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EFEITO TRUMP
A América Latina deixa para trás a “década ganha” e enfrenta novas turbulências
Pablo Anino

As relações econômicas em questão. Especulações sobre os fluxos de capitais, o custa da dívida e o preço das matérias-primas. Os problemas estruturais insistentes.

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O terremoto provocado pelo triunfo de Donald Trump sacudiu a América Latina. Em primeiro lugar, a fronteira mexicana devido a sua “integração”, via maquilas, com os Estados Unidos. O ganhador das eleições estadounidenses põe em dúvida o Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA) que sustentou as relações econômicas nas últimas décadas.

Em 2015, chegaram a US$ 22 bilhões de remessas recebidas por sete países da América Central, majoritariamente provindas dos Estados Unidos. Isso significou 34% do PIB (Produto Interno Bruto) de Honduras, 18% em El Salvador, 13% na Guatemala, 11% na Nicarágua, 7% na República Dominicana e 1% na Costa Rica e Panamá. A onda anti-imigrantes poderia implicar em inconvenientes para sustentar esses fluxos monetários.

A Aliança do Pacífico, integrada por Chile, Peru, Colômbia e México, era o caminho seguido pelos governantes da região mais alinhados a América do Norte para integrarem o Acordo da Associação Transpacífica (TPP), agora posta em risco pelo rechaço que Trump expressou durante a campanha eleitoral.

Teremos que ver enfim em que medida avançará o novo presidente em prejudicar esses acordos econômicos. Nessas questões, para além da demagogia de Trump culpando os imigrantes sob todos os males dos trabalhadores estadounidenses, as principais beneficiárias são as grandes corporações yankees que se nutrem de mão-de-obra barata, tanto fora como dentro de seu território.

Nos primeiros dias após o resultado eleitoral o peso mexicano se desvalorizou rapidamente. O tremor também chegou ao real brasileiro que perdeu 8% de seu valor em quatro dias. Na Argentina, dentro de um contexto de entrada de capitais, o dólar alcançou o maior valor em oito meses. Ainda que ocorreram reposições parciais, um primeiro resultado é que as moedas das três principais economias (responsáveis por 70% do PIB da América Latina e Caribe) se desvalorizaram. Outro fenômeno recente é a volatilidade das bolsas, que entre subidas e descidas, expressam a incerteza que impera no porvir. Os três países enfrentam situações distintas: O Brasil atravessa uma profunda recessão e tinha perspectivas de recuperação para o próximo ano; menos atingida, a economia argentina registra uma queda esse ano com uma forte retomada em 2017; enquanto o México terminará o ano com crescimento. Com o efeito Trump todos os prognósticos foram revistos para baixo.

Por trás desses movimento subjaz o provável fortalecimento do dólar estadounidense. A maior e mais imediata incógnita para os países da região é o que fará o Federal Reserve (Banco Central) norte-americano com a taxa de juros. Essa variável concentra a resposta, provisória, a várias perguntas que urgem ser respondidas: O fluxo de capitais se reverterá? Aumentarão os custos da dívida? Baixarão os preços das matérias-primas?

Janet Yellen, presidenta do FED, afirmou que poderia aumentar a taxa de juros “quase imediatamente”. Trump criticou Yellen afirmando que devia “envergonhar-se” da política de baixa taxa de juros e pedia restrições ao crédito. Se o Federal Reserve decide por um aumento na taxa de referência é muito provável que todas as perguntas sejam respondidas com um “sim”. Ainda que o efeito real estará determinado pelo desenvolvimento da situação geral, no qual não cabe dúvida que o cenário econômico latino-americano enfrentará novas turbulências.

Muitos analistas revelam um certo consenso no bastante provável início de uma época de dólar forte, produto da combinação de estímulo fiscal e maior restrição monetária nos Estados Unidos. O antecedente que mencionam, com todas as diferenças desse caso particular, é o período em que Paul Volcker comandou a FED enquanto Donald Reagan presidia o país. Para a América Latina essa política significou crise de dívidas e uma década perdida. O ex-ministro de Economia da Argentina, Ricardo López Murphy, sinalizou que era preciso reagir a tempo para não repetir essa história.

Por sua vez, surgem outras incógnitas mais profundas: Que tipo de relação Trump buscará estabelecer com a região? Durante os anos 90, com o auge neoliberal, o “Consenso de Washington” organizou as relações com a América Latina, que salvo algumas desigualdades, atuou como verdadeiro “quintal” dos Estados Unidos. Essa situação mudou no novo milênio, quando vários governos neoliberais da região se tornaram ou fortemente deslegitimados ou diretamente impugnados pela força das molibilizações, forçando desvios da luta de classes ou o estabelecimento de mediações políticas preventivas, como o kirchnerismo na Argentina ou o Partido dos Trabalhadores no Brasil, que conquistaram certos graus de autonomia frente gigante do norte, desativando por exemplo a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), ainda que sem grandes questionamentos aos pilares do poder imperialista, como o enorme peso das empresas estrangeiras na economia e honrando a dívida externa. Mesmo assim, os Estados Unidos sempre conservaram aliados fieis, entre eles a Colombia e o Chile.

Barack Obama estava preparando o tereno para se voltar à América Latina. Nesse processo, praticou o degelo de Cuba e apoiou o acordo com as FARC, entre outras aproximações com a região. É difícil prever uma retirada norte-americana, que segue sendo o principal investidor e sócio comercial da América Latina. Algumas mídias, como The Economist, alertam que um isolamento excessivo dos Estados Unidos poderia criar uma grande oportunidade para a China. O país asiático mostra uma dinâmica expansiva na região e aproveitaria a viagem que Xi Jinping está realizando por esses dias no Equador, Peru e Chile (os últimos, países tradiciotnalmente aliados dos EUA) para deixar claras suas aspirações geopolíticas com uma proposta alternativa ao Tratado Transpacífico (TTP), que inclua Japão e Índia, mas não os Estados Unidos. Até o momento, os países da região respondem com pragmatismo. É o caso da Argentina, onde Mauricio Macri simultaneamente fortaleceu relações com os Estados Unidos e ratificou os acordos firmados pelo Governo anterior com a China.

Hoje os ventos de mudança sopram novamente. As especulações sobre que tipo de vinculação o novo presidente yanque buscará com a América Latina vão desde aqueles que caem na ilusão de que o unilateralismo e isolacionismo que prove Trump apartará essa parte do planeta, até os que crêem que tentará, o que é muito mais provável, uma nova ofensiva em seu “quintal”, cujos contornos mais precisos se definirão com o andar da nova gestão no país do norte.

Chovendo no molhado

Nos anos posteriores à queda do Lehman Brothers, a região usufruiu dos efeitos dos resgates financeiros e dos estímulos monetários nos países centrais afetados pela crise, ao que se somou o crescimento da China e da India que, por sua vez, sustentaram um crescimento de demanda de matérias-primas que se produzem no Cone Sul. Esses fatores intensificaram os preços das commodities.

Dessa forma, após 2008, em uma economia mundial de duas velocidades, a América Latina se desacoplou do baixo crescimento que imperava, mas não conseguiu preservar a dinâmica que vinha experimentando desde o princípio do novo século.

Essa situação havia se esgotado nos anos mais recentes. Claudio Loser, ex funcionário do FMI, analisava há um mês atrás os apertos que a América Latina enfrentava: retração dos períodos de câmbio, pior desempenho de todas as regiões do planeta na evolução do PIB, forte déficit fiscal (7% do produto) e inflação elevada (fundamentalmente pelo aumento dos preços na Venezuela e Argentina).

Isso porque desde de 2011 já começava uma desaceleração econômica que acabou em recessão. Antes do triunfo de Trump, a Cepal previa uma queda entre 0,5 e 1% para 2016, explicada por Argentina, Brasil, Venezuela e Equador, enquanto o resto dos países se mantém no terreno positivo. Se trata do segundo ano consecutivo de queda na economia da região, um fenômeno que, segundo a Cepal, não se observa desde a década de 1980.

Em um vídeo difundido em 4 de novembro (previu o trinfo de Trump), Alicia Bárcena, Secretária Executiva da Cepal, comentou que a cada ano saem da América Latina cerca de U$S 340 milhões em evasão fiscal que vão para os “paraísos fiscais”. Essa hemorragia se soma a efetuada por meio legais através da remissão de lucros das multinacionais e o pagamento da dívida externa. Essa erosão cotidiana de riquezas seguramente se agudizará pelo efeito Trump, que busca que os capitais yanques voltem para seu país.

O denominado super ciclo dos preços das commodities se extendeu até quase a entrada da última década, mas torceu definitivamente seu rumo a partir de 2014 com a retirada do programa de expansão quantitativa da FED. Isso impactou nas exportções, que caíram 14% em 2015. Dessa forma, o fenômeno de diminuição do comércio se expressa de maneira mais aguda na região que nas zonas médias do globo, onde segue o crescimento, ainda que com taxas modestas, de cerca de 3% em média desde 2012, segundo o FMI.

Os dados para a América Latina também mostravam uma tendência descendente no investimento estrangeiro direto, que alcançou um máximo de U$S 147 bilhões em 2012 e caiu para U$S 129 bi em 2015, impedindo que se compensasse o déficit comercial com a entrada de moeda estrangeira. Dessa forma, a desaceleração no fluxo de moedas para a região começou a se compensar com um novo crescimento da dívida externa, que cresceu 47% entre 2009 e 2014 (último dado disponível). A região ainda conta com parâmetros favoráveis devido ao relativo desendividamento que surgiu no novo século, mas o problema da dívida está escalado para se instalar novamente na agenda.

Diferentemente de 2008, ano no qual havia superávit nas contas públicas para resistir aos efeitos da crise, na atualidade a maioria dos países estão com saldo fiscal negativo, o que limita a possibilidade de amortizar os impactos das medidas que tomar o novo presidente dos Estados Unidos. Alguns poucos estados contam com certa margem, como é o caso de Chile, Peru e Bolivia.

O esgotamento das condições extraordinárias de crescimento elevado e entrada de moeda de exportação foi ocasionando um malestar social crescente em muitos países. O último documento econômico da Cepal [nota: CEPAL, Perspectivas económicas de América Latina 2017. Juventud, competencias y emprendimiento.] destacava que “A classe média chegou a ser 35% da população da América Latina, crescendo 14 pontos percentuais durante a última década”. Por sua vez, alertava que “cerca de 7 milhões de latino-americanos caíram na pobreza em 2015, elevando a cifra total de pobres a 175 milhões de pessoas, 29% da população. Além disso, entre 25 e 30 milhões de latino-americanos em situação vulnerável – um a cada três dos que saíram da pobreza na última década – poderiam voltar a cair na pobreza se a desaceleração se prolonga e perdem seus empregos, adoecem ou se aposentam.” O panorama social se completa com o aumento das taxas de desemprego, deterioração da qualidade de emprego e dos salários.

Nesse contexto, a direita vinha se aproveitando do descontentamento social para forçar uma mudança no rumo político. O ajuste praticado por Dilma Roussef gerou as condições para o golpe institucional que alçou Michel Temer como presidente do Brasil. Na Venezuela também se aprofundou uma desordem econômica em meio à polarização política e o descrédito do Chavismo. Na Argentina, o lento fim de ciclo kirchnerista abriu caminho para Mauricio Macri, que tenta avançar com um novo consenso direitista.

Antes do terremoto causado por Trump, as condições econômicas e sociais já eram extremamente frágeis. As heterogeneidades pré existentes, onde segundo a Cepal, a América do Sul sofria de maneira mais aguda a diminuição dos termos de intercâmbio, enquanto a América Central e o Caribe tinham “a frente um panorama mais esperançoso pelos seus vínculos com a economia dos Estados Unidos”, é muito provável que transite rumo a uma monstruosa homogeneidade ou à continuidade da evolução desigual de crescimento na qual todos os países se posicionem um degrau abaixo.

A “década ganha” não deslocou o atraso estrutural

Dias antes do triunfo de Trump, Alicia Bárcena apresentava a visão da Cepal sobre os problemas da região, destacando que “não é a mais pobre do mundo, mas sim a mais desigual”. E sinalizava a necessidade de encarar uma perspectiva de desenvolvimento após a “mudança estrutural progressiva” para deixar de ser “altamente dependentes dos recursos naturais primários, de suas exportações sem processamento” e encarar uma nova “fase de industrialização”. Falava de conformar novas coalizões que promovam um tipo de globalização com feição humana porque os que estão ganhando “são os atores privados, fundamentalmente as grandes transnacionais”.

Na mesma sintonia, mas posterior ao conhecimento do resultado do fenômeno de Trump, no The Guardian, o economista francês Thomas Piketty falaba de mudar o discurso da globalização reorientando-o para dar resposta ao “crescimento da desigualdade e ao aquecimento global”, ao passo que se oriente a contenção do poder das multinacionais estadounidenses. É sonhar com o impossível.

Depois de quase uma década e meia de condições extraordinárias, fica exposto o fracasso, mais uma vez na história, de experiência que em seu relato falavam de promover mudanças estruturais, desde as variantes neodesenvolvimentistas da Argentina e do Brasil, que respeitaram fortemente as heranças neoliberais e as condições estruturais, até as “extremas” do “Socialismo do Século XXI”, hoje fortemente questionado naVenezuela e o “capitalismo andino” na Bolivia. Essas foram as tentativas existentes na realidade do “capitalismo com feições humanas”. Estiveram bem longe de colocar em questão a exploração do homem pelo homem. Terminaram em ajustes e ataques ao povo trabalhador, atendendo as “razões” do capital.

Frente a “globalização com feições humanas” e as tendências direitistas reacionárias, que muito provavelmente encontre seus “embaixadores” na região graças ao fenômeno Trump, é hora de discutir a unidade socialista da América Latina, que encontre na ação solidária comum de trabalhadoras e trabalhadores as forças para atacar os interesses do capital e o imperialismo, em favor das maiorias exploradas.

 
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