Entrevista: Maria Silvia Betti fala sobre a publicação de “Rasga Coração” e as peças de Oduvaldo Vianna Filho

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Entrevistamos a Prof. Dra. Maria Silvia Betti, professora Livre Docente do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ela é autora de “Oduvaldo Vianna Filho” (Edusp/Fapesp, 1997) e “Dramaturgia Comparada Estados Unidos/Brasil. Três Estudos” (Cia. Fagulha, 2017). Atualmente, é organizadora da publicação das peças de Oduvaldo Vianna Filho pela editora Temporal, cujo primeiro volume é “Rasga Coração”, com prefácio e posfácio de autoria dela.

Ideias de Esquerda: Qual a importância de Oduvaldo Vianna Filho para a dramaturgia? Por que editar as obras de Oduvaldo Vianna Filho?

Maria Silvia Betti – O trabalho de Oduvaldo Vianna Filho é fundamental não só para quem estuda dramaturgia, mas também e principalmente para todos os que se interessam pelo mergulho crítico nos processos históricos do país em sentido amplo, tomados sob a perspectiva das classes trabalhadoras e das lutas políticas da esquerda. Nenhum outro dramaturgo criou um conjunto de trabalhos tão representativo e tão bem realizado ao tratar dessas questões. Nenhum outro foi tão longe no sentido do amadurecimento da reflexão política e dos expedientes estéticos utilizados.

A recém iniciada publicação do conjunto de suas peças vem preencher uma lacuna que há décadas vinha privando gerações de estudantes, leitores e espectadores do contato com a mais coesa e densa obra dramatúrgica do teatro do século XX no Brasil.

 IdE – Por que começar por “Rasga Coração”?

 MSB – “Rasga coração” é uma peça única pelo fato de ter empreendido uma síntese de setenta anos  da vida do país sob o ângulo dos impasses da esquerda. A transversalidade histórica das questões políticas representadas ao longo desse período é abordada por mecanismos cênicos de contraposição, o que  ressalta  o caráter dialético da estrutura e o foco colocado sobre os processos históricos.

Nenhuma outra peça brasileira, nem do período em que Vianna a escreveu e nem dos posteriores, enfrentou tantos desafios estéticos e políticos em sua escritura quanto “Rasga coração”, já que só seria possível chegar ao âmago dos problemas tratados por meio de recursos formais que permitissem ir além dos conflitos intrafamiliares e interpessoais, e que colocassem  em foco a tessitura histórica e a experiência política extraída das experiências e ações coletivas.

Por todos esses motivos, “Rasga Coração” constitui uma instigante e  indiscutivelmente significativa porta de entrada no trabalho dramatúrgico de Vianna.

 IdE – Quais as próximas peças a serem editadas e qual o sentido dessa ordem?

 MSB – No volume lançado pela Editora Temporal são anunciados os seguintes títulos: Papa Highirte, A longa noite de cristal, Moço em estado de sítio, Mão na luva, Corpo a corpo, Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, Nossa vida em família e Allegro Desbum.

Foram priorizadas peças que nunca haviam sido publicadas ou que se encontravam fora do catálogo de editoras.

A sequência foi organizada com base na afinidade observada, seja quanto aos temas, seja quanto ao período de elaboração.

IdE – Existe um apagamento da dramaturgia de Oduvaldo Vianna. Filho ou da memória do trabalho dele?

MSB – Existe um declínio das formas de pesquisa e de estudo voltadas para a dramaturgia, e Vianna foi acima de tudo um dramaturgo. No campo das artes cênicas e das escolas de formação de atores prevalescem as práticas performativas e pós dramáticas, e a dramaturgia é vista como “textocêntrica”. No campo do movimento de teatro de esquerda, predomina o interesse pelo agit prop e pelas formas documentais. Dentro desse contexto, trabalhos como “Rasga Coração” tendem a ficar fora do foco de interesse tanto de um setor como do outro.

Há, ainda, outro fator que interfere negativamente: a perda de referências históricas e a ausência de um repertório de leitura e de contato formativo por parte de estudantes e de espectadores em geral. Trabalhos como os do Vianna acabam demandando mais de seus interlocutores do que eles estão preparados para oferecer.

IdE- Caberia, então, falarmos em um desinteresse pelo trabalho do Vianna?

MSB – Não. Ele é pouco conhecido. O trabalho dele é pouco conhecido. E quando peças dele chegam a ser encenadas, as montagens tendem a acontecer fora do ámbito de atuação dos dois setores mencionados. É possível que alunos ingressantes em cursos de formação de atores nunca tenham lido ou visto nada relacionado ai trabalho do Vianna. Logo, não se pode falar em desinteresse, já que nunca tiveram como conhecer o trabalho dele.

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