Vale S/A: a serviço de que(m)? A fome capitalista de ferro que mata

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imagem: Lina Hamdan

por Lívia Tonelli

A tragédia de Brumadinho (MG) reabre o importante debate acerca do modelo de apropriação irrestrita dos recursos naturais adotado pelas empresas do setor mineral e da atuação do Estado brasileiro, um verdadeiro CEO dos negócios capitalistas. A fome de ferro da Vale foi responsável pelo maior assassinato de trabalhadores em um único episódio na história do nosso país e por mais um desastre ambiental ainda de dimensão imensurável. Mas afinal quem é a Vale? A serviço de que(m) está essa gigante do setor mineral? 

A Vale e a submissão brasileira ao imperialismo

A criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) na década de 1940 expressa a relação de submissão da mineradora aos interesses imperialistas desde o início de sua história. Foi por meio dos Acordos de Washington, programa de cooperação militar e econômica entre Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, que se viabilizou a organização das bases produtivas da indústria de extração e beneficiamento de minerais metálicos no Brasil (Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional). O Acordo de Washington garantiu na época não somente parte importante dos anseios beligerantes dos países imperialistas como também os interesses das oligarquias financeiras internacionais, tais como, o Eximbank que assegurou participações na administração da Companhia e o estabelecimento de uma política privilegiada de contratos comerciais e de concessão perversa de empréstimos financeiros.

Desde então a relação com o capital financeiro aprofundou-se na mesma medida em que se intensificou o saque irrestrito dos recursos minerais. A privatização da Companhia Vale do Rio Doce (1997), durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi um salto importante nesse processo de acumulação por espoliação e de consolidação de um modelo predatório de exploração mineral voltado para exportação e para os interesses imperialistas. Bens públicos foram entregues a baixo custo e novos agentes do capital financeiro nacional e internacional passaram a ter o controle da mineradora. 

A ofensiva neoliberal “resposta política, militar e econômica do capital à queda da taxa de lucro que vinha baixando desde finais dos anos 1960, uma vez esgotado o caráter excepcional do boom do pós-guerra” representou a reificação da natureza, a regressão dos estatutos de proteção do trabalho e a privatização de bens públicos. Sustentado em um discurso falacioso de incapacidade de gestão do Estado e da necessidade de modernização e geração de recursos para pagamento da dívida pública, o principal mecanismo de saque das rendas nacionais, o controle da CVRD passou em um primeiro momento para a CSN Steel, NationsBank, Banco Opportunity, fundos de investimentos do Sweet River Investment e da Elétron S/A, fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal), Petros (Petrobras) e Funcesp (Companhia Energética de São Paulo) associados na Litel Participações S/A. 

Por meio dos fundos de pensão das empresas estatais, das ações do tipo golden share e do BNDES (BNDESPAR) o Estado manteve uma localização importante na composição acionária da Vale. Isso somado as políticas de governo pró imperialistas favoreceu os lucros do capital financeiro, a concentração monopolista, a crescente penetração de capital internacional ao mesmo tempo que o capital nativo manteve posições importantes no comando da mineradora e a transferência de renda ao capital financeiro internacional  diante do peso das commodities do setor mineral no superávit primário e, a consequente utilização desse recurso financeiro para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

O crescimento significativo da demanda internacional por minerais metálicos e a elevação do preço internacional das commodities no início do século XXI intensificaram a exploração dos recursos minerais. A farsa do neodesenvolvimentismo, uma continuidade da ofensiva neoliberal escorada em políticas compensatórias durante os governos reformistas e conciliadores do Partido dos Trabalhadores (PT), favoreceu em escalas até então desconhecidas a expansão do setor primário exportador. Aprofundou-se a subordinação estrutural ao imperialismo pela via da reprimarização da economia nacional. Além de garantir o pagamento fiel da dívida pública, principal mecanismo de saque das rendas nacionais. Foi durante os governos do PT (2003-2016) que mais se expandiu o setor mineral (ver tabela e mapa abaixo). A Vale, principal empresa na exploração de minerais metálicos no Brasil e uma das principais do mundo junto com a as anglo-australianas BHP Billiton, Rio Tinto e Fortescue Metals Group, foi a grande beneficiada dessa expansão. 

O impacto do golpe institucional

Com o golpe institucional (2016) e o aprofundamento da crise orgânica no Brasil os diretores da Vale anunciaram a “true corporation”. Um novo salto para o avanço do modelo predatório de exploração mineral e da submissão aos interesses imperialistas. Trata-se de uma reestruturação societária que implicará na redução da influência do Estado nos processos deliberativos da empresa e na difusão do controle acionário. Aumentando a participação do capital internacional na composição acionária e nas instâncias deliberativas da mineradora.

Esse processo será realizado em três etapas. Iniciou-se em 2017 com o vencimento do antigo acordo de acionistas e se findará em 2020. Na primeira etapa houve a conversão voluntária de ações preferenciais em ações ordinárias. Na segunda etapa, a fim de ampliar o acesso ao mercado de capitais, será alterado o Estatuto Social da Companhia de acordo com as regras do segmento de Novo Mercado da BM&F Bovespa. Na terceira etapa ocorrerá a incorporação da Valepar pela Vale S/A. A mineradora “se tornará uma Companhia sem acionista controlador definido (“true corporation”), o que confere maiores poderes e independência à administração da Companhia”. Em conferência com investidores nacionais e, principalmente, internacionais o presidente da Vale S/A na época, Murilo Ferreira, afirmou que se tratava de “uma oportunidade histórica para a Vale, um marco, assim como foi a privatização há 20 anos”. 

A primeira etapa da reestruturação societária da Vale ocorreu no marco do governo golpista de Michel Temer (MDB). Seu Programa de Revitalização da Indústria Mineral traçou como meta garantir a expansão da participação do setor de 4% para 6% no valor total do PIB nacional até o final de 2018. Para tanto foram flexibilizadas as leis que regulam o setor mineral (alteração do cálculo de cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais e proposta – em tramitação – do novo Código de Mineração), criou uma nova agência reguladora (Agência Nacional de Mineração em detrimento do Departamento Nacional de Produção Mineral) e garantiu a inclusão de representantes do capital monopolista, principalmente da Vale S/A, nos órgãos formuladores de políticas públicas que remetem a pauta mineral. 

O governo federal também propôs a alteração da legislação de reconhecimento/demarcação das terras indígenas (no Brasil, somente a Vale, possui 229 processos minerários em terras indígenas), a medida provisória da “grilagem”, a suspensão das titulações de territórios quilombolas, as propostas de afrouxamento do processo de licenciamento ambiental, a redução das unidades de conservação ambiental, a alteração da legislação de exploração mineral em faixa de fronteira e a disponibilização de reservas minerais do Estado para a iniciativa privada. Ou seja, os golpistas promoveram um conjunto de ações que beneficiam diretamente as mineradoras em detrimento do desenvolvimento pleno e da autodeterminação dos povos originários, comunidades quilombolas, juventude e trabalhadores do campo e da cidade que vivem, principalmente, nos municípios que são diretamente atingidos pelos empreendimentos das empresas do setor mineral.

O modelo predatório de exploração mineral encontra espaço cativo no governo do novo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Defensor incansável das privatizações e do empresariado, best friend foverer (bff) da bancada da lama, representante fiel e orgulhoso do imperialismo, Bolsonaro, não irá poupar esforços para entregar nossos recursos minerais aos capitalistas. Vale lembrar suas fatídicas exposições em que, por exemplo, afirmou a necessidade de flexibilização da legislação ambiental. Ademais da própria proposta inicial de fusão do Ministério do Meio Ambiente com o Ministério da Agricultura. Expressão concreta de seu projeto de devastação ambiental a fim de garantir o avanço das fronteiras do agronegócio e do setor mineral. 

Bolsonaro e Romeu Zema (Novo), governador do principal estado na produção mineral nacional, estão alinhados até a medula aos interesses imperialistas e não há dúvidas que irão governar para garantir a expansão da apropriação capitalista do subsolo. Entretanto, cabe lembrar que não é de hoje que os parlamentares do estado de Minas Gerais andam de mãos dadas com os empresários da mineração. Em 2014, último ano em que empresas privadas puderam doar legalmente recursos financeiros para a realização de campanhas políticas, as mineradoras injetaram centenas de milhares de reais na campanha de 102 deputados federais e estaduais eleitos pelo estado de Minas Gerais para a Câmara Federal e para a Assembleia Legislativa estadual.  Ademais da própria ementa sancionada pelo então governador Fernando Pimentel (PT) em 2016 que flexibilizou o licenciamento ambiental em Minas Gerais. Um presente as mineradoras uma vez que boa parte dos licenciamentos de obras compete ao estado. 

A fome capitalista de ferro que matou dezenas na tragédia de Mariana (MG), que arruinou o Rio Doce e segue impune, agora mata e desaparece com centenas de trabalhadores na região de Brumadinho (MG). A Vale e os governos são os responsáveis por essa tragédia. A mineradora e o estado sabiam das irregularidades e do perigo de rompimento da bacia de rejeitos. Tanto a bacia de rejeitos de Mariana quanto a de Brumadinho foram licenciadas como barragens menores, mas alteradas ao longo dos anos de forma consciente e sem nenhuma reestruturação. Em Brumadinho, por exemplo, a barragem possuía 18 metros de altura. Quando desabou já havia atingido 85 metros. Desde 2002, há um histórico de rompimento de barragens a cada dois anos no estado de Minas Gerais. 

A tragédia de Brumadinho é o maior assassinato de trabalhadores em um único episódio na história do nosso país. Uma tragédia anunciada que além de levar a óbito centenas de trabalhadores provocou um desastre ambiental ainda de dimensão imensurável. Esse é o saldo da privatização da Vale e do modelo predatório de exploração mineral: mortes e destruição por todos os lados. Nossas vidas valem mais do que o lucro dos capitalistas. Pela re-estatização da Vale sob gestão dos trabalhadores e controle popular. 

Segue abaixo o link da declaração do Movimento Revolucionário de Trabalhadores – MRT – diante da tragédia de Brumadinho (MG). 

http://www.esquerdadiario.com.br/Pela-re-estatizacao-da-Vale-sob-gestao-dos-trabalhadores-e-controle-popular-para-enfrentar-a-27471

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