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INTERNACIONAL
Podemos e o “fenômeno Cobryn”: notas sobre a esquerda europeia
Josefina L. Martínez
Madrid | @josefinamar14

A crise do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) no Estado Espanhol e o ascenso do Podemos, a divisão interna do trabalhismo e o triunfo de Corbyn ( Jeremy Corbyn, britânico, líder do Partido Trabalhista -PL), o afundamento do PASOK na Grécia, a capitulação do governo do Syriza, a crise de Hollande na França: marca uma crise histórica da socialdemocracia europeia e a surgimento de novas correntes reformistas.

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A ofensiva neoliberal coincide com o período em que os partidos socialdemocratas atuaram como fiadores do projeto europeísta, pactuando com conservadores e liberais as maiorias no Parlamento Europeu e alternando com estes nos postos de direção da UE, no auge da extrema direita e a crise da socialdemocracia, são fenômenos que se desenrolaram simultaneamente e em grande parte se retroalimentam.

A idade de ouro da socialdemocracia no poder alcançou seu auge durante dos anos 80, chegando a seu máximo eleitorado na Europa em meados dos anos 90. Em 1994 o grupo dos socialdemocratas europeus monopolizava 35% das cadeiras no Parlamento da EU enquanto agora se limitam a 25%. As porcentagens eleitorais nacionais oscilam nestes anos acima de 40%, enquanto que agora em sua maioria flutuam ao redor de 20%, com alguns partidos caem abaixo de 15% o afundamento do PASOK grego abaixo de 5% em 2015.

Os anos exitosos dos partidos socialdemocratas no poder forjaram sua crise: se consolidou o giro neoliberal e sua conversão em “social-liberalismo”. As políticas de reconversão industrial de Felipe González se aprofundaram com as reformas trabalhistas e sociais do PP-PSOE nas décadas seguintes. Schroeder do SPD (Partido Social Democrata) com sua “Agenda 2010” de precarização trabalhista prepara a “grande coalisão” entre os socialdemocratas e a CDU (União Democrata Cristã) na Alemanha, que se baseou a estabilidade de Merkel. Finalmente, o exemplo mais paradigmático tem sido a “terceira via” de Tony Blair, um “thatcherismo por outros meios” no Reino Unido.

O clima conservador também moldou os velhos partidos comunistas, que a final dos anos 70 e 80 deram a virada para o eurocomunismo e terminaram de assimilar-se aos regimes, situados em governos municipais ou regionais, atolados em casos de corrupção estatal, em coalizão com os socialdemocratas e verdes, degradando sua relação com os sindicatos e os movimentos sociais depois de políticas parlamentares e de gestão das instituições capitalistas.

Grecia e Espanha: crise social e neoreformismo

No sul do continente a crise golpeia de forma mais direta, com recordes de desemprego e a queda nas condições de vida. Desde 2011 se vive uma importante resistência social com greves gerais. Mas o papel da burocracia sindical deu passagem ao desvio pela via eleitoral e emergiram as formações politicas neorreformista, como Podemos, Syriza e o Bloco.

A magnitude da crise Grega “engoliu” o PASOK e conseguiu impor a assimilação veloz do Syriza ao status quo. De ser considerada a “esperança” da “nova esquerda europeia” e prometer um “governo de esquerda”, rebaixou seu programa, pactuou com os nacionais da ANEL a formação do governo e terminou capitulando frente a troika em seis meses. Desde então aplica cortes, ajustes e privatizações para cumprir com o “terceiro memorando” imposto pela UE, o FMI e o BCE.

As consequências da rendição incondicional do Syriza tem sido um silencio profundo: se tratava do primeiro governo de um partido da esquerda da socialdemocracia na Europa Ocidental nas últimas décadas. As expectativas que geraram se transformaram, em igual grau, em decepção. Segundo as últimas pesquisas de intenção de voto difundidas na Grecia, os conservadores da Nova Democracia superaram o Syriza.

As repercussões desta crise também se sentiram na esquerda europeia. A direção do Podemos que validou a politica do primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, aceitando sua sentença de que “não havia alternativa”, e acelerou seu “giro ao centro”. Desde as eleições de 20 de Dezembro até agora sua estratégia de baseou em propor ao PSOE um governo de coalizão. O PSOE havia conseguido até agora evitar a “pasokização” enquanto alcançava seus piores resultados históricos nas ultimas eleições gerais. Ainda assim, Podemos não alcançava o sorpasso sobre aqueles.

O último ano já decorrido em meio a uma interminável crise do regime, sem conseguir formar governo. O regime monárquico-parlamentar funcionava aceitavelmente em base a um bipartidarismo, mas não se sustenta com a fragmentação politica atual. O PSOE se encontrava encurralado pela direita, pelo PP, Cuidadanos, os grandes meios de comunicação e o IBEX35 para facilitar um governo conservador, enquanto pela esquerda o pressionava o Podemos.

Finalmente, Pedro Sánchez renunciou como Secretário Geral do PSOE e o partido terminou em pedaços. A crise culminou em um “aperto de mão” no Comite Federal socialista, com os “barões socialistas” tomando as rédeas da organização para facilitar um governo do PP.

Podemos tampouco está isento de importantes crises internas. Se enfrentam em seu interior duas grandes correntes: os “pablistas” e os “errejonistas”. Íñigo Errejón é partidário de acelerar a dissolução de toda identidade esquerdista no Podemos e consolidar sua normalização nas instituições. Por sua vez, Iglesias vem propondo um giro tático para pôr freio a queda eleitoral (perderam mais de um milhão de votos entre as eleições de Dezembro e de Junho), recuperar terreno perdido para a esquerda e consolidar “uma estrutura de quadros”. Por isso fala de voltar a “dar medo aos poderosos” e “assentar-se no social”. Por último, o setor de Anticapitalistas, dissolvidos em Podemos “reiniciar”e Podemos com uma maior relação com os movimentos sociais [1].

Podemos range internamente: a organização se transformou no último ano em uma “maquina institucional” [2] com um bloco de 71 deputados no Congresso, centenas de deputados regionais e ocupa o governo nas grandes cidades como Madrid e Barcelona. Nesses governos tem abandonado grande parte de seu programa eleitoral, mantiveram o pagamento da divida, perseguem os imigrantes vendedores ambulantes e se enfrentam diretamente com greves de trabalhadores, como no metro de Barcelona.

No Estado espanhol o mais provável é a formação de um governo do PP apoiado pelo PSOE, disposto a implementar mais cortes e ajustes. O cenário político seguira agitado, sem se revolver a acentuada crise do regime. Mas também se abre a possibilidade perante novos ataques de um governo conservador que se retome a mobilização nas ruas e avance a experiência de um setor da juventude e dos trabalhadores com o neoreformistmo do Podemos.

Reino Unido: o fenômeno Cobryn e o rechaço ao establishment

O Reino Unido, em uma situação politica marcada pela polarização social, o desconforto com os planos neoliberais e o crescimento em alguns setores de um sentimento enti-europeu – que derivou finalmente na votação a favor do brexit –, a crise do trabalhismo se manifestou de maneira distinta.

Com o Novo Trabalhismo no poder desde meados da década de 90 até princípios de 2010, se desenrolou uma época sonhada pela casta financeira. O giro neoliberal do trabalhismo o transformou em parte do establishment britânico e produz uma forte desafeição de sua base social trabalhadora e jovem.

Após uma desastrosa performance nas eleições gerais do Reino Unido e no referendo na Escócia, os trabalhistas elegeram seu novo líder em uma interna onde se aplicava pela primeira vez um sistema aberto de votação de “1 filiado ou simpatizante = 1 voto”. A direita do trabalhismo via este mecanismo como a via para reduzir o peso dos sindicatos apelando ao voto individual. Mas, surpreendentemente para todos, se voltou uma espécie de boomerang e permitiu o surgimento de um candidato da ala esquerda, Jeremy Corbyn.

Sua candidatura trouxe centenas de milhares de novas filiações ao trabalhismo em poucos meses. Se despertava a “Corbynmanía” [3], com milhares de simpatizantes do veterano deputado antiguerra participando de assembleias e atos de campanha. Enquanto em Maio de 2015 os filiados ao PL (Partido Trabalhista) eram 201.293, no final de 2016 alcançaram o numero de 388.407 filiados. Entre Janeiro e Julho de 2016 houve quase 127.000 novas afiliações.

O movimento se desenrolou não so na juventude, mas também entre os sindicatos, que em muitos casos se pronunciaram por seu apoio a Cobryn. Os apoiaram UNITE e UNISON, os maiores sindicatos do país, como o PCS ( dependências estatais), CWU (cominicações), RMT (transporte de trens e marítimo), ASLEF (maquinistas), BFAWU (padaria e alimentos) e FBU (bombeiros).

Em Setembro de 2015 Cobryn ganhou as eleições com 59,5% dos votos entre os membros do PL e 84% entre os simpatizantes. Uma clara expressão do rechaço aos cortes, a austeridade, ao racismo e a guerra, levada a fim por sucessivos governos. Também significou uma derrota humilhante para as alas centro e direita do Partido Trabalhista. O corbynismo defendia recuperar o “velho” trabalhismo, com um programa neokeynesiano e socialdemocrata.

Deste modo, o trabalhismo iniciou um processo de renovação, baseado em uma nova base juvenil e com o apoio de sua base sindical. Havia uma “podemização” do trabalhismo? Pode se dizer que sim, no entanto houve um fenômeno novo a esquerda e de rechaço ao establishment. Mas, a diferença do Podemos, um partido criado só a dois anos e sim quase nenhuma relação orgânica com o movimento operário, o trabalhismo é um partido histórico, com uma forte relação com os sindicatos (apesar de sua degradação durante as ultimas décadas).

A nova direção de Cobryn se chocou com a resistência do ala conservadora. O triunfo do “sim” ao breixt foi a oportunidade para que esse setor passasse para a ofensiva, impugnando a direção de Cobryn, o acusavam de não haver sido o suficientemente contundente na campanha pela “permanência”. Em um “aperto de mão” interno, a maioria dos integrantes do gabinete na oposição renunciaram, abrindo a crise no trabalhismo e desatando uma guerra aberta contra Cobryn. Finalmente, em 28 de Julho, Cobryn perdeu o voto de confiança de seu grupo parlamentar.

A ofensiva da direita do PL foi muito forte, tratando de desprestigiar Cobryn com campanhas midiáticas acusando-o de “antissemita”. Também, conseguiram impor que 130.000 novos membros do PL fossem desacreditados e não pudessem votar, e um aumento da cota para os simpatizantes que queiram votar de 3 para 25 libras.

Mas a diferença do que ele fez mais tarde Pedro Sánchez no Estado espanhol, se retirar sem dar luta, Cobryn se propôs retomar a direção do trabalhismo apelando o apoio de sua base. Em seu apoio seguiu cobrando força Momentum, o movimento impulsionado por jovens e ativistas da esquerda do trabalhismo e numerosos sindicatos se voltaram a pronunciar a seu favor.

Finalmente, passado 24 de Setembro se anunciava o resultado das internas trabalhistas: Jeremy Cobryn se impôs com 61,8% dos votos dos militantes do PL sobre seu opositor Owen Smith, que obteve 38,2%. Entre os simpatizantes obteve 70% dos votos.

O reeleito líder trabalhista aumentou sua porcentagem de votos e se fortaleceu em sua base partidária. Aqui não houve afundamento como na Grécia, nem o surgimento do Podemos a sua esquerda como na Espanha: no trabalhismo convivem atualmente duas grandes correntes que estão disputando a hegemonia, dois partidos dentro do partido. A velha direção do “Novo Trabalhismo” mais parecido ao establishment tem perdido a luta pela base, mas não está disposto a entregar o partido. Ainda assim, a possibilidade de divisão do trabalhismo entre dois setores em conflito é mais remota na atualidade. A ala direita parecia ter aceitado a segunda vitória de Cobryn, já que lhe permite ganhar tempo para se posicionar melhor frente as eleições de 2020 e se acomodar politicamente frente a sua base partidária. Por outro lado, a ala direita não impulsiona a ruptura, temerosa de correr a mesma sorte que o SPD (Partido Social Democrata), uma divisão à direita do trabalhismo em 1981 que não teve bom destino. Apesar de se haver desejado no curto prezo uma ruptura do Partido Trabalhista, nos próximos meses seguramente veremos novos episódios desta crise.

Europa polarizada e fragmentada

Enquanto em alguns lugares a crise da socialdemocracia abriu passagem para novos fenômenos reformistas, em outros casos a reconfiguração do mapa político tem se inclinado pela direita e a extrema direita [4]. A situação na França é “dramática e promissora ao mesmo tempo” [5]. A queda escandalosa da popularidade de Hollande expressa a ruptura da base social do PS com esse partido,sem no entanto, não ter surgido até agora uma alternativa política importante pela esquerda que possa capitaliza-la.

O paradoxo é que no lugar onde a luta de classes tem estado mais presente nos últimos meses, o cenário politico “por cima” se move para a direita e o regime da V Republica tem se “lepenizado”.

Em todo o continente é possível ver as consequências da crise dos partidos tradicionais, com o surgimento de novos fenômenos políticos pela direita e pela esquerda. Incluindo a mais estável Alemanha, a CDU tem retrocedido frente ao ascenso da xenófoba Alternativa para Alemanha e a SPD caem em porcentagem de votos.

O brexit tem atuado como catalizador de maiores rupturas, enquanto a crise migratória e a ameaça de atentados do Estado Islâmico alimentaram a xenofobia. Não podem descartar novos episódios acentuados na crise econômica de larga duração. Neste contexto polarizado, se reforça a possibilidade de novos marcos de luta de classes, como vivemos na França há uns meses [6], que aceleraram a experiência de setores de trabalhadores e da juventude com o reformismo. Frente esta crise europeia de dimensões histórica, mais que nunca é necessário fortalecer correntes militantes com um programa anticapitalista, internacionalista e de classes.

1. Anticapitalistas ocupam a prefeitura da cidade de Cádiz, onde se mantem a mesma moderação política e gestão do capitalismo que no resto dos Municipios onde governa o Podemos.
2. Lotito, Diego, “Podemos, la crisis de la ‘máquina institucional’”. La Izquierda Diario, 28 de Setembro de 2016.
3. Ríos, Alejandra, “Jeremy Corbyn: ¿qué expresa el nuevo líder laborista?”, IdZ 25, novembro 2015.
4. Martínez, Josefina, “La cumbre de la UE muestra la crisis histórica del proyecto europeo”, La Izquierda Diario, 17 de setembro de 2016.
5. Comité de Redacción de Rèvolution Permanente, “El movimiento en Francia se mantiene y puede radicalizarse”, La Izquierda Diario, 22 de setembro de 2016.
6. Barot, Emmanuel y Chingo, Juan, “La Primavera francesa”, IdZ 29, maio de 2016.

 
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