Emergêncya: um fósforo no escuro e o difícil ofício da Cia. Antropofágica

0

Fotos: Alan Siqueira

Por Fernando Pardal

Help me if you can, I’m feeling down

And I do appreciate you being ‘round

Help me get my feet back on the ground

Won’t you please, please help me?

– Beatles, “Help”

A Cia. Antropofágica encerrou nessa sexta-feira, 21, a temporada de sua última peça, “Emergêncya”, que é parte de seu projeto “D.E.T.O.X.” que se propõe estudar o tema da “modernidade tóxica”.

“Emergêncya” expressa o mais audaz e certeiro passo dado pela Antropofágica em um caminho que vêm trilhando a alguns anos, e que identifico como uma “trilogia branca”, cujo início situo na criação da peça “Desterrados: Ur Ex Des Machine”; que se prolonga na produção que foi resultado do processo da “Tram(a)ntropofágica” – uma revisão crítica do grupo de todas as suas peças ao longo de quinze anos com o resultado cênico de “Opus XV” – e cujo ápice se revela em “Emergência”, uma peça de terror e comédia.

Um mérito fundamental da Antropofágica, e que é o cerne do que podemos esperar dos artistas que se propõem a colocar na sua obra a ferida viva de seu tempo – que outro papel mais premente poderíamos esperar da arte? – é o de não se conformar em repetir as velhas fórmulas. A antropofagia, como espírito iconoclasta que deglute todas as referências para as transmutar em nova expressão, uma expressão própria desse grupo em seu tempo histórico e em sua subjetividade, a cada peça se revela como o nervo e a veia pulsante do grupo. Em suas próprias palavras, “Nossa intenção é a todos copiar para não copiar ninguém. Principalmente não copiarmos a nós mesmos”.

E os artistas e suas obras são, como não poderiam deixar de ser, produto de seu tempo. A Antropofágica nunca teve medo de se assumir da forma mais altissonante e pública sua identidade como um grupo de esquerda, um grupo cujo cerne subjetivo e ponto nodal das tão distintas personalidades que ali se encontram é o do amor à revolução e do desprezo escancarado pela miséria social do capitalismo.

Se é essa a base sólida como granito por cima da qual pisa o grupo, eles parecem procurar cada vez mais utilizar esse pedestal para se jogar em viagens mais longínquas e alçar voos mais vertiginosos. Nas mil referências artísticas a serem deglutidas pelo seu bucho ruminante, encontramos gigantes de cujas asas procuram arrancar penas para fazer as suas próprias. Quem tenha acompanhado sua trajetória sabe que Oswald de Andrade, Maiakóvski, Brecht, e Tadeusz Kantor são alguns dos nomes mais recorrentes desse panteão de Pyndorama, mas que ali não se dispensa nenhuma possibilidade de esmagar e regurgitar o lixo da indústria cultural que nos cobre a cada dia. Disney, Xuxa, Jaspion, Chaves, Veja, Beatles, entre tantos ícones da cultura popular e de massas, estão ali, como sólidos alicerces do edifício de sua obra.

Essa digressão sobre a forma particular e audaz com a qual a Antropofágica trabalha é importante, para mim pelo menos, para me dispor a caminhar com eles esses passos que muitas vezes tem diante de si um solo pouco seguro, mas que justamente por isso precisam de artistas como estes para trilhar. Na abertura de “Desterrados…”, essa postura é explicitada de forma honesta ao público, ao deixar visível que ali está um grupo que tateia, baseado em certezas firmes, mas que está o tempo todo criticando implacavelmente tudo, inclusive a si mesmo, estabelecendo uma “relação conflituosa com sua própria obra”, como dizia o texto lido em cena pelo diretor (ou algo próximo disso, já que não posso garantir a precisão das palavras ouvidas a tempos).

Com sua Trylogia “Terror e miséria no novo mundo” , as três peças que antecederam o que chamo aqui de “trilogia branca”, a Antropofágica mostrava com “a cavalaria do sarcasmo”, arma preferida de nosso camarada Maiakóvski, a brutalidade sem limites que percorre a história do Brasil, de suas origens à nova república. Era uma peça de combate, de coragem e de certezas. O épico, o agitprop, Brecht e Maiakóvski eram algumas das suas maiores fontes. Era uma “trilogia vermelha”.

Representativamente, a primeira peça dessa nova trilogia (nunca anunciada como tal), estreou junto a uma exposição no Sesc sobre Tadeusz Kantor, outra das influências decisivas do grupo. O diretor polonês é devorado e ruminado em cada obra da Companhia, e a marca de Kantor no grupo é indelével. Pensando nessas duas fontes fundamentais da ruminação antropofágica, é difícil não pensar que podemos traçar um eixo que vai da “trilogia vermelha” à “trilogia branca”, o qual  segue de uma maior influência de Brecht à maior influência de Kantor.

Isso não é à toa, pois a poética cênica de cada um é uma forma que o grupo retrabalha incessantemente para melhor expressar as suas necessidades artísticas a cada momento histórico e subjetivo.

A “trilogia branca”, como parecia dizer a carta ao público que a abria em “Desterrados…”, é um momento de menos certezas e mais questionamentos. Em “Opus XV”, a segunda peça nesse caminho – que infelizmente devo confessar lembrar pouco por só ter tido a oportunidade de assistir uma apresentação – a cena mais explicitamente política também aponta um pouco nesse caminho, ao colocar os atores relatando como era sua experiência subjetiva e individual com a trajetória do PT (que no momento da peça estava no auge de sua crise pós-golpe institucional). Em “Emergêncya”, essa dúvida é escancarada, quando se lê ao público uma frase de Paul Valéry, de 1928, afirmando que o que a última guerra havia destruído era a possibilidade de prever. E, pouco antes, se diz que o comportamento de indivíduos e grupos humanos continua a ser imprevisível, ao contrário da passagem do cometa Halley ou da movimentação dos astros.

A incerteza, os questionamentos, não são fruto de especulações de laboratório, mas do momento político duro, que, já em 2015 – quando “Desterrados…” surge – mostrava suas caras. A incerteza é uma incerteza histórica, profundamente associada à desagregação política e estratégica do nosso exército, o da classe trabalhadora. Isso é fundamental: o eixo de Brecht a Kantor tem a ver com mais angústias, mais questionamentos e menos certezas, menos agitação política; mas, contudo, isso não quer dizer que a Antropofágica, nem por um momento, abandonou o que é sua conquista histórica, a herança do teatro épico da qual sabem não poder abrir mão sob pena de se deixar levar pelos ventos da pós-modernidade: essa conquista é a perspectiva coletiva, histórica, social.

Muitos poderão criticar que uma companhia de inspiração comunista e revolucionária como a Antropofágica coloque em cena o medo, a angústia, a derrota, a desilusão. A crítica me parece equivocada sob muitos pontos de vista, mas, se pudesse destacar um dos que vejo como mais nocivos, seria a visão prescritiva e dogmática de uma arte revolucionária como necessariamente aquela que se conjuga imediatamente com algum tipo de perspectiva militante, se filia a alguma orientação política de saída para o impasse político ou algo assim. Eu diria a tais críticos que procurassem se fiar mais no espírito que apresenta o bom e velho manifesto da FIARI, escrito por Trótski e Breton em 1938, cuja bandeira era “toda licença em arte”, e que chamava a atenção profundamente sobre o fato de que “(…) o artista só pode servir à luta emancipadora quanto está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior”. E qual é o conteúdo social hoje dessa luta?

Sim, é possível hoje fazer um teatro “agitativo” que fale sobre se organizar para lutar. E é possível que seja bom, inclusive, se atrelando às fortalezas de nossa classe em meio ao caos, ou mesmo à perspectiva estratégica, teórica e histórica que nos dá o marxismo, um gigante sobre cujos ombros podemos subir para olhar além do horizonte. Mas seria infame “acusar” a Antropofágica, ou outros artistas que têm produzido obras primorosas sobre aspectos da decadência do capitalismo, como é o caso do “Mau Lugar”, do Coletivo de Galochas, ou do “Show do Pimpão”, da Brava Cia., de estarem fazendo peças “pessimistas” ou “derrotistas” e assim jogarem água no moinho de nossos opressores e exploradores.

A própria Antropofágica – certamente já vislumbrando esse “fogo amigo” – desarmou habilmente seus críticos, ridicularizando-os com sua cavalaria do sarcasmo, sempre de prontidão, em uma cena que coloca três críticos em cena, com “críticas imponderáveis”, em que, cada um com seu argumento tirado da “gaveta acadêmica”, chega à conclusão de que a peça é “uma bosta”. Espero, aliás, poder me manter afastado do lamentável papel de tais críticos. Mas a crítica, como a cena, sempre implica o risco, quando é fiel a si mesma. Como a Antropofágica demonstra sua coragem de se expor em cena, devemos saber que o caminho da polêmica e do debate é o único capaz de dar algum horizonte de futuro à nossa angústia.

A Antropofágica é fiel a si mesma e ao seu espaço e tempo. Em “Desterrados…”, levava sua angústia às ruas ao entrevistar pessoas sobre aspectos simbólicos menores, mas que expressavam a subjetividade de um tempo, como o que representavam as cores vermelha, branca, verde e amarela para as pessoas.

Em “Emergêncya”, remetem, em primeiro lugar, a seu companheiro de armas, Bertolt Brecht, em seu momento de retratar a derrota, e retomam uma agoniante cena de “Terror e miséria no Terceiro Reich”, em que um casal vê-se enredado numa realista paranoia de ser denunciado à juventude hitlerista por seu próprio filho. Ao final da cena, escuro, e tateando no escuro entra o diretor, e acende uma lanterna. A juventude hitlerista responde que também tem uma lanterna, mas que ela é maior.

A cena ressoa à primeira cena de “Opus XV”, quando, após colocarem em cena um trecho de “Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, com Abelardo explicando como funcionam os negócios dos usurários capitalistas, vemos a persistência desesperada de lutar contra o escuro acendendo uma vela. E a mensagem da escritora que nos diz “Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto”.

Os fósforos sendo riscados repetidas vezes no escuro, dizendo que o posto não será abandonado, são a melhor metáfora para o sentido mais profundo que percorre as peças dessa “trilogia branca”. Ao público, a Antropofágica explica muito bem esse sentido, dizendo-lhe: “As peças da Antropofágica são um jogo com: a História da Arte e a História da Humanidade sob a perspectiva da subjetividade de um conjunto de indivíduos, que lutam nestes metros de tablado para defender sua existência diante de fatos tão grandes e maiores que nós;”.

Em “Emergêncya” essa etapa do jogo, a do questionamento e das incertezas, chega ao auge da angústia e de um retrato da impotência frente aos “fatos tão grandes e maiores que nós”. O teatro apresentado é a sublimação dessa angústia, que, tomando a cena com a perspectiva da subjetividade desses sujeitos diante de um caminho de duros golpes, consegue garantir não apenas sua própria existência, mas, certamente, contribuir para que seu público consiga, compartilhando desse ato de emergência, garantir também a sua própria.

Tomando as palavras dos Beatles, a Antropofágica dirige, desde o início da peça o apelo de “socorro” aos que a assistem. E desfila diante de nossos olhos cenas que, deixando de lado a assertividade das palavras – talvez mais adequadas aos momentos de certeza – cria imagens alegóricas e belíssimas para mostrar essa subjetividade em conflito com uma história que em alguns momentos desoladores parece seguir um rumo que aumenta cada vez mais as trevas ao redor dos frágeis fósforos riscados em um pequeno teatro nos fundos de um imóvel comercial em São Paulo, periferia do capitalismo.

O pesadelo que nos acorda, que nos tira a cada dia de nosso sono para nos colocar diante dessa impotência é mostrado com uma sinfonia de despertares angustiados. Isolados, cada um em sua cama, cada um em sua vida, em seu pequeno desespero particular. Em um deles, a resposta de procurar num outro a saída para o seu pesadelo privado, e o acordar novamente para esse desespero, a mudança de parceiro, o repetir eterno de uma “solidão acompanhada”.

Outra cena nos mostra a impotência de uma luta coletiva quando esta se baseia apenas no desespero, no voluntarismo, no ódio. Batendo repetidas vezes com a cara na parede, as personagens tentam transcender algo. É um retrato eloquente de décadas de uma esquerda que foi tão incapaz de entender os caminhos a seguir, reféns de uma falta de estratégia que parecia jogar os explorados e oprimidos uma e outra vez contra o muro do capitalismo que os esmaga.

O autonomismo, uma versão pós-moderna, espontaneísta e, no limite, individualista de luta contra o capitalismo que não pode fazer mais do que desmoralizar e levar ao isolamento e à derrota, é uma das “enfermidades fundamentais” de nossa época, como alude a projeção. Cada um em sua cama, despertando para o pesadelo de uma vida esmagadora, e procurando resistir sem aprender com a própria história, com as lições da luta de classes, vemos uma época em que a revolta é canalizada em consumo, desespero e impotência de um ódio cego e incapaz de se organizar em torno de uma estratégia para vencer.

A peça de Kantor “Umarla klasa” (classe morta), com seus alunos mortos, é costantemente retomada e ruminada pela antropofágica, e dessa vez voltou para servir como instrumento ao grito de emergência também. Uma das alunas se levanta para dizer as palavras de Rosseau em seu “Discurso da desigualdade” (um representante da burguesia em sua fase heroica e revolucionária): “O primeiro homem que cercou um pedaço de terra e disse ‘isto é meu’, e encontrou pessoas ingênuas o bastante para acreditar nele foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.  Quantos crimes, guerras e assassinatos […] teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas e cobrindo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Não escutem esse impostor! Estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e a terra é de ninguém”.

Nesse momento, a aluna rebelde é dopada com uma seringa, e jogada desacordada em seu lugar. A burguesia já não pode tolerar sequer ouvir as palavras dos fundadores do Iluminismo, de seus melhores representantes que, sobre a base de uma razão esclarecida, procuravam combater o obscurantismo religioso e feudal. A voz da revolta que já existiu na garganta dessa longínqua classe revolucionária, hoje transmutada em opressora implacável, deve ser calada e recalcada. A neurose da burguesia chama ao auxílio das “forças produtivas” da imoral indústria farmacêutica para adormecer seus próprios fantasmas, que hoje ecoam, mesmo que de forma latente, na voz daqueles que explora e oprime em nome de seus obscenos lucros.

A seringa volta a ser aplicada sobre países inteiros, países relegados à miséria e a barbárie capitalista. Índia, Venezuela, Mongólia. A medicalização da vida, a domesticação dos sentimentos de pavor, tristeza, pânico, solidão, angústia e revolta. A multimilionária indústria psicofarmacêutica que possui a “resposta” pronta para os bilhões que sofrem. A Antropofágica vai no nervo, pegando, como fez também o Coletivo de Galochas em seu “Mau Lugar”, um dos nós do mal estar da civilização contemporânea, com sua enxurrada de remédios que é incapaz de conter a maior epidemia de suicídios já vista na história da humanidade. Um dos sintomas mais alarmantes de um capitalismo decadente, de um mundo em que a juventude – a parcela da população que mais se suicida – não vê perspectiva alguma. A juventude que morre em massa é o retorno do recalcado da voz desesperada que clama por liberdade e que as toneladas de medicamentos antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos procuram abafar.

Outros fantasmas do capitalismo, mais velhos, mas nem por isso menos monstruosos, tomam a cena, como a guerra, com suas mortes, sua barbárie, suas migrações em massa forçadas. Um velho, já secular, rosto de uma sociedade decadente. Metralhadoras, marchas, tomam o palco da Antropofágica.

O sarcasmo é também usado para falar de outro fenômeno doentio que faz as vezes de um “verniz de felicidade” recobrindo o esgoto de uma subjetividade arrasada. Num sofá, os atores fazem as poses para as redes sociais, os rostos públicos que são vestidos para recalcar na solidão individual a angústia. Botando seus “emojis” sobre os rostos, os atores apresentam as emoções padronizadas nas quais podemos nos encaixar naquilo que virou nosso principal meio de interação social, o Whatsapp. A modernidade tóxica das redes sociais e seu constante imperativo da imagem, da felicidade e da beleza é uma das mais esmagadoras e onipresentes, e não podia ficar de fora desse pesadelo em cena.

Em um jogo de imagens com uma câmera e uma projeção que se reproduz infinitamente, se apresenta a cena onde é representada a tentativa de escapar a toda essa escuridão. A personagem, nua, interage com a própria imagem projetada, tentando alcançar a si mesmo, correndo, oferecendo a mão. Parece que a única possibilidade de tentar fugir é para dentro de si, procurando a si mesmo, mas sem jamais alcançar. Buscando uma imagem nossa que escapa, de costas. Em outro momento, numa dança com uma grade, que poderia ser as tantas formas cotidianas de nossa escravidão, as personagens tentam arrancá-la. Se tocam, se beijam.

Enquanto isso, no primeiro plano, surge a Noiva da Revolução, antiga personagem das peças da Antropofágica, que simboliza o ideal revolucionário. Em meio a todo um mar de branco que caracteriza cenários, figurinos e adereços da peça, ela surge como o único elemento vermelho, como o fósforo que não se deixa apagar e insiste em ser riscado, uma e outra vez, em meio às trevas. Ela pede por sua ressureição, por um mundo onde o amor não seja mais escravo de casamentos, salários, das prisões. As palavras da noiva são quase as únicas que surgem em meio ao pesadelo de Emergêncya.

Na trilha sonora da peça, além de “Help”, figuram músicas próprias do grupo com uma sonoridade eletrônica que constrói um clima denso. Mas, retornando aqui e ali, sob diversas formas é apresentada a valsa número 2 de Shostakovich, compositor soviético que sofreu por diversos episódios de perseguição por parte do regime stalinista. Também a referência à revolução é evocada no final, com o samba de Noel Rosa : “Quanto eu morrer, não quero choro nem vela, quero uma fita amarela gravada com o nome dela”. E, no samba de Alcione, “Morte de um poeta”, mais uma vez a ideia de esperança, ao lado da tristeza: “Silêncio/ Morreu um poeta no morro/ Num velho barraco sem forro (…) Maz dizem poeta que morre é semente/ De samba que vem de repente/ E nasce se a gente cantar.”

A determinação da Antropofágica, contudo, ao expressar a angústia e as enfermidades de nosso tempo, não é incitar a impotência, o recuo, manter-se no escuro. Com Maiakóvski, e seu pulsante verso feito para o amigo e poeta Sergei Iessiênin após seu suicídio, nos apegamos à certeza da vida e da luta: “nessa vida, morrer não é difícil. Difícil é a vida e seu ofício”. O ofício da Antropofágica é cantar o seu tempo, lutar pela sobrevivência subjetiva no espaço desses metros de tablado, sem jamais deixar de lutar contra os fatos tão grandes e maiores que nós. Em seu Kabaré Antropofágico que encerrou a temporada, fechando essa “trilogia branca” de tantos fósforos riscados no escuro, cantou-se a Internacional. É assim, disseram, que pretendem seguir no ano que vem e no resto da vida. E seguiremos juntos.

About author

No comments