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ATO ATLANTA FIT
Um debate com as posições do PSTU e MST (MES/PSOL) frente ao Ato de Atlanta da FIT argentina
Simone Ishibashi
Rio de Janeiro
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No sábado dia 19 de novembro ocorreu no estádio de Atlanta, na Argentina, um acontecimento histórico para a esquerda, trabalhadores, mulheres e todos os que lutam contra essa sociedade de miséria e exploração chamada capitalismo. Foi o ato da FIT (Frente de Izquierda y de los Trabajadores) na Argentina, impulsionado pelo PTS, PO e IS, que reuniu mais de 20 mil pessoas entre trabalhadores, mulheres e jovens para debater uma saída claramente revolucionária e socialista para a crise econômica, política e social que golpeia não apenas a Argentina, mas que é internacional.

Em meio a uma situação marcada pelo giro à direita na superestrutura política de diversos países do mundo, com Macri na Argentina, o golpe institucional que levou a direita com Temer à presidência no Brasil, e a recente eleição de Donald Trump e sua tentativa de protecionismo, o ato de Atlanta foi de importância fundamental para colocar a saída que os trabalhadores devem construir, e mostrar a força que a esquerda, dotada de uma política correta, pode ter. Isso passa por recompor confiança em suas próprias forças como a classe que tudo produz, e não ser enganada por alternativas como o neo-reformismo ou as variantes inspiradas nos governos anti neoliberais, que como o PT em nosso país foram parte ativa da construção do caminho que levou à sua própria queda abrindo caminho para a direita. As dezenas de milhares de pessoas que lotaram Atlanta são uma prova objetiva de que esse não foi apenas mais um ato. Foi o que desde sua convocatória pretendia ser: um ato histórico. Isso por que para além da imensa quantidade de pessoas, que há muito a esquerda não reunia, o conteúdo político refletido nessa manifestação mostra como é possível lotar estádios, rompendo o rotineirismo e o rebaixamento programático a que grande parte da esquerda, incluindo aí a brasileira, transformou como modus operandi. As lições que o ato de Atlanta deixa para a esquerda são fundamentais, tal como expressamos aqui (artigo Diana). A FIT se colocou como uma alternativa, não apenas aos ajustes de Macri, mas a todos os seus apoiadores políticos, desmascarando dia a dia sua demagogia com discursos sobre a pobreza zero enquanto seguem garantindo seus privilégios.

Mas ao invés disso fazer com que se abrisse uma reflexão sobre a possibilidade da construção de uma força social revolucionária e socialista com dezenas de milhares, a resposta de algumas das correntes da esquerda, em especial do PSTU argentino e do MST (MES/PSOL aqui) foi uma demonstração de impotência que a tentativa de dar um verniz de esquerda às suas críticas não foi capaz de esconder. O PSTU optou por não fazer parte do ato de Atlanta, enquanto o MST anunciou uma “nova frente de esquerda” que envolve sua organização e o Nuevo MAS.

Comecemos pelo PSTU. O PSTU brasileiro, golpeado pelas crises geradas por sua política de “Fora Todos” que o transformou numa ala defensora do impeachment ao lado da direita e rachou seu partido no meio, se calou frente ao massivo ato de Atlanta, limitando-se a reproduzir a declaração de sua organização de mesmo nome na Argentina, que leva o título de “Por que não vamos ao ato da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores?” Nessa declaração o PSTU argentino define o ato de Atlanta como “sectário”, pois esse teria em sua visão um “caráter eleitoral”, que não prepararia os trabalhadores para o enfrentamento aos ataques de Macri, e que estaria “de costas para a luta real”, sendo uma política orientada para as eleições. No ápice de um sectarismo impotente o PSTU afirma que seria “necessário denunciar esta política, chamando a classe operária e o povo a não esperar, a enfrentar esse governo, e derrotá-lo. Por isso o ato proposto pela FIT é um erro”. Quem quiser ler a nota com seus próprios olhos, pode acessá-la aqui.

Não se pode saber muito bem a que ato o PSTU está se referindo em sua declaração, mas seguramente não é o ato ocorrido em Atlanta. Na verdade parece que o ato criticado pelo PSTU aconteceu apenas em sua imaginação, já que nada esteve mais longe do que ocorreu no dia 19 de novembro que um ato “de costas para a luta”, “eleitoral” e que teria como efeito transmitir a mensagem de que “classe operária e o povo (deve) esperar as eleições”.

Ao contrário disso, no entusiasmo, na composição, massividade, mas acima de tudo no conteúdo político das intervenções do ato expressou-se uma perspectiva abertamente revolucionária para enfrentar os ataques do governo de Macri na Argentina, e também de Donald Trump nos Estados Unidos, e do golpe no Brasil. Isso se somou ao ponto de vista das mulheres, e a necessidade de ligar suas lutas à dos trabalhadores pelo fim dessa sociedade de opressão e exploração que é o capitalismo, que foi um ponto marcante do discurso de Myriam Bregman, dirigente do PTS, que assinalou com muita força a necessidade de seguir a luta das mulheres como parte da luta de classes. Em uma série de intervenções se colocou a importância do combate aberto às burocracias sindicais kirchneristas, e a necessidade de forjar sindicatos e com democracia operária, e foi saudado o exemplo dado pelas gestões operárias como as da Zanón, MadyGraf e La Litoraleña, como a de Claudio Dellacarbonara, trabalhador do metrô de Buenos Aires.

Nicolás Del Caño, do PTS ex-candidato à presidência pela FIT, fez um vivo discurso de encerramento que partia da necessidade de tornar consciente que a luta a ser dada não era apenas nacional, mas internacional contra o imperialismo. Também reafirmou a necessidade de acabar com os privilégios dos políticos, uma “casta que não sabe o que é viver com o salário de um trabalhador”, luta política que é uma marca de sua atuação como deputado. Com muita força expressou uma questão estratégica: a do combate à divisão entre as fileiras dos trabalhadores, sob o grito “Não existem trabalhadores de segunda classe!”, e lembrou que ali estava a esquerda que põe seu próprio corpo, principalmente de seus parlamentares, lado a lado dos trabalhadores contra a repressão.

Encerrou sua intervenção fazendo um chamado. Um chamado a fortalecer a Frente de Esquerda, que agora repercutirá nas fábricas, nos locais de trabalho, de estudo, nos movimentos de mulheres, etc. Um verdadeiro chamado a que os trabalhadores não apenas lutem sindicalmente, ou votem na esquerda, mas que façam política. E esse chamado encontrou eco em vários trabalhadores que ali estavam, como demonstra essa nota, que traz declarações de vários deles e das reflexões que tiram a partir do ato.

Mas o PSTU argentino, a exemplo de sua organização irmã no Brasil, faz questão de não entender esse chamado. Com sua tradição morenista, e tal como se expressa na declaração do porque não estiveram no ato de Atlanta, o PSTU argentino não apreende que o sentido político posto no ato transcende em muito as questões eleitorais, ainda que essas não sejam nada desimportantes. A força do ato de Atlanta reside justamente por ter sido uma expressão prática de que as eleições, os sindicatos e todos esses espaços que a esquerda deve ocupar são meios para aprofundar a luta, não apenas sindical, mas política dos trabalhadores, gerando a força necessária para que a crise seja paga pelos capitalistas, na Argentina e no mundo, e para que as variantes da direita como Macri, Trump e Temer sejam derrotadas, e se imponha uma saída dos trabalhadores e do povo.

Debater essa perspectiva de ruptura com o capitalismo, que permita que o avanço da tecnologia não culmine em desemprego, mas esteja a serviço dos trabalhadores como defendia Marx, com dezenas de milhares de pessoas em um momento em que parte expressiva da esquerda encontra-se ora capitulando ao neo-reformismo de tipo Syriza e Podemos, como faz a corrente irmã do MST argentino, o MES/PSOL através de Luciana Genro, ora sendo ala do golpe no Brasil, como faz o PSTU, é de uma importância estratégica. Seria absolutamente rotineiro, e não mais importante ou audaz como pretende a nota do PSTU argentino, se ao invés disso o ato de Atlanta fosse mais uma das atividades que a esquerda faz para votar calendários adaptados de meras ações sindicais, algo tão comum em nosso país, ou ainda embasado por uma unidade abstrata e de aparatos. Armados com a perspectiva debatida no ato de Atlanta, cada trabalhador, trabalhadora, jovem, estudante, mulher estão muito mais preparados para travar em seus locais de trabalho e estudo a luta por uma paralisação nacional ativa contra os ajustes. Além disso, não deixa de ser algo cômico como a crítica de que a FIT “se divide” quando há alguma luta, vem justamente de uma organização que agora se negou a ir ao ato de Atlanta. Dessa forma o que se demonstra é que eleitoreira é a lupa que o PSTU usa para enxergar o que aconteceu no dia 19 de novembro.

Isso cabe também ao MST, parte do MES/PSOL. Essa organização que é parte de uma das tendências mais eleitoreira da esquerda internacional e que mais se pautam pelo abandono da independência de classe dos trabalhadores , - vide os posicionamentos de Luciana Genro em relação ao Syriza e Podemos, ou a recente teorização em defesa de um mecanismo reacionário como é a Lava Jato comandado pela gangue de toga que assola nosso país feita por Roberto Robaina -, soltou uma nota posterior ao ato, em que faz coro com o suposto eleitoralismo do ato. No entanto, se o PSTU não é capaz de ser convincente com essa posição, quem dirá o MST.

O MST qualifica como “hipocrisia” o discurso feito por Nicolás del Caño quando afirmou que desde a FIT “fazemos um chamado para somar figuras de referência e outras forças, para promovê-la como uma alternativa política. “Um programa como o que convocamos com esse ato tem que ser a base para fortalecer a FIT, abrindo a discussão com todas as organizações que concordarem com este ponto de vista, sem excluir a prática política de cada organização" disse Del Caño. A pretensa hipocrisia no caso reside simplesmente na deriva estratégica do MST. A exemplo do MES/PSOL que hoje se coloca ao lado de Sergio Moro e da Lava Jato, ficou com a oligarquia agrária, apoiada também por ninguém menos que o próprio Macri no conflito de 2008 entre o governo de Cristina Kirchner e a patronal do campo, ignorando que ambos os campos em disputa representavam interesses absolutamente alheios aos trabalhadores. Essa posição foi fatal para selar o desenvolvimento do MST como uma corrente que sequer pode ser considerada de esquerda, ao ter qualificado como “grandes manifestações” os atos e paralisações organizados pela patronal agrária em 2008, abandonando completamente toda e qualquer posição de independência de classe. É que sua lógica de fundo, tal como a “esquerda Lava Jato” de Luciana Genro, é que qualquer setor que se coloque contra os governos em vigência deve ser apoiado, independente de serem patronais agrícolas, como no caso argentino, ou a direita, ou ainda representantes da gangue de toga como é o Judiciário em nosso país.

Por outro lado a crítica que faz quando afirma em sua nota que “buscou várias vezes a unidade com a FIT" demonstra que essa tem como base a concepção de “unidade da esquerda” que muitas vezes dá o tom dessa mesma reivindicação quando feita em nosso país: uma unidade dos aparatos, pragmática, orientada pelos calendários eleitorais e por fora toda e qualquer confluência programática real e experiência comum na luta de classes. Sem colocar na linha de frente um conteúdo programático claramente revolucionário e socialista, que saia dos discursos e seja tomado efetivamente como um orientador para a prática política concreta das organizações da esquerda, não é possível uma unidade que esteja a serviço de responder à altura dos desafios que estão colocados pelas realidades nacionais e internacionais de hoje. O MST nega-se a encarar esse debate. Prefere, a exemplo do MES/PSOL em nosso país, seguir com sua política de eleger aliados totalmente opostos aos interesses da classe trabalhadora, como a oligarquia do campo, e por isso se lança a construir um arremedo de “frente de esquerda” com o Nuevo MAS, sem qualquer programa claro, numa unidade organizativa que demonstra um defensismo sem par frente à importância que a FIT assumiu como fator nacional em oposição ao governo Macri e a todos os políticos da burguesia na Argentina. Isso se combina em nosso país ao silêncio de Luciana Genro e Roberto Robaina frente ao exemplo dado pela FIT no ato de Atlanta, pois apostam não na recomposição de uma esquerda revolucionária se localizando de fora desse processo, enquanto seguem apoiando o Syriza mesmo quando esse mostra sua face ajustadora indo contra a própria vontade do povo grego.

O chamado feito por Nicolás Del Caño é de profunda importância para a esquerda argentina, e um exemplo a ser tomado em nosso país. Ampliar e fortalecer a FIT, mas sem jamais deixar de lado o programa e a prática política de cada organização, mas ao contrário, partindo desses elementos para nortear qualquer unidade. É com essa perspectiva que se dá sua atuação parlamentar, combatendo cotidianamente o privilégio dos políticos ao ganhar o mesmo que os trabalhadores e dedicar o resto de seu salário para as lutas. E também como parte ativa a luta de classes, como foi com a emblemática batalha de classes em Lear. Essa atuação, condensada nas intervenções do ato de Atlanta, são possíveis justamente pelo não rebaixamento programático da FIT, que é a chave que explica como essa pôde se tornar uma alternativa real frente a setores de massas. E não apenas eleitoral, mas uma alternativa que está a serviço de fazer com que os trabalhadores façam política. Isso é o oposto do eleitoralismo. Algo que escapa completamente às concepções, essas sim eleitoreiras, dos seus “críticos”.

 
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