“Na verdade é uma transição que não acabou nunca” – entrevista completa com Angela Mendes de Almeida

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imagem por Juan Chirioca

Entrevista com Angela Mendes de Almeida, por Bruno Gilga, para o Ideias de Esquerda

Ideias de Esquerda: Nós estamos aqui hoje, para o Ideias de Esquerda, com Angela Mendes de Almeida. Ela é historiadora, fundadora do Observatório de Violências Policiais, que foi integrado ao Centro de Estudos de História da América Latina da PUC-SP. Foi militante do Partido Operário Comunista (POC), de orientação trotskista, foi presa duas vezes em 1968 pela ditadura militar, participando das mobilizações estudantis na Maria Antônia e no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, e era companheira de Luiz Eduardo Merlino quando ele foi preso, torturado e assassinado em 1971 pela ditadura militar no DOI-CODI sob o comando do coronel Brilhante Ustra.

Angela, muito obrigado por nos receber hoje, é um prazer muito grande. É muito importante para nós poder estar conversando, nesse momento que o país está atravessando, sobre o que foi a ditadura militar e a repressão, em particular a transição da ditadura civil-empresarial-militar para o regime definido pela Constituição de 1988, o caráter dessa transição e como nosso país tratou esse período no processo da chamada redemocratização, porque é uma experiência que certamente hoje precisa ser reexaminada e rediscutida para que a gente possa ter uma compreensão profunda sobre o momento que a gente está vivendo hoje.

Angela Mendes de Almeida: Eu que agradeço vocês, tenho muito prazer em responder essas questões e nós discutirmos e eu falar da minha experiência.

IdE:: Muito obrigado. Eu queria começar perguntando, justamente, se frente a esse momento atual, que cobra muito a importância dessa discussão sobre o caráter da transição da ditadura civil-empresarial-militar para o regime definido pela Constituição de 1988, que foi marcada pela impunidade dos torturadores, pela permanência das Forças Armadas como garantidoras da ordem, segundo a Constituição, e pela preservação do aparelho repressivo do Estado,as polícias militares estaduais, como você vê o caráter da transição?

AMA: Na verdade é uma transição que não acabou nunca. O aspecto mais importante dessa falta de conclusão nessa transição, ao meu ver, se refere – e eu acho que isso tem uma repercussão clara hoje – ao fato de que os crimes da ditadura, os crimes de lesa-humanidade da ditadura, foram enfiados para debaixo do tapete. Isso aconteceu exatamente a partir da Lei de Anistia aprovada em 1979, que até foi sentida pela esquerda tanto pela esquerda que estava fora, os exilados, quanto pela esquerda que estava aqui foi sentida como uma coisa positiva, porque para os exilados permitia que voltassem e para os daqui era um reconhecimento daqueles que estavam fora. Para o governo, essa anistia, e isso só começou a ser falado mais tarde, bem mais recentemente, o fato de que a aprovação da anistia continha a anistia dos agentes das ditaduras, que cometeram esses crimes de lesa-humanidade. Então, do ponto de vista do governo militar, e depois os governos que se seguiram que tinham quaisquer tipos de ligações de continuidade – o Sarney tinha, o Tancredo menos, porque foi mais opositor mas era um continuador, o Collor nem se fale – representou uma continuidade que passou assim como: “Bom, fecha-se um ciclo, tudo bem, começamos tudo de novo”, sem dar importância ao que tinha acontecido, quer dizer, empurrando, literalmente, o passado para debaixo do tapete. Agora, eu acho que a gente precisa ter claro – eu tenho claro – que isso não foi só uma ação do governo, isso foi uma ação também da esquerda, porque a esquerda que surgiu com o PT, os militantes de antes da ditadura que continuaram a militar, sobretudo, os que continuaram a militar partidariamente, simplesmente entraram no PT: “Taí um partido maravilhoso, o Partidos dos Trabalhadores, etc.” e acabou tudo.

Na verdade, é um número muito pequeno de pessoas e, entre essas pessoas, eu citaria os membros da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Inclusive, eu não estava militando ainda nesse comitê, mas foi esse comitê que nunca deixou cair a necessidade de falar dos mortos e dos desaparecidos. Afinal de contas, tem uma quantidade enorme entre esses mortos, que é maior até, que são os desaparecidos. Mas, ao não falar dos mortos, também não se falava de tortura e, ao não se falar nem dos mortos nem da tortura, também não se falava da segurança pública. (Eu estou aqui repetindo um pouco os argumentos que eu coloquei recentemente num artigo no que se refere à crítica à esquerda). A gente vai ver que quando é eleito o Lula pela primeira vez há uma relativa ruptura, e pode se dizer que a esquerda subiu ao poder; só que exatamente porque tinha passado todo aquele período sem que as questões, até mais ou menos essa época, as questões estavam literalmente debaixo do tapete. Pode ser que eu esteja cometendo alguma injustiça, mas talvez a Luiza Erundina seja a única política do PT que nunca deixou essa questão morrer, e quando foi prefeita fez muitas coisas nesse sentido. Sim, os grupos Tortura Nunca Mais também fizeram, tanto do Rio, aqui de São Paulo, na Bahia, mas era uma minoria.

A esquerda que tomou o poder não queria ouvir falar nem de mortos nem de desaparecidos nem tortura, por isso também não queria ouvir falar de segurança pública.

A segurança pública ficou, nos governos do PT, entregue aos estados; quer dizer, do ponto de vista ideológico, o que acontecia, porque nós sabemos – e isso vem cada vez sendo mais incrementado, cada vez piorando – que eram as comunidades pobres, as favelas, as periferias, os pobres, os negros, que eram vítimas daquele mesmo tratamento do qual a esquerda foi vítima. Não é que não existissem ainda, digamos assim, a perseguição e a tortura, por exemplo, de pessoas das camadas pobres que cometessem delitos. O tratamento é o mesmo, mas não de uma maneira persecutória e massiva como foi sendo feito depois da abertura, ou seja, a ideia de que a tortura – a ideia e eu digo o sentimento – eu acho que é uma questão de sentimento, de sentir, que a tortura é um crime de lesa-humanidade; sobretudo, que a tortura é um crime que, quando é aceito pela sociedade, traz para essa sociedade uma espécie de bestialidade, de banalização da tortura. E o que nós estamos vendo agora com as eleições dos bolsonaristas? Porque não foram são só os bolsonaristas que banalizaram a tortura. A banalização da tortura, e a banalização do que acontece com essa parte da população que não são os trabalhadores, são os pobres, os pobres negros, não são os trabalhadores sindicalizados, não é a classe trabalhadora que está sendo vítima disso; quer dizer, os favelados também são trabalhadores, mas eles estão sendo vítimas enquanto favelados e não enquanto trabalhadores.

Então, esse desprezo pelo sofrimento de uma parte importante da população, que durante todos esses anos foi vítima de uma maneira cada vez mais intensa e acelerada desses crimes de lesa-humanidade, é uma coisa que marcou a transição, e marcou o papel da esquerda nessa transição, e está marcando agora a saída desse período de transição que é exatamente a volta, de forma bastante diferente da ditadura, não é repetição da ditadura e, em certa medida, é pior (mas, sobre isso, a gente discorre mais adiante). Toda essa transição foi marcada pelo desconhecimento do papel importante de degeneração da sociedade, que tem a banalização da tortura. É importante falar que a esquerda que surgiu a partir do PT, mas também dos militantes da ditadura em grande parte, fora esses setores que nunca deixaram cair a questão dos mortos e dos desaparecidos e, consequentemente, a questão da tortura, porque esses mortos e desaparecidos morreram torturados; fora esse pequeno núcleo relativamente o resto da esquerda tinha essa total insensibilidade, participou dessa banalização da tortura e transformou essa questão da segurança pública e o que acontece com os pobres, ou seja, digamos assim, essa violência da qual a classe média se queixa. Na verdade o que aconteceu, inclusive, por parte da esquerda, foi a separação da questão da segurança pública como se fosse uma coisa que não tivesse a ver com o resto da política. Nenhuma questão política incorporava as questões da segurança pública. É como, por exemplo… isso talvez não seja uma coisa só características dos brasileiros; em francês, dá-se um nome a esses crimes como faits divers, a tradução seria “diversos fatos”, uma categoria assim de generalização e que está baseado no fim do jornal. Aqui também a página de crimes dos jornais estava no fim e parecia como uma coisa que não tinha nada com a discussão, por exemplo, da conjuntura.

E da parte da esquerda tem uma coisa mais complicada, porque eu vi, eu tenho notícia – isso porque militei também no grupo que era do Tortura Nunca Mais, do qual por uma série de divergências nós saímos – nós discutimos muito isto: tem certos setores da esquerda que justificavam, numa espécie de orgulho que não tem justificativa, uma separação entre os torturados “bandidos” (os pobres, os que são chamados de “bandidos”, porque o delinquente realmente rico não é chamado de bandido; e esses pobres, os tais bandidos dos quais a classe média tem medo); setores da esquerda justificavam uma diferenciação entre os presos políticos e os presos comuns e os torturados do crime comum e os do crime político, sem perceber que não interessa quem é torturado e a causa pela qual foi torturado, o que interessa é esse meio utilizado que é a tortura que degenera toda a sociedade; inclusive, alguns deles justificavam com as teses de Marx sobre o “lupemproletariado” (os livros são A ideologia alemã e O 18 Brumário de Luis Bonaparte) e é um elemento, assim, presente, nessas argumentações: haveria uma diferença de categoria, digamos assim, entre a tortura aplicada num crime comum e, portanto, nos pobres, e a tortura aplicada aos presos políticos, entre os quais pode haver pobres,claro; mas é como se fosse uma diferença de categoria. Eu acho que 2013 – nós estávamos conversando antes, é muito importante, por uma série de coisas que estão ligadas a todas as manifestações que houve – foi também o ano que muitos setores dessa militância que veio da ditadura, de repente, começou a perceber que a tortura tinha continuado, que a tortura nunca tinha parado, e começou a se colocar esse problema. Aqueles setores que não enxergavam, porque o que acontecia nessa esquerda, o que acontece na classe média de uma maneira geral, é que os brasileiros não enxergam a barbaridade que é cometida nas favelas e nas periferias, não enxergam, não enxergam, porque aquilo não faz parte do país. Para mim, eu tenho escrito sobre isso, é uma espécie de nostalgia do sistema escravocrata; é como se eles não fossem parte do Brasil e, olha, que é uma parte considerável dos brasileiros, certo?

Então, para terminar essa questão, digamos assim: como nada do que foi feito contra os militantes de esquerda era levantado, todas as questões correlatas que são até ligadas à própria história do Brasil, à memória histórica do Brasil, foram deixadas de lado. É claro que isso não justifica, por exemplo, a frase do Dias Toffoli,” o golpe militar foi um movimento”, ele sabe que foi um golpe de Estado, ele falou isso para fazer lá uma média com os militares que ele pôs no tribunal, já diz o que ele pretende em relação ao status quo, e em quem a esquerda punha esperanças antes de ele se tornar presidente do Supremo Tribunal Federal. Mas existe toda uma camada de gente que diz: “não nunca ouvi falar de tortura, não existia tortura”. Quer dizer, para as gerações mais novas, isso até é possível. Por que é possível? Porque nada se falava sobre o período. Ao ganhar as eleições o PT, as circunstâncias mudaram, mas mudaram em termos, porque foi uma dificuldade criar essa Comissão Nacional da Verdade, foi uma batalha. Por exemplo, o professor Fábio Comparato, nosso advogado nas ações que nós movemos, ele questionou o STF (em 2011) a propósito da interpretação da Lei da Anistia, porque ele tinha esperança que, eu acho que é isso, analisando juridicamente, o STF diria que não, que a anistia não cabia para os crimes contra a humanidade. Então, o professor Fábio Comparato questionou junto ao STF se a interpretação de que a Lei da Anistia anistiava os crimes de lesa-humanidade. Por exemplo, o papel do Lula foi de pressionar ou se congratular com o relator, que era o Eros Grau, que deu um parecer contra essa interpretação; ou seja: reafirmou que estavam anistiados os crimes da esquerda e os crimes do regime militar. Para criar a Comissão da Verdade, teve que ser feita muita pressão sobre a Dilma, e o Lula fazendo pressão no sentido contrário, e a Comissão da Verdade que saiu durou muito pouco tempo, tinha poucos membros, poucos meios, ela, sobretudo, durou muito pouco tempo, e assim mesmo eles fizeram um trabalho considerável. Mas o fato de que ela tenha sido montada com poucos membros e por um período muito curto e, ainda, havia lá o projeto de selecionar um período extremamente curto (depois foi modificado), significa que a própria esquerda não tinha a noção da necessidade dessa Comissão da Verdade. Eu acho que essa Comissão a Verdade do jeito que ela atuou, foi extremamente educativa com relação a essa própria esquerda que, provavelmente, não tinha conhecimento do, digamos assim, caráter abrangente dos crimes que tinham sido cometidos em tão larga escala, porque a esquerda não era só de presos políticos. A gente sabe agora como a população indígena foi maltratada, dizimada, os próprios camponeses na guerrilha do Araguaia, a gente não sabe até hoje quantos foram vítimas. Então, a Comissão da Verdade, se ela tivesse durado mais tempo, tivesse sido feita antes, teria tido um papel educador muito maior do que ela teve do jeito que ela foi feita. A luta política existe, os setores de direita lutam contra o que a esquerda propõe nos mais variados âmbitos, porém, essa questão da memória histórica ficou completamente abafada durante um longo período. Mas tem que se ter em mente, eu pelo menos entendo isso, que junto com a falta de memória histórica entrou a falta de compreensão que a tortura é um crime de lesa-humanidade e que ela envenena a sociedade. E, agora, nós estamos vendo com a eleição de Bolsonaro o que é esse envenenamento da sociedade.

IdE: Angela, isso, sem dúvida, como você está dizendo, a ausência de memória e de conhecimento da verdade sobre esse período e o significado do que foi a tortura cobra um preço muito grande. Mas, durante esse período, você é uma das pessoas que manteve uma luta firme e persistente sobre a necessidade da memória, da verdade e da justiça; ou seja, ao questionamento da impunidade dos torturadores, que vem sendo garantida por essa interpretação do STF sobre a Lei da Anistia, principalmente, e não só. Houve quem, inclusive, nesse momento, nesse processo de luta pela criação de luta da Comissão Verdade, considerasse que essa posição de exigir justiça era, justamente, demais, era extrapolar o que cabia desejar e buscar, gente que chegou a chamar isso de “revanchismo”, inclusive. Queria que você falasse um pouco sobre isso.

AMA: Eu queria dizer, inclusive, o seguinte: eu estava fora do Brasil e voltei em janeiro de 1981. Durante um longo período, eu mesma não batalhei pela verdade, porquê? Porque eu não encontrei terreno pra fazer isso. Procurei pessoas aqui em São Paulo, e as pessoas não queriam falar sobre isso, não se podia falar de mortos, de desaparecidos. Houve uma verdadeira muralha entre nossos próprios companheiros para começar a falar sobre isso. Inclusive, eu fui trabalhar no Rio e foi uma espécie de sempre comento com as pessoas mais próximas dessa lutaque eu meio que me exilei no Rio, porque ficar aqui em São Paulo era uma coisa muito difícil pra mim, porque lá no Rio eu trabalhei no grupo Tortura Nunca Mais, mas não era… às vezes as pessoas que eu tinha conhecido no exílio não eram as pessoas que tinham militado comigo e não era o ambiente que eu tinha vivido antes. Então, eu não sou daquelas pessoas que sempre defenderam a verdade. Eu fiquei sem armas para defender a verdade! Bom, claro, eu tava no grupo Tortura Nunca Mais do Rio, mas eu não tive um papel tão atuante participando da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Bom, as coisas foram evoluindo e eu fui abrindo caminho lentamente para começar também a participar dessa luta e até entendê-la, porque, para dizer resumidamente, eu tive um verdadeiro choque ao chegar ao Brasil, ao chegar em São Paulo. Foi bem difícil eu me readaptar ao meu país. Nada se compara com o que eu vivi fora do Brasil, em geral, militando e com militantes, não se compara com o choque que eu senti ao chegar ao Brasil e a insensibilidade das pessoas em relação, particularmente, ao caso do Merlino. Então, lentamente, posteriormente, eu comecei a encontrar os lugares certos, os caminhos certos por onde eu poderia atuar.

Bom, o revanchismo justamente é um argumento da direita que parte da esquerda incorporou. Por que se usa a palavra revanchismo? Tem sentido a palavra revanchismo? Revanchismo você diz para um jogo de baralho. Você perde no poker hoje e depois amanhã você vai fazer a sua revanche… um jogo de futebol, qualquer coisa assim… Aqui a coisa era completamente diferente! O que a gente queria não se colocava na categoria de revanchismo; se colocava na categoria de memória, verdade e justiça. Então, a ideia de que era preciso memória, verdade e justiça, sobretudo, justiça, que essa até hoje nós não temos, era desconhecida. Com essa contraposição de que “o que vocês estão querendo é revanchismo”, a pessoa respondia assim: “não, não queremos revanchismo”. Mas não é isso! A própria colocação da categoria “revanchismo” é que é um absurdo; é um absurdo, porque ela não está na categoria de memória, verdade e justiça.

IdE: Há poucos meses, em outubro de 2018, aconteceu, no Tribunal de Justiça de São Paulo, um julgamento que reverteu, inclusive, uma decisão anterior de primeira instância, em uma ação contra o coronel Brilhante Ustra aberta por você, como companheira do Luiz Merlino, e pela Regina Merlino, irmã dele , na justiça cível. Eu queria pedir para que você retomasse para nós as circunstância do assassinato do Luiz Merlino e dizer sua visão sobre o significado desse julgamento nesse momento.

AMA: Bom, as circunstâncias eu vou me limitar a narrar, assim, aproximadamente. Eu acho que isso já foi escrito em muitos e muitos lugares, mas, enfim…

IdE: Falemos sobre a decisão de agora, se for o caso…

AMA: Então, nós militávamos no POC [Partido Operário Comunista] e aceitamos uma proposta de um militante da Quarta Internacional e da LCR (Ligue Communiste Révolutionnaire, que naquele tempo era só Ligue Communiste) que era uma organização membro da Quarta Internacional, para passarmos um tempo na França e conhecermos as ideias deles, e passarmos, depois, se tivéssemos acordo, passássemos a integrar e a propor ao POC essas teses, essas ideias e passamos um período de 6 meses conforme foi combinado. E eu estava clandestina. O Merlino não estava clandestino, ele tinha viajado com o passaporte dele e voltou com o passaporte no nome dele e depois de dois, três dias que ele tinha chegado ele foi preso na casa da mãe dele em Santos e levado diretamente ao DOI-CODI.

O que eu vou narrar aqui sinteticamente foi uma história que nós reconstruímos a partir de pedaços de comentários de pessoas esparsas pelas mais variadas áreas, que são tanto ex-companheiros nossos do POC como pessoas de outras organizações. Mas, segundo essa narrativa que foi reconstituída, ele foi colocado na sala de tortura e foi torturado no pau-de-arara por mais ou cerca de 24 horas e depois jogado numa sala forte de isolamento. Ao longo de mais três, quatro dias, a perna dele, sobretudo uma delas, começou a gangrenar. No começo tinha muitos companheiros… o Guido Rocha estava nessa cela, a cela estava escura, eles não se viram, se sentiam, mas não se viram e esse companheiro, que depois foi entrevistado pelo Bernardo Kucinski, o Guido Rocha conta que ele, no começo, estava muito machucado, mas estava falando ainda bem e que, ao longo de três, quatro dias, foi ficando fraco, não conseguia nem falar e já não conseguia nem levantar. O Guido procurou que ele fosse socorrido, não sei exatamente o que ele fez, bateu na porta, qualquer coisa assim. Tinha lá uma pessoa que era tida como enfermeiro, não devia ser nada, era um carcereiro, fez umas massagens e que não adiantou nada e ele voltou para a sala de isolamento e depois foi retirado. Daí nós sabemos por uma outra companheira que conseguiu ver por uma janela, por um vitrô alto, ela era pequena e subiu nos ombros de uma companheira mais alta e conseguiu ver o corpo dele ainda vivo ser jogado na mala de um camburão. Por narração de um outro companheiro, nós sabemos que ele esteve num hospital militar. Não há registro nenhum, quer dizer, não nos forneceram registro nenhum durante esta democracia de que ele esteve naquele hospital, mas a gente sabe que ele esteve lá, porque um outro companheiro ouviu uma conversa do Ustra em que, nitidamente, diziam que tinha que ser amputada a perna e perguntavam se podiam telefonar para a família para pedir autorização pra essa amputação. E ele disse: “não, deixa morrer” – quer dizer, nós não sabemos se ele usou essas palavras. Como esse companheiro tava bem a par do que estava acontecendo, ele entendeu que era isso. O corpo não foi entregue à família, o marido da Regina, irmã dele, era um jovem delegado de polícia de Santos; ele recebeu um recado, um telefonema dizendo que o Merlino tinha morrido e a família, então, foi ao IML [Instituto Médico Legal] daqui de São Paulo e ele entrou no IML e ficou abrindo todas as gavetas até encontrar o corpo do Merlino. Então, ele não é um desaparecido graças ao cunhado dele.

Ao longo de anos, nós fomos ouvindo, assim, pedacinhos da história. O primeiro processo que nós movemos foi em 2007, começou em 2007 e era um processo na área cível, já que a lei da anistia estava prevalecendo. Nós queríamos uma sentença declaratória de que o Ustra tinha sido o causador da morte do Merlino. Bom, o Tribunal de Justiça, esse mesmo que deu essa sentença agora, num conjunto de três sessões, três audiências, em que três juízes deram os seus pareceres, aceitou um pedido dos advogados do Ustra para interromper o processo por causa da anistia. Mas a anistia é só para a área criminal, não é para a área cível. No entanto, por dois votos a um, eles interromperam o processo sob o argumento, e isso é interessante, de que aquele não era o tipo de ação que nós deveríamos propor e, sim, um tipo de ação por danos morais. Nós não queríamos propor uma ação por danos morais que tem que pedir, já na proposta, uma determinada quantia. Mas nossos advogados propuseram que a gente fizesse essa ação propondo que o próprio juiz que julgasse definisse, caso aprovasse, o montante da indenização. E o processo foi feito e foi julgado em 2011 com uma sentença positiva, dada pela juíza Cláudia Menge. E ela definiu lá uma indenização pequena que era 50.000 para cada uma das duas proponentes da ação. Os advogados do Ustra, ainda quando ele estava vivo, recorreram dessa decisão positiva. E foi esse o processo que ficou parado anos e anos e anos e que quando o Bolsonaro tava justamente se candidatando foi tirado da gaveta. Estava quase ganhando as eleições, com esse clima que nós vivemos, foi tirado das gavetas pra ser julgado. Eram outros juízes. É incrível que eles não tiveram nenhuma, nesse julgamento agora, referência ao que tinha sido dito pelos juízes lá em 2008, que praticamente nos aconselharam a processar por danos morais. E o argumento que eles deram de prescrição é um absurdo, porque, mesmo o relator disse, que ele sabia da jurisprudência do STJ de que esses crimes da área cível, crime de tortura, não tinha prescrição. Ou seja, eles fazem o que eles querem, eles arranjam tudo, não tem coerência jurídica, não tem nada.

IdE: Nós acompanhamos essa audiência também, pelo portal Esquerda Diário [link da matéria: https://www.esquerdadiario.com.br/Absurdo-TJ-SP-reverte-condenacao-de-Coronel-Ustra-pela-tortura-e-morte-de-Luiz-Merlino] e, justamente, o voto inclusive do desembargador-relator Sales Rossi e de todos eles teve fundamentado na prescrição, na Lei de Anistia. Mas ainda que isso não centrado como voto o relator, o desembargador-relator, enquanto justificava o seu voto, usou uma série de argumentos revendo a história; disse que no processo não se ofereceu prova de que tivesse havido envolvimento do Ustra com a tortura e a morte do Merlino, chegou a distorcer ele mesmo abertamente o depoimento da Eleonora Menicucci que foi torturada ao mesmo tempo, foi torturada junto com o Merlino, ele no pau-de-arara e ela na cadeira do dragão, e que conta que estava ali presente na sala orientando, dirigindo a tortura, pessoalmente, o coronel Ustra. E o desembargador, inclusive, usou como argumento nesse revisionismo histórico o laudo de óbito falsificado, porque nesse meio tempo até o cunhado do Merlino encontrar o corpo a versão que davam é de que o Merlino se jogado na frente de um carro na estrada quando estava sendo transportado para o Sul e que tinha sido um suicídio, um “autoatropelamento” é o que eles diziam. A Comissão da Verdade, inclusive, recomendou a correção desse laudo de óbito, e agora no julgamento esse mesmo desembargador-relator chegou a usar esse laudo como sinal de controvérsia sobre a responsabilidade do Ustra em relação à morte do Luiz Merlino.

AMA: É importante que ele desqualificou o depoimento das vítimas perante a juíza que deu a decisão favorável e, ao fazer isso, ele desqualificou também a juíza. É uma coisa que não tem palavras! Não tem palavras, porque é uma Justiça que não tem nenhuma coerência entre ela, entre os diversos julgamentos, é verdade que passou muito tempo daquele julgamento, em 2008, e esse julgamento de agora foi 10 anos depois, mas eles não levarem em discussão aquilo que foi discutido no primeiro julgamento, ou seja, todos os argumentos serviam para justificar – eu me lembro de que ele declarou que essas testemunhas não eram válidas porque eles eram “presos”, ou seja, testemunho de “presos” não valem nada, ou seja, todo um problema. Só queria concluir que a questão é um retrato lamentável da Justiça. Mas depois queria falar do outro processo, do processo na área criminal; de qualquer forma essa decisão é lamentável e, no momento em que ela foi dada, pra mim, com toda essa trajetória da tortura sendo banalizada, de ela ter sido colocada pela sociedade inteira com a anuência de muitos setores de esquerda para debaixo do tapete, enquanto continuou a ser praticada nas periferias e favelas, isso é um retrato da justiça e uma quase sentença, dizendo: “daqui por diante podem torturar!” O que é mais ou menos o que o Bolsonaro tem dito.

IdE:: Você disse que quer falar do processo criminal?

AMA: Há um outro processo. O Ministério Público, com vários horrores que eles estão cometendo agora, na minha opinião, tem um setor ligado à questão da justiça de transição e, com várias reuniões que aconteceram antes disso, no ano também de 2011, nós, num trabalho em que meu filho, Nicolau, participou ativamente junto comigo. A Tatiana Merlino também, mas acho que o Nicolau teve o papel mais importante. Nós montamos uma representação ao Ministério Público pedindo que eles abrissem um processo na área criminal, além das questões formais do começo e do fim dessa representação, em que a gente foi orientada por múltiplas pessoas do Ministério Público desse setor de justiça de transição. Nós fizemos uma narrativa que corresponde um pouco a essa que eu fiz agora abreviadamente, mas bem longa e sempre com documentos, eram jornais, revistas, falas e declarações que foram feitas em público e juntamos tudo como anexo nessas peças, fotocópias de todas as provas e entregamos para o Ministério Público. Algum tempo depois, em 2014, um promotor do Ministério, o Andrey Borges, nos procurou e disse que como nosso processo estava muito bem instruído, havia outros casos, mas como o nosso estava bem instruído ia ser o primeiro, ele ia apresentar uma denúncia-crime, foi o que ele fez no fim de 2011. Logo que foi apresentada essa denúncia, foi publicado nos jornais o teor da denúncia porque era denúncia criminal contra o Ustra e os outros dois torturadores que estavam na sala, que era do Dirceu Gravina, que era um torturador que se fazia chamar de Jesus Cristo, JC, tinha cabelos longos, um outro torturador chamado Aparecido Calandra e o médico Orsini que tinha assinado o atestado falso. E esse processo, então, foi proposto e foi, em seguida, quando foi apresentado, foi arquivado, o Ministério Público recorreu e, agora, no fim do ano de 2018 tinha sido marcado, mas, afinal, foi adiado – provavelmente aconteça daqui a pouco tempo, está na fila – o julgamento desse recurso do Ministério Público para reabrir o processo. Só que nós tivemos notícia – tem outros casos que estão sendo julgados – de um julgamento de um caso de um outro morto, um caso semelhante ao do Merlino, do Carlos Danieleli, e o resultado final foi novamente o arquivamento, 2 contra 1, em três juízes, então nós não estamos com muitas esperanças nesse novo julgamento. Nesse caso que foi julgado negativamente o argumento foi a anistia, mas é na área criminal, aí a “anistia”, segundo essa interpretação que tem prevalecido, faria nexo, não era completamente absurda como foi no caso da área cível.

IdE: Aproveitando, Angela, que você comentava um pouco antes que uma parte da esquerda depositou esperança na entrada do Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal pouco antes de ele dizer que o que aconteceu em 1964 não foi um golpe, mas, sim, um movimento dos militares, você estava explicando que esse movimento era pra deixar claro para os militares que ele estava trazendo no tribunal qual era a posição dele em relação ao status quo. Esses julgamentos/julgados na área criminal, esse julgamento recente no TJ-SP, o seu processo contra o Ustra na área civil, frente a tudo isso, considerando essa expectativa que uma parte da esquerda coloca que o judiciário vai cumprir um papel de contenção de excessos frente à onda que o Bolsonaro representa, mas que vai além dele, de exaltação da Ditadura Militar, de negação/relativização da tortura, qual é a sua visão do papel do judiciário frente a esse momento?

AMA: Esses dois exemplos que você está dando justamente mostram que eles não vão ter o papel de contenção dessa onda para não admitir que esses crimes existiram, ou seja, a muralha continua de pé.

IdE: Encaminhando para encerrar, queria pedir para que você comentasse de forma mais ampla o significado disso tudo para a conjuntura atual. Estamos em um momento que, além de tudo que a gente já comentou do governo Bolsonaro, do discurso de Bolsonaro, que os militares estão com cada vez mais peso no governo, no momento, são oito ministros, no segundo escalão do governo uma miríade de militares e, por outro lado, nesse mês se completa um ano do assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, ainda sem nenhuma resposta, mas com vários sinais apontados pela investigação do envolvimento de milicianos, inclusive sobre relações dessa milícia com a família Bolsonaro. Trata-se de um tema que, obviamente, suscita referências bastantes claras tanto ao que foi a ditadura militar quanto a tudo isso que a gente comentou na entrevista. No começo da entrevista você disse que via tudo isso voltando mas não da mesma forma, inclusive de forma pior. Você poderia, então, comentar sua visão dos fatos?

AMA: Pior, porque eu acho que não é só Bolsonaro. É o resultado de uma coisa que vem antes, o discurso dele ficou claro que ele, pelo menos no palavreado, está contra os negros, contra os homossexuais, a favor da família e tal, tudo isso, mas, em relação à ditadura militar, mas também em relação à violência policial ele tem várias falas, por exemplo, uma que eu não me esqueço, se referindo aos policiais que assassinam, que executam sumariamente: “Deixa os homens trabalhar!” e vai daí adiante. A tortura que, por aquela fala dele na última semana antes do segundo turno, que foi divulgado num comício na Avenida Paulista, e ele diz que “o Lula vai apodrecer na cadeia, o Haddad também, o Lindbergh Farias também”, mas ele fala uma coisa que eu não sei se todos perceberam que ele fala assim: “vão todos lá para a ponta da praia”, isso é uma gíria na polícia e, sobretudo, na polícia da ditadura para indicar um quartel da Marinha no Rio, onde os presos eram levados para serem torturados até a morte, vários presos foram mortos lá. Isso é também uma ameaça pública de tortura e execução sumária para todos os inimigos. Nós estamos vendo que ele como presidente, hoje, há dois meses, não é tão fácil de ele fazer isso, mas ele propôs isso, e quem é que votou nele? E quem é que votou nulo ou em branco? Para mim, todas essas pessoas que votaram nele, todos aqueles setores que votaram nele, sabendo que ele tinha feito essas ameaças, mas votaram nele por causa do projeto econômico que a reforma que eles dizem que vai revolucionar a economia do país, o que não é verdade, mas dizem que seria a solução da crise econômica; seja aqueles que não votaram no PT por antipetismo. Todos esses setores são simpatizantes de uma certa maneira de fascismo brasileiro, desse fascismo que é contra os pobres, que querem que os pobres apodreçam nas cadeias, que justificam as execuções sumárias e que é contra o PT não por causa do elemento da corrupção, até porque está na cara – eles que são bolsonaristas eles deveriam saber dessas terríveis ligações dos Bolsonaros à caixa dois do outro e etc. E eles sabem! Os que votaram no Bolsonaro sabem que elementos de corrupção também estão presentes e já estavam presentes no governo Bolsonaro. Eles têm ódio do PT, indignação, por causa de alguns programas que o PT fez para os pobres, como o Bolsa Família, o ProUni, as cotas nas universidades, todos aqueles programas que permitiram que alguns setores na pobreza penetrassem no recinto sagrado da pequena burguesia, é uma mentalidade fascista que existe na população, o Bolsonaro é só o resultado disso. Esse fascismo é um fascismo de violência policial, que é a violência do exército, mas que é a violência da polícia, sobretudo, que é a violência contra a pobreza. Eu acho que é pior, já tem acontecido e pode acontecer pior, de várias bandas se formarem, várias milícias, milícias ainda não organizadas se formarem justamente para castigar os pobres, além da polícia, além da polícia militar, e além do que se faz: castigarem os homossexuais como já vem acontecendo, castigarem os trans, etc. Então, é pior, porque não havia as condições, – as condições são completamente diferentes – mas não havia essa popularização da violência. A repressão se fazia, mas a repressão dura, da tortura não era publicamente divulgada, ela não era reivindicada. Agora, essas violências contra os pobres são reivindicadas nessas brincadeiras todas: “bandido bom é bandido morto”. Tem uma fala de um general, o Heleno, que ele teoriza isso, ele diz mais ou menos nessas palavras: “se eu preciso fornecer direitos humanos, eu vou dar preferência para os que não são bandidos”, como se tivesse que dar preferência para uns e não para outros, como se os Direitos Humanos não fossem universais, quer dizer, ele teoriza a ideia dessa diferenciação entre Direitos Humanos para ‘bandidos’ e Direitos Humanos para ‘homens de bem’”. Esse espírito que está existindo é pior, que dizer, não existia no tempo da ditadura militar, e é o que é mais duro e que deve ser combatido nessa ideologia toda. Além dessas histórias da família, das crianças, dos meninos de azul e as meninas de rosa, além dessas besteiras todas, esse ódio contra os pobres que eu acho que é um elemento fundamental dessas eleições.

IdE: Angela, com licença, eu gostaria de lhe fazer uma última pergunta. Esse sentimento fascista de um discurso de ódio contra todos os pobres e o desejo de exaltação da violência, do extermínio, da execução contra os pobres, ele se refere o que você mesma descreveu como um pensamento de um setor da pequena-burguesia, ele se refere precisamente a um núcleo duro do Bolsonarismo na classe média, então, me parece que não, agora, eu pergunto, na sua visão, se é um sentimento de todos os votantes do Bolsonaro?

AMA: Eu acho que de todos os votantes do Bolsonaro, e todos os votantes em Nulo e em Branco, e eu acho que até entre os votantes do Haddad pode existir isso, é um sentimento da sociedade.

IdE:: E você vê com alcance bastante majoritário na sociedade, inclusive nos setores mais pobres da sociedade, não só restrito a um setor da pequena burguesia, mas também em parte da classe trabalhadora também?

AMA: Em parte na classe trabalhadora e até pode ser assumido pelos próprios pobres. Tem um artigo bastante interessante que eu li há pouco tempo sobre, acho que de Wilton Moreira, sobre os valores fascistas que as religiões evangélicas vem desenvolvendo, que aí ele descreve como pobres, favelados, ao passarem a pertencer a essas igrejas evangélicas, começam a se julgar superiores aos outros pobres favelados e que eles estão dentro dessa entidade, dessa igreja, e assumem esse ódio contra os pobres, apesar de eles também serem pobres, não é porque eles são pobres que eles vão sair necessariamente da pobreza, mas moralmente eles deixam de ser bandidos. A palavra “bandido” só se refere à delinquência dos pobres, mesmo os traficantes de drogas que conseguem enriquecer, eles não são “bandidos”, são “traficantes de drogas”, “bandido” é o pobre! Aliás, vocês viram uma sentença há pouco tempo que um juiz está tratando de outro assunto e ele diz que o criminoso no caso não tem biótipo-padrão do bandido, porque ele é loiro e de olhos azuis.

IdE: Ele escreve isso… e de olhos claros…

AMA: Aliás é uma juíza, não um juiz, e não é negro, é o negro que tem aquele tipo e tem também aquela roupa de gente da periferia, ele é reconhecido como gente da favela e da periferia, reconhecido fisicamente, eu não sei bem como é que eles reconhecem, mas o fato é que eles reconhecem, e acho que esse é um sentimento muito generalizado na sociedade brasileira.

 

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