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15 ANOS 2001 ARGENTINO
Dezembro de 2001: uma história que se celebra nas ruas
Eduardo Castilla

Piquetes, panelaços e empresas ocupadas. Duhalde, inflação e depois. O kirchnerismo, o reverso daquele dezembro. Neste 20 de dezembro o sindicalismo combativo e a esquerda marcham a Praça de Maio.

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Dezembro de 2001 é muita coisa no imaginário social. É o “caos” e a crise, a pobreza e a derrocada e também a repressão. Mas a gama de sentidos criados por essas jornadas não se esgota somente em um sentimento negativo. Dezembro de 2001 é, também, o momento da rebelião, a explosão social, a queda de um Governo profundamente antipopular e a derrota de uma política que havia levado ao rebaixamento do nível de vida da maioria da população.

De laRúa foi removido da política pela mobilização popular, por uma ação da qual tomaram parte amplas camadas ao longo de todo o país. Uma ação que teve seu ápice na chamada “batalha da Praça de Maio”, quando dezenas de milhares de pessoas enfrentaram a repressão policial, acarretando em mais de 30 mortes.

A pré-história daquele dezembro

Dezembro de 2001 não pode ser entendido senão como o corolário de um processo em desenvolvimento, que começou a se gestar em meados dos anos 90. Por volta de 1995, quando os piquetes cortaram as frias estradas em Cultral-Có, Neuquén, começava lentamente a se configurar um momento de resistência, contra a política de ajuste do menemismo, que duraria anos.

Esse ciclo teve os trabalhadores desempregados como um ator protagonista. Grandes batalhas cruzaram o país de norte a sul, desde Jujuy a Santa Cruz. Nesses locais, onde foram muitas vezes verdadeiras rebeliões populares, foi se gestando uma nova subjetividade. A partir de 1999, com a chegada do mesmo De laRúa, a burocracia sindical passava a desempenhar um papel de oposição e se via obrigada a convocarsucessivas paralisações contra uma política que impunha persistir em um esquema capitalista em esgotamento.

A crise do regime da Convertibilidade e sua manutenção mediante o ajuste e a repressão, fortaleceram uma crescente oposição contra De laRúa, que encontrou seu ponto mais alto quando o ataque da capital uniu aos setores mais empobrecidos com as classes médias, expropriadas pelos grandes bancos no famoso “corralito”. Essa unidade de “piquete e panelaços” se forjaria nas ruas e seria um componente essencial daquelas jornadas e os derradeiros meses por vir.

A classe operária, uma ausência imposta

A tarde do dia 20 de dezembro foi a que deixou a histórica imagem do helicóptero abandonando a Casa Rosada. Uma fotografia que correria o mundo e seria uma espécie de marca d’agua da rebelião popular argentina.

Mas as jornadas revolucionárias que depuseram De la Rua foi caracterizada por uma ausência. Imposta é preciso deixar claro. A classe trabalhadora não pode intervir nessa crise com suas próprias organizações e métodos, pondo em jogo o essencial de seu poder social, a capacidade de paralisar a produção e ao país.

A ameaça desse poder foi brandida pela burocracia sindical, que ameaçou com uma paralisação nacional sequer convocada, um método ao que não deixou de apelar. Mas a condução de Moyano e cia. somente anunciou intenções de combate. Nunca ousou sacar as armas.

Essa ausênciafoi também o limite daquelas jornadas. A falta de intervenção da principal força social da Argentina – apesar dos altos níveis de desemprego- foi o condicionante que permitiu que o poder capitalista pudesse começar a se recompor nas mãos de um senador peronista da província de Buenos Aires, chamado Eduardo Duhalde, nomeado presidente da província.

Sua saída ante o estancamento do esquema burguês foi uma brutal desvalorização, que rebaixou os salários operários e abriu caminho para a recuperação econômica. Essa foi parte essencial da base docrescimento na “década ganha”, herança da que o kirchneirismo nunca renegou.

Caminhos bifurcados

O kirchnerismo soube ler 2001 como expressão de uma mudança na relação de forças. Sobre essa base soube se afirmar para fazer política e construir sua própria legitimidade. Encontrou, nas instituições rechaçadas pela mobilização de massas, os inimigos necessários para reconstruir a institucionalidade golpeada pelas jornadas revolucionárias.

A Suprema Corte, o FMI e as empresas privatizadas, entre outras, foram os alvos de ataques verbais que não colocavam nunca em questão as verdadeiras bases desse poder. Anos depois, o cristinismo duro repetiria o esquema contra a “Corpo” midiática, as patronais agrárias e o Partido Judicial: duros enfrentamentos verbais e respeito diante de seus enormes privilégios materiais.

O kirchneirismo foi assim a autêntica negação de dezembro de 2001. Foi o caminho da restauração do poder político das instituições e o mesmo Estado. Foi a negação e a cooptação das tendências autônomas que haviam emergido naquele verão quente e encontrado um lugar em uma faixa das organizações piqueteras, nas assembleias populares e nas empresas recuperadas.

Dezembro de 2001 foi a demonstração cabal de que a política podia se fazer nas ruas e de que essa política era capaz de golpear duramente a ordem estabelecida. No caminho contrário, o kirchnerismo foi o retorno da política ao Palácio; a reconstrução do Estado e institucionalidade; a continuidade das castas políticas perpetuadas nos Scioli, os Aníbal Fernández, os Sergio Massa e outros tantos nomes mais. Entre eles, Néstor e Cristina, confessos menemistas há apenas 8 anos atrás.

A esquerda, 2001 e depois

A esquerda trotskista – que hoje tem um importante peso através da Frente de Esquerda – foi marginal naquelas jornadas do 2001. Não há que se surpreender. Seus limites correspondiam a situação resultante do ciclo de derrotas que significaram os anos 90.

Mas essas jornadas atuaram como uma espécie de dobradiça que permitiu o início de uma reconstrução de sua força. Esse desenvolvimento se viu antes nos locais de trabalho que no terreno eleitoral. A explicação reside no simples fato de que, durante os anos kirchneristas, foi a real oposição a burocracia sindical peronista. Burocracia que, enquanto verbalizava sobre o “projeto nacional e popular”, mantinha um esquema repressivo no interior das organizações operárias. Que Néstor Kirchner e Cristina Fernández foram seus aliados não necessita mais demonstração que as fotos que os retratam junto aos Pedraza, Moyano, Martínez, Pignanelli o Caló, entre muitos outros.

Essa crescente força da esquerda no mundo do trabalho não foi apenas testemunhal. Teve, deve-se assinalar, seus combates exemplares, como ocorreu nas grandes lutas e Kraft (2009) ou Lear (2014), onde o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) teve uma destacadaatuação. Não resulta em vão recordar que Macri prometeu à direção burocrática “ajudar a varrer os troskos”. Como tantas promessas de campanha, esta segue não cumprida também.

A partir de 2011, coma confirmação da Frente de Esquerda, esse peso entrou na cena nacional, capitalizando o crescente ceticismo de trabalhadores e jovens que viam como o “projeto nacional e popular” se conformava na conciliação dos direitistas dos Insaurralde, os Milani ou os Scioli. Os resultados perduráveis no terreno eleitoral por parte da FIT, assim como o protagonismo de suas principais figuras como Nicolás del Cano, Myriam Bregman ou NéstorPitrola, deve ser entendido nesse marco.

15 anos depois

A Argentina deste dezembro, década e meia mais tarde, é a do ajustemacrista. Ajuste que somente pôde se realizar graças à colaboração desse velho ator da política nacional que é o peronismo.

A partir de suas duas variantes, a parlamentaria-política e a sindical burocrática. Se a primeira foi fundamental, em todo o 2016, para aprovar as medidas de ajuste e os planos a serviço do grande capital, a segunda garantiu a necessária paz social para que os ataques às condições de vida pudessem se manter ao longo do tempo. Esta segunda-feira, os dirigentes da CGT voltaram a desempenhar esse papel, quando resignaram grande parte do obtido com o projeto de Ganancias votado entre os Deputados. Isso ocorreu, anotemos, após haver realizado uma contundente medida de força pela manhã.

Talvez já seja hora de agregar a terceira pata à governabilidade macrista. A social-eclesiástica, que tem o Papa Francisco como santo de cabeceira e aos dirigentes de algumas organizações sociais como garantias da paz social.

Após 15 anos, qual o legado daquele dezembro? Por um lado, a continuidade dos protestos como parte do panorama social argentino. Não existe protesto sério que toma transcendência através da ação nas ruas. Isto, devemos assinalar, implica motivações à esquerda e à direita.

Mas além disso, algumas dessas experiências daquele dezembro seguem vivas e gestaram outras novas. Ali está, para assinalar um exemplo emblemático, a empresa ocupada Zanon. Uma cabal demonstração da subversão social que encarnou, em parte aquele período, mostrando a pequenas frações da classe trabalhadora que podem organizar a produção sem necessidade de acudir ao comando capitalista.

Essa experiência esteve na base de muitas outras, das quais a mais recente é Mardygraf, a gráfica posta a produzir pelos seus trabalhadores faz já dois anos. Ambas voltaram a mostrar sua combatividade faz poucos dias, quando tomaram por assalto a cena nacional, para exigir solução a suas demandas.

Esta terça-feira, quando se completam 15 anos da tarde na qual um helicóptero levantava voo da Casa Rosada, escapando da mobilização popular, a Praça de Maio terá a esquerda e o sindicalismo combativo como ocupantes protagonistas. Ali estará, entre os oradores do ato, Raúl Godoy, operário de Zanon e legislador em Neuquén pelo PTS-FIT.

A 15 anos daquele dezembro de luta nas ruas, e logo de haver realizado um ato histórico no estádio de Atlanta, a esquerda trotskista estará outra vez na Praça de Maio.

 
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