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DOIS ANOS DE MADYGRAF
Jornal La Izquierda Diário, impresso sob gestão operária na Argentina
Lucho Aguilar
Lucho Lucero

Uma crônica de dentro da fábrica MadyGraf, a gráfica gestionada há mais de dois anos por seus trabalhadores, onde não há patrão. Neste artigo, companheiros da redação do La Izquierda Diario narram a visita à fábrica e todo o processo de produção a partir de entrevistas com os homens e mulheres que imprimem o jornal, que faz parte da rede internacional do Esquerda Diário.

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Quarta feira, o dia do "fechamento quente" na MadyGraf. Durante horas dezenas de trabalhadores comprimem nervos e músculos para tirar Gente e Paparazzi, as revistas de cores brilhantes que disputarão as fachadas dos kioskos (espécie de pequenos mercados) na madrugada seguinte.

Mas nesse dia, os mesmos homens, mulheres e as mesmas máquinas também se encarregaram de "dar vida" a outras imagens e textos, sem os escândalos nem as vaidades.

Antes que caía a noite chega ao setor de pré-impressão da planta de Garin um e-mail com a última versão do jornal La Izquierda Diario [Esquerda Diário na Argentina]. Em algumas horas ele será convertido em papel e tinta, conheçamos o processo.

Da redação até a chapa

Pocho, que hoje preside a cooperativa nos apresenta a Cristian, ele nos guiará na primeira parte:

"Quando já temos os arquivos que vocês mandam armamos um modelo de onde se acomodarão as páginas. Depois outra máquina faz a impressão em uma chapa de alumínio que depois passará pela reveladora e estará pronta para entrar na máquina."

Passamos por uma mesa onde outros trabalhadores nos cumprimentaram rápido: eles debatiam como pode ser feito um produto novo que entrará em poucos dias.

Contínua Cristian: "depois a chapa passa por um forno, que permite que a impressão possa aderir a chapa e tenha menos desgaste. A dobradora faz as dobras e furos para que possamos prende-las nas impressoras rotativas. Aí termina o processo de pré-impressão".

Cristian faz parecer simples algo que implica muita precisão. Eles são os que fazem a primeira transformação: do arquivo digital para a chapa de alumínio.

Sempre foi assim? "Não, em 1998, quando entrei na fabrica, era muito mais manual. Trabalhavam 30 ou 40 pessoas por turno nesse setor. O avanço tecnológico, embora tenha melhorado as condições em que se trabalha, liquidou muitos postos de trabalho. Na medida em que fomos nos organizando foram melhorando as condições em cada setor."

Não poderíamos evitar esta pergunta: "Tudo certo com o arquivo do material que mandamos para vocês?". "Sim, eu peguei as primeiras edições, nunca tivemos problemas. Hoje também acredito que anda bem".

Já nos sentíamos parte dessas engrenagens que começavam a girar na nossa frente.

Um pião colorido girando, manchetes e consignas

Caminhando pelo salão central, vamos atravessando as salas. Nesta hora as grandes rotativas já estão em silêncio. Sandro assume o posto. Ele entrou na RR Donnelley como trabalhador da limpeza. Primeiro a experiência sindical, depois a militância política e agora a gestão operária foram transformando ele profundamente, como a maioria de seus companheiros. Hoje, ele mesmo pode nos contar como este jornal entra nas rotativas e, as vezes, quando tem tempo, também escreve nele.

Estamos parados diante de uma Harrison 301, contemplando ela por alguns segundos. "Nestes cilindros se colocam as chapas. É muito importante a tensão que colocamos, por que se está muito apertada pode danificar a chapa."

No olho e nas mãos do impressor está parte do futuro do nosso jornal.

Então, no meio dos metais e as bobinas de papel, em fim aparecem as cores. Sandro as apresenta: "preto, cyano, magenta, amarelo"

Mas a máquina ainda não arrancou. Falta emendar o papel e outros detalhes. Quando tudo está certo a ignição da 301 sacode o silencio do salão. O cilindro envolve o papel. Sac sac sac
sacsacsac...cada vez mais rápido a folha em branco começa a manchar-se de preto, amarelo, magenta e celeste. O chamado a paralização nacional e a imagem dos homens marchando se convertem em algo como um pião colorido girando. Nossos títulos debatidos parecem se perder. Caminhamos até o final na busca das manchetes e consignas que nossos olhos perderam. Então reaparece tudo claro e vibrante no final da rotativa, mas multiplicado por milhares.

Nestes 20 metros se faz a combinação de cores, materiais, temperaturas e velocidades. O forno seca o papel e outro dispositivo cristaliza a tinta, a dobradeira o converte em tabloide e as lâminas cortam o formato do caderno. Sandro pega um em suas mãos. "quando sai por aqui nos levamos para a encadernadora. Quanto tem um caderno? 8 páginas. E encerramos por aqui"

Máquinas e homens

Fizemos uma pausa para conversar justamente sobre os tempos. "O tempo que tínhamos de preparação e partida da máquina na empresa com a patronal era de 45 minutos. Mas fazíamos em meia hora e assim podíamos conversar um pouco ou tomar mate. Conseguíamos gerir os tempos"

E agora, como é? "A mudança foi total. Tínhamos a produtividade controlada por supervisores nos postos de trabalho. Além disso havia uma divisão muito forte de tarefas e cargos que também te amarravam em um único setor ou também geravam competição entre aquele que opera uma máquina complexa e aqueles que esperavam chegar algum dia nesse posto. Com a gestão operária todos conhecemos o processo do começo ao fim", conta Sandro.

A alienação parece ter um freio. "Rodar por distintos setores te permite aprender distintas tarefas e o processo de produção em seus distintos passos até chegar ao produto final. Inclusive a rotação dos postos de trabalho permite que nos organizemos tanto para garantir uma publicação, quanto outras tarefas da gestão operária, como também as atividades políticas. Além disso podemos nos conhecer, conversar, buscando que as tarefas também tenham a ver com o que você goste mais de fazer. A partir disso surgem vínculos melhores, nos ajudamos muito mais. Isso gera companheirismo, solidariedade e também podemos falar de política, questões pessoais, de tudo".

Passamos do lado de outro grupo de trabalhadores. Com as ferramentas empunhadas eles debatiam em frente à uma máquina aberta. É uma dobradeira especial, que pode permitir que eles peguem pedidos e trabalhos bem pagos. Com a falta de capital, como em todas as gestões operárias, os mecânicos fabricam as peças de reposição nos tornos e usam sua criatividade para lhes dar vida, algo que a empresa não conseguia fazer nem trazendo mecânicos de fora.

Ao ponto

Entramos no setor de encadernação e quem nos recebe é o "louco" Gabriel Medina. "Isto que vão ver, em alguns dos grandes diários, é feito de forma manual. Na MadyGraf temos todo o processo automatizado. Aqui fazemos a intercalação dos cadernos segundo sua numeração de página e fazemos o corte das bordas e margens".

Entretanto alguns dos periódicos impressos essa manhã ainda estão mornos no final das máquinas. Porém, ele recria o trabalho, passo a passo. Nas unidades as páginas serão sugadas pelas ventosas que abrirão os cadernos para que depois caiam abertos sobre a correia de transporte e serão montados um em cima do outro. Outra vez, então, a máquina começa a correr, e os rostos e consignas que vão borrando com a velocidade. Ao final da correia nos devolve, outra vez, a capa que havíamos debatido durante horas.

"Depois armamos os pacotes para que já sigam para a entrega." Conclui nosso guia enquanto cumprimenta Laura, uma das companheiras que se somaram a gestão operária. Sentada em uma banco, está concentrada com seu protetor auricular e com a leitura do editorial do jornal. (Igual se desenchufa un rato para recomendar conversas com algumas companheiras. Para que no fiquem dúvidas do papel destas mulheres afora e dentro da fábrica, ver este link)

Tratando de passar a limpo surge uma pergunta inevitável: quantas mãos, quantas horas?

"Começa com 2 companheiros na pré-impressão e cotejamento; o empilhador que leva as bobinas de papel para rotativa; lá esperam 4 pessoas que imprimem e entregam na encadernação, onde são 4 ou 5 trabalhadores a mais. Além disso os que trabalham com administração, expedição e o carregamento dos caminhões, que são mais 5 ou 6 pessoas. Se tudo anda bem entre a chegada do arquivo e a expedição são feitos em 6 horas."

Se começamos desde o começo somos mais, é claro. Desde os correspondentes e militantes que mandam suas notas e a redação que organiza e diagrama, até Antônio e Bártolo que levam os pacotes que acabaram de sair do "forno" para que o La Izquierda Diário possa chegar nas sedes do PTS em todo país.

Debates entre as máquinas

Durante a volta, os trabalhadores explicam como fazem funcionar uma planta de grandes dimensões e alta tecnologia: "Temos coordenadores de produção votados em assembleia". Essa é uma das coisas que sempre reconhecem que aprenderam com os ceramistas de Zanon. A planificação operária como alternativa ao despotismo do capital nas fábricas.

O "Louco" Medina, olha a capa do jornal que está na mesa junto da revista Vanidades (Vaidades). "Está revista sempre foi reconhecida por sua qualidade. Nossa organização não nos impediu de continuar produzindo com a mesma qualidade e ao mesmo tempo compartilhar o espaço de trabalho através de conversas e debates de todo tipo. Neste setor há companheiros que votaram em Del Cano, Macri, Scioli ou Massa [candidatos à presidência na Argentina], são comuns os debates de política enquanto trabalhamos. Também sobre a fábrica, a situação do país e sobre como avançar e conquistar a expropriação".

Os debates políticos vinham desde antes da fábrica ser gestionada por seus trabalhadores. "No caso da impressão do La Izquierda Diario, que todos sabemos que é um jornal de esquerda, que é do PTS, muitas conversas saem quando vamos vendo as páginas, o que diz o periódico, o que saiu neste número. Em geral, a tarefa de imprimir materiais facilita a leitura. Revistas, dicionários, sempre tivemos ao alcance uma diversidade de temas para ler, opinar, criticar, expressar a ideologia que cada um temos.

É inevitável falar da tradição dos tipógrafos, e depois gráficos, sementeira setores combativos da classe operária. Os que organizaram os primeiros sindicatos na Argentina, que loco produziram seus jornais sindicais ou políticos, que tem seus mártires na Argentina e em Chicago.

"Em nossa fábrica tudo isso é muito importante por que te leva a discutir a saída que nos demos. Por que tomamos a fábrica e colocamos para produzir, por que os governos fazem todo o possível para não haja mais exemplos como este, que os trabalhadores não podemos ter consciência se administra e se sustenta uma fábrica sob gestão operária. Essas são coisas que se colocam dia a dia na MadyGraf, e encontrarmos a impressão de um jornal de esquerda gera também inquietude e politização. Inclusive aqueles que dizem “vamos lá para um churrasquinho” mas sempre o vemos sair com o La Izquierda Diário em baixo do braço, e depois volta com alguma discussão."

Uma luta de fundo

Vamos chegando ao final. Numa janela se vê o ovalo da Ford. Estamos no coração industrial da Zona Norte. Na mesa de entrada tem um caderno da MadyGraf. Há alguns meses eles imprimiram 20 mil e doaram para as escolas públicas da zona, onde muitas crianças não poderiam comprar. Foi um enorme ato de solidariedade de classe, mas também uma clara mensagem política.

"Desde que ocupamos a fábrica planejamos a estatização sob administração operária, para poder produzir em ótimas condições, que o Estado financie a manutenção, os insumos, reposições e compra de novas máquinas e isso devolvemos com trabalho para as escolas, os ministérios, colocar a imprensa a serviço da comunidade." Desta forma poderíamos gerar muitos mais postos de trabalho, pois hoje a fábrica está usando somente uma parte de sua capacidade".

Enquanto terminávamos de sair vimos grupos reunidos. Alguns começam a preparar um trabalho. Outros discutem a coordenação com a luta de Zanon e outras fábricas sem patrão para rechaçar o tarifaço [aumento das passagens do transporte] e reivindicar assistência estatal. Outros preparam o festival que vão realizar dia 20 de agosto pelos dois anos de gestão operária e pela expropriação que depende da legislação de Buenos Aires. Não se pode dizer que não há problemas em MadyGraf, mas é uma fabrica viva, que não somente cria publicações, como também homens e mulheres que militam pela gestão operária e seus ideais.

Lenin dizia que os comunistas lutam por um sistema social em que "não haverá possibilidade de submeter, direta ou indiretamente, a imprensa ao poder do dinheiro. Não haverá obstáculos para que cada trabalhador (ou grupo de trabalhadores) possa e exerça o direito igual de utilizar a imprensa e o papel que ela compre para a sociedade"

Por esse mundo é que lutamos, nós que fazemos o La Izquierda Diário. Nunca é demais lembrar. MadyGraf, com suas luzes, e também suas duras lutas cotidianas para se sustentar, é uma "pequena" escala desse caminho. É um orgulho que nosso jornal esteja nestas mãos.

Tradução para português: Felipe Ramos

 
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