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UM OLHAR MARXISTA
Hegel: anseio revolucionário – Parte 2 (As ideias)
Iuri Tonelo
Recife
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As sociedades hipermodernas atuais são marcadas por um vazio. A melancolia tornou-se soberana da situação, a angústia a sua forma mais marcada de dia-a-dia. A divisão internacional do trabalho criou “maravilhas” nos países avançados como que para reafirmar sua convivência com a plena miséria no “sul” do mundo. Mas o mais dramático é que mesmo o que existe de deslumbrante no mundo capitalista atual parece que se esvai das mãos da sociedade: é como se milhões e milhões de trabalhadores criassem uma obra que se tornou maior que eles, voltou-se contra eles, e se desfez no mundo.

Karl Marx chamava esse fenômeno de “fetichismo da mercadoria” e em suas anotações em 1857 escreveu que a mercadoria, em sua dinâmica de se produzir nas fábricas, criaria seus consumidores. Com isso queria dizer que a humanidade criou um novo fetiche, um novo desejo insaciável... de consumir mercadorias. O drama atual é tão grave que a forma desse fetichismo chega quase ao limite das mercadorias ganharem a aparência de soberania do mundo, com seus shoppings e centros comerciais abundantes, ou com a forma dinheiro dando lugar ao cartão de crédito (o que cria a ilusão fetichista ainda superior).

Precisamente nesse mundo de fetichismo que um e outro a cada momento se pergunta qual a “razão histórica de viver”? Ou, se o desenvolvimento histórico teria mesmo uma razão de ser. Talvez tenha sido o filosofo alemão Friedrich W. Hegel o mais curioso em buscar respostas a essa questão e em algum sentido retoma alguma atualidade num momento em que a vida perde sentido no mundo atual.

Expoente do idealismo alemão, Hegel propõe uma maneira de enxergar a razão de ser da história de uma dupla perspectiva: de um lado, incita a que recorramos fielmente a história, de “toma-la tal como é, de proceder historicamente, empiricamente”. Nesse sentido, Hegel propõe por um lado que estejamos de olhos abertos ao mundo, despidos de pré-noções. É necessário em primeiro lugar um olhar objetivo para o mundo.

Se fizermos esse exercício histórico e filosófico no mundo atual, voltamos à miséria, a violência social, à desigualdade, mas também ao vazio, a angústia e a melancolia que marcam os homens e mulheres na atualidade. O quadro é triste e parece levar a uma visão pessimista da vida.

No entanto, como diz o poético pensamento de Hegel, “o verdadeiro não se encontra na superfície visível”. Então o filósofo sustenta que para encontrar uma razão na história é necessária a reflexão do que busca essa razão, então diz que “singularmente no que deve ser científico, a razão não pode dormir e é mister empregar a reflexão. Quem olha racionalmente o mundo, o vê racional”.

Aqui reside a beleza e a debilidade do pensamento hegeliano. A conclusão de seu pensamento é que olhar racionalmente e enxergar uma razão no mundo “se determina mutuamente”, ou seja, o pensamento tem um poder ativo em encontrar uma razão no mundo. A beleza desse pensamento é de buscar, no interior dos fatos, “da soma de notícias” da história, uma razão de ser do mundo que extrapole o que vemos na sua superfície. O drama é que Hegel aposta muito em um movimento autônomo do mundo, numa Razão que se move por si e que nossa virtude estaria em compreender seu movimento.

A pista estava dada: nossa vida e seu “sentido” não pode se deslocar das condições históricas. A humanidade é, em cada época, um produto histórico de circunstâncias dadas. No nosso caso, produto do desenvolvimento da sociedade do capital altamente desenvolvido e nos limites máximos de suas contradições, que tem uma dimensão social, política e até mesmo ideológica, a sociedade da melancolia.

Hegel antes via o elemento ativo na conexão racional entre a reflexão dos indivíduos e a racionalidade histórica. A força dessa ideia levou a uma das principais revoluções no pensamento do século XIX, quando um dos discípulos de Hegel sintetizou positivamente o pensamento de seu mestre, combinando o forte elemento objetivo (a materialidade histórica) com a observação do elemento ativo dos indivíduos frente à história (a ação – ou “praxis”) e sintetizou na célebre frase de 1852: “Os homens fazem a história, mas não a fazem como querem, não em circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas que lhes foram legadas do passado”. Era a abertura de Karl Marx em seu clássico “O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte”.

Esse pensamento, aparentemente abstrato, se choca cotidianamente com os ditames ideológicos do capitalismo contemporâneo. Toda a campanha da indústria cultural em suas músicas, filmes, novelas e demais formas culturais é de buscar dissociar os anseios individuais de uma perspectiva histórica. Em outras palavras, a guerra do capitalismo contra a juventude e as novas gerações é de querer que ela sonhe pequeno.

Aqui o capitalismo se choca com um elemento positivo do idealismo alemão. Hegel enxergava um movimento da Razão no mundo que conduzia a humanidade para uma fase mais elevada de liberdade. Mas o desenvolvimento do capitalismo estraçalhou essa visão romântica de que o mundo caminha num sentido de desenvolvimento, trazendo pobreza, aumento da exploração, iniciando guerras, formas políticas de opressão da população e genocídio. Nas palavras de Walter Benjamin, é como se estivéssemos caminhando com um trem desgovernado e fosse necessário puxar um “freio de emergência”.

A perspectiva do socialismo e da revolução social do capitalismo é a única concepção coerente nesse mundo do irracional. O socialismo é o verdadeiro herdeiro do que existe mais forte na filosofia de Hegel, ou seja, a ligação entre o anseio individual e a perspectiva histórica de mudança da sociedade. Essa transformação social tem hoje nos trabalhadores a peça fundamental, e por isso, como disse Engels certa vez, o proletariado é o verdadeiro herdeiro da filosofia alemã.

Encontrar uma razão histórica de viver não é mais apreciar a vida como fazia a nobreza de outrora, tão exposta na literatura universal: uma contemplação do que existe. A razão nesse caso não pode ser dissociada da paixão, razão pra observar, paixão para sonhar com outra forma de socialização, de relações, de amizades, de amores, dos delírios e, acima de tudo, o anseio de mudança.

Resgatar os grandes sonhos, a perspectiva da revolução social da sociedade; retomar o sujeito social que produz todas as coisas no mundo, os trabalhadores, os únicos que podem ser parte estratégica da mudança. Resgatar o anseio de vincular a vida individual com as grandes questões da sociedade. Sonhar e atuar para transformar a vida, eis a dialética.

 
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