatores concorram para o aumento do número de diagnósticos. São distintas formas em que o capitalismo controla nossos corpos e mentes, nos adoece e nos vende por preços exorbitantes a "cura" (que na maior parte dos casos são meramente a suspensão ou diminuição temporária de sintomas, já que não se mudam as causas estruturais do adoecimento).

A crise agrava as doenças, e os governos atacam a saúde e previdência

No precário atendimento médico público que ainda resta no país - sabe-se lá por quanto tempo - o melhor que alguém pode conseguir são consultas de poucos minutos com algum psiquiatra quase sempre ávido por prescrever remédios e com muito pouca paciência para ouvir seus pacientes. Os CAPS (Centro de Atenção Psico Social) são insuficientes e não conseguem dar atendimento de qualidade que vá para além de um atendimento psicológico em que os profissionais não tem qualquer condição de receber seus pacientes para atendimento individual semanal.

Enquanto isso, os que adoecem por conta do trabalho tem dificuldade extrema de conseguir receber o auxílio-doença e um afastamento pelo INSS (ainda mais com a diretriz de "endurecer" e conter gastos que existe desde sempre e se agrava no governo golpista de austeridade de Temer), pois a comprovação de que foi o ambiente de trabalho o responsável pelo adoecimento depende quase que exclusivamente da boa vontade de peritos e médicos que raramente têm interesse em ajudar. Segundo reportagem d’O Globo, de todo o pessoal afastado no ano passado por transtornos de comportamento em geral, ao menos 10,6 mil foram considerados acidentes de trabalho. Para casos específicos de depressão, episódicos ou recorrentes, foram 3,4 mil auxílios por acidente de trabalho.

Os fatores da crise que se desenvolve no Brasil, e as medidas dos governos e patrões para descarregar seus custos sobre os ombros dos mais pobres, certamente agravarão o quadro. Para se ter uma ideia bastante empírica disso, basta ver o que ocorreu na Grécia, com o número de suicídios disparando após o início da crise que afundou a economia e deixou milhões sem empregos e direitos.

Combater a verdadeira epidemia que têm se tornado as doenças psíquicas e seu interessado e lucrativo "tratamento" é urgente, e é algo que de forma alguma pode ser feita sem que lutemos contra o sistema econômico e social que institui e agrava a cada dia esse padrão: o capitalismo.

 
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