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REFORMA DO ENSINO MÉDIO
Folha e Estadão fazem campanha pela reforma do Ensino Médio
Danilo Paris
Editor de política nacional e professor de Sociologia

Não foi mera casualidade dois dos maiores jornais do Brasil publicarem editoriais em defesa da reforma do Ensino Médio. A grande mídia está em campanha para aprovação deste que será um dos maiores ataques à educação pública.

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Com os títulos “Escola mais flexível” e “O primeiro passo”, os jornais apoiadores do golpe institucional (e também do militar de 64) usaram o cinismo como método para argumentar à favor da reforma do Ensino Médio. Como havíamos mostrado, a mídia se tornou os novos marqueteiros do MEC, Temer, Mendonça e cia.

A desfaçatez do Estadão é tão grande, que anunciam esse objetivo logo no início do seu editorial. Segundo o jornal, como antes o projeto havia sido imposto como medida provisória, a aprovação do projeto na Câmara foi importante porque retirou das “entidades estudantis, corporações docentes e movimentos sociais um dos principais pretextos de que se valiam para se opor ao governo, promovendo passeatas e ocupações de escolas”. Como se a aprovação de qualquer coisa na Câmara dos corruptos e inimigos do povo, artífices da reforma da previdência e da PEC 241/55, fosse a garantia de legitimidade do projeto.

Os dois editorais partem da seguinte lógica, que acaba permeando todo o texto: o ensino médio atual é ruim, logo precisamos transformá-lo. Porém, não é preciso ser um grande estudioso em educação, nem de qualquer outra área do conhecimento, para saber que se uma coisa não está bem, não significa que sua modificação irá necessariamente melhorá-la. O célebre jargão do político Tiririca “pior que tá não fica” parece ser a linha de raciocínio dos editorialistas dos jornalões para defender a reforma.

É inegável que o Ensino Médio, como o conjunto da educação pública brasileira, precisa de uma reestruturação completa. Ninguém está satisfeito com as atuais condições da educação no Brasil, em especial quem trabalha, estuda e depende dela. Contudo, os anseios e aspirações daqueles que defendem a educação pública são diametralmente opostos à reforma em pauta.

Não por acaso, os editoriais sequer se propõem a discutir qualquer conteúdo das modificações. Preferem se restringir a genérica afirmação, que parece ter se transformado em um mantra para os reformadores, “agora os alunos poderão decidir”. É isso mesmo, dois dos maiores jornais do país publicam editoriais em dias consecutivos (o Estadão lançou domingo, dia de maior circulação e leitura do jornal) para defender a reforma sem apresentar seu conteúdo.

Como demonstramos nesse artigo, e inúmeros outros no Esquerda Diário, o tal “poder de escolha” é letra morta no projeto que está em fase de tramitação final no Senado. Na prática, a parte “optativa” ou “flexível” do currículo, não terá implementação obrigatória pelos sistemas de ensino. Ou seja, se determinado sistema de ensino oferecer somente um dos “itinerários formativos específicos”, como consta no projeto, essa será a única opção a ser seguida. Sua consequência será uma escola cada vez mais inflexível para os jovens que dependem do ensino público.

No contexto de cortes de verbas para educação e congelamento do orçamento, deveria ser óbvio que as redes não oferecerão todos os campos para os jovens escolherem. Mas esse fato os jornais preferem omitir.

A principal consequência da reforma é o aligeiramento da vida escolar, em detrimento do trabalho, cada vez mais precoce, ou do ensino privado, para favorecer os grandes empresários.

Segundo o parágrafo 15 do projeto aprovado pela Câmara dos deputados o currículo poderá ser preenchido por:

I - demonstração prática;

II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;

III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;

IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;

V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e

VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.

A mesma parte “flexível” da vida escolar significará a possibilidade do aluno ter uma formação em instituições privadas, ou no seu próprio trabalho, e tudo isso será contado como “formação escolar” nas escolas públicas. Uma imensa porta para privatização.

Não surpreende que ao não entrar no mérito do projeto, os editorais apelem para “pesquisas” que afirmam a necessidade da reforma. É importante lembrar que toda pesquisa de opinião pode ser encomendada para atender determinados objetivos. Por exemplo, o MEC encomendou ao Ibope pesquisa sobre a aceitação da reforma. Poderíamos nos assustar com o dado de que 72% das pessoas entrevistas aprovam a reforma. Contudo, a pergunta feita pelo Ibope foi: "o senhor é a favor ou contra a reformulação do ensino médio que, em linhas gerais, propõe ampliação do número de escolas de ensino médio em tempo integral, permite que o aluno escolha entre o ensino regular e o profissionalizante, define as matérias que são obrigatórias, entre outras ações?" Ao analisar a pergunta, que é a síntese mentirosa do projeto, percebemos a inutilidade desses resultados para qualquer tipo de pesquisa séria.

Vamos a mais uma prova da imparcialidade dos números. A Folha usa seu próprio instituto de pesquisa, o Datafolha, para argumentar sobre a necessidade da reforma. Segundo ela, a medida é vista como boa ou ótima por 58% dos entrevistados. No entanto, de acordo com a pesquisa “Os jovens, a educação e o ensino técnico” divulgada pelo Senai no dia 11/11, 48% dos jovens sequer sabem o que é a reforma do ensino médio. Como então é possível que 48% jovens desconheçam a reforma do Ensino Médio e 58% seja a seu favor?

O fato curioso, que chama muita atenção, é que os dois editorais chegam a fazer uma mea culpa muito sútil sobre as “debilidades” do projeto. Segundo a Folha: “restarão os desafios [...] de garantir que todos os Estados e municípios terão, na prática, as condições de oferecer aos alunos a flexibilidade prometida pela nova legislação”. Já para o Estadão “evidentemente, há o risco de que a parte formativa seja oferecida conforme a capacidade de cada rede de ensino, e não de acordo com os contextos locais e os interesses dos alunos, como apontam pedagogos. Também há o risco de que os estudantes dos pequenos municípios e das periferias das grandes cidades, justamente os que mais precisam de atenção, não recebam o tratamento pedagógico adequado”.

Precisam dizer, porque é impossível esconder, os “riscos” e “desafios” como se fossem detalhes que faltam ser melhorados. As condições desiguais que terão cada sistema de ensino para implementar a reforma é o coração da proposta. O aprofundamento do abismo entre um ensino de qualidade para uma restrita elite, e outro tecnicista e precário para massa da população, será devastador para o futuro dos nossos jovens. No entanto, essa não é a preocupação dos editorialistas. Sua intenção é clara, confundir a opinião pública para aceitação da reforma, minando de forma preventiva os efeitos colaterais indesejáveis para os governos, a saber, a resistência e luta da juventude em aliança com professores e todos defensores da educação pública.

 
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