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HEGEL
Hegel: anseio revolucionário – Parte 1 (A política)
Iuri Tonelo
Recife
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Em suas palestras sobre a filosofia da história, escritas e ministradas pouco antes de falecer, o filósofo alemão G. F. W. Hegel concentrou uma das mais expressivas concepções sobre a história do mundo e o papel dos indivíduos, com suas ideias e paixões, para o desenvolvimento histórico. E eis que reler essas palestras frente a um contexto de irrupção da crise econômica de 2008, que estilhaçou as formas ideológicas passadas e suas fantasias pós-modernas, nos parece chave para uma retomada de ideias do filósofo alemão, particularmente do “anseio revolucionário” que ali se sugeri e que ganham enorme atualidade se colocamos a perspectiva de “voltar a sonhar” com a revolução social e a mudança radical na sociedade.

Os quase trinta anos sem revoluções, dados em um contexto de neoliberalismo e restauração capitalista na URSS criaram um mundo de estabilidade: uma vida em que se dissociou completamente as necessidades históricas de mudança e os anseios individuais. Era o mundo da descrença, da falta de perspectiva, da desilusão e da depressão, um mundo líquido.

É precisamente contra esse mundo que Hegel retoma uma enorme força e vitalidade, e suas ideias casam cada vez mais com o novo contexto agitado dos últimos anos. Indo ao mais teórico, a concepção histórica do filósofo alemão não se desprende da uma “providência” no caminho histórico: para ele, o desenvolvimento histórico é a busca que o “espírito” faz por desenvolver-se racionalmente e os indivíduos e povos caminham no sentido do desenvolvimento do mundo (o espírito universal). Nesse sentido, e essa é uma importante limitação do pensamento de Hegel, o curso histórico está vinculado a um caminho determinado (teleológico), que seria o avanço da razão na história (em última instância, da vontade divina).

E então o que ganha atualidade e vitalidade nesse pensamento, numa mirada marxista? Acontece que Hegel não se contenta em ver um caminho racional na história: ele acredita que os indivíduos e os povos devem buscar esse caminho, tem um papel ativo, pois essa seria a única forma da Razão na história se expressar. E eis justamente nesse ponto, no papel ativo dos indivíduos e dos povos, que reside o “anseio revolucionário” do pensamento de Hegel, tão necessário a nossa realidade atual.

Os que anseiam por transformação radical da sociedade hoje, acostumados com a passividade de décadas sem revoluções, incrustaram um visão cética da mudança e uma prática política inofensiva ou adaptada. É como que se acostumaram a ver a água esquentando sempre gradualmente, sem se lembrar que em algum momento ela começa a ferver; por isso criaram uma forma de política e de perspectiva socialista que perdeu completamente a paixão e a confiança.

Para Hegel, um povo não avança sem que exista oposição interna, conflito, luta. A consolidação da falta de perspectiva de mudança seria as instituições e, fundamentalmente, o costume. A eterna repetição das mesmas coisas não pode levar a um avanço. “A morte natural do espírito do povo pode apresentar-se como anulação política. É o que chamamos costume (...) O costume é uma atividade sem oposição, a que só sobra a duração forma e na qual a plenitude e a profundidade do fim já não necessitam expressar-se”.

Entre um dos dois maiores perigos das organizações revolucionárias na segunda metade do século XX sem dúvida esteve a perda do anseio de fundir as ideias de transformação social com as massas trabalhadoras. Assim a militância se tornava uma eterna repetição das mesmas coisas, reuniões, propaganda e incapacidade política. “O relógio ainda tem corda e segue funcionando por si só” (Hegel). Eis o veneno do sectarismo no pensamento da esquerda, que ainda acomete pequenas organizações, que retira toda a energia revolucionária de seus objetivos, retira a ambição, a flexibilidade tática nas ações, em suma, rouba a paixão de mudança dos militantes. Forma espectadores do curso histórico.

Nas organizações partidárias revolucionárias, as palavras de Hegel sobre os costumes são visionárias. Romper todos os costumes é a melhor forma de desenvolver a tradição e a estratégia revolucionárias. Esse novo alento só pode se dar pelas novas gerações, que não vivem atormentadas pelos fantasmas do passado e sua descrença. Eis a força sempre necessária da juventude.

Mas não é só do veneno sectário que serviu a degeneração da esquerda revolucionária. Também sua contracara era expressão do mesmo problema que apontamos aqui na releitura de Hegel: “Quando o espírito de um povo levou a cabo toda a sua atividade, cessam a agitação e o interesse; o povo passa por um transito entre a virilidade e o envelhecimento, do gozo do que foi conquistado. A necessidade que havia surgido foi satisfeita mediante uma instituição, e já não existe mais”.

Ou seja, existe a forma ideológica e uma forma política de abarcar o anseio revolucionário e torná-lo um sopro ao vento. Acontece que as organizações que buscavam a revolução social equivocaram-se também em achar que sua abertura e flexibilidade política caminhariam gradualmente ao socialismo. Com uma suposta audácia superior, terminaram dentro das instituições de dominação e perpetuação da ordem. Através de eleições e do sindicalismo foram formando o conjunto dos quadros que se tornaram dirigentes do governo do capital.

Se tudo era liquido no mundo, assim também a esquerda se liquidou. Formou uma série de engendros e partidos amplos e aderiu pouco a pouco o regime dos dominantes. Ou seja, renovou o oportunismo como tendência política, integrou-se ao regime dos dominantes e disputou as migalhas que iriam para manter seus privilégios e algumas também para os trabalhadores (pois nunca perderam o espírito de caridade). A necessidade histórica era a revolução, e ao abandonar essa estratégia em prol de suas novas formulas mágicas, o que existia de revolucionário tornou-se adaptado aos poderes estabelecidos.

Nos dois casos, nos dois erros da esquerda da segunda metade do pós-guerra e que se perpetuam na maioria das organizações atuais existe uma mesma raiz: a descrença no proletariado como sujeito da mudança, o total ceticismo que se tornou passivo, conformista, ou política para outros sujeitos, outras fórmulas em vão. Em suma, descrença em sua própria militância, na forma partido, na ação política revolucionária.

Karl Marx foi quem primeiro soube aproveitar o “anseio revolucionário” de Hegel, percebendo que o motor da história não era uma providência ou um espírito que se desenvolvia a partir dos homens e mulheres, mas sim o próprio conflito entre eles, ou seja, “a revolução é o motor da história”. Assim, com vinte e seis anos, Marx concluía que “a filosofia era a cabeça, e o proletariado o coração” da próxima revolução.

Essa conclusão foi o motor da apaixonante vida de Marx em seu desenvolvimento teórico e sua ligação política com o conjunto dos trabalhadores. E sua vida foi uma vida de deportações, de sacrifícios, sofrendo ataques políticos de todo tipo, mas uma vida conectada com essa conclusão que sempre o motivou, sobre a confiança na classe trabalhadora como sujeito da transformação social. A energia revolucionária advinha justamente de seus grandes objetivos: a “emancipação dos trabalhadores”, o fim da exploração e opressão; a construção de uma sociedade efetivamente comunista.

Eis um exemplo que inspira a vida dos revolucionários. A política exige uma clareza sobre o papel dos trabalhadores na vida social, uma visão estratégica da revolução social e uma confiança nesse sujeito da transformação. Munidos disso, a política também exige paixão, necessita mudar tudo para fazer as convicções aflorarem em bases matérias. Essa é a dialética da política e o anseio revolucionário.

 
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