O “Plan País” de Guaidó: maior endividamento, desnacionalização da economia e ataques contra os trabalhadores e o povo

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por Ángel Arias

Privatização de empresas e serviços públicos, mais dívida externa, liberação total dos preços, demissões no setor público, são algumas das medidas para o “resgate” do país que a direita propõe apoiada pela agressão imperialista.

Guaidó e a Assembleia Nacional apresentaram as linhas de seu “plano” para governar o país, atrás do qual estão vários dos ideólogos que pregam a supremacia do interesse empresarial sobre qualquer coisa, e faz décadas impulsionam a “abertura petroleira” que, no passado, causou muito rechaço. Agora, vêm para a revanche e com gosto de vingança.

Já em 2016, assinalamos como os dirigentes da oposição se “sinceravam” e, se justificando antecipadamente, afirmavam que se voltassem a governar “teriam” que aplicar “medidas impopulares”. “Medidas duras terão que ser aplicadas”, afirmava Ramos Allup enquanto presidente da Assembleia Nacional, em uma clara alusão aos ataques que o projeto opositor implica contra o povo trabalhador. Apresentado há poucos dias, como base para o que chamaram “processo de resgate, recuperação e transformação social”, confirma: enquanto este governo deu as costas aos direitos dos trabalhadores, avançando na entrega vergonhosa de nossos recursos ao capital transnacional, e nos mantém prostrados às necessidades dos credores da dívida pública, a oposição propõe aumentar a dívida, acelerar a entrega e seguir golpeando os trabalhadores e o povo, com a promessa de que assim alcançaremos “o bem-estar e o progresso da nossa Venezuela”.

Mais dívida pública externa

Como se não bastasse a enorme dívida deixada por Chávez ao país, e que Maduro continuou a contrair, a oposição propõe aumentar o endividamento: “Recorrer aos bancos multilaterais para solicitar o financiamento necessário em condições preferenciais e ajuda econômica internacional”. Deve haver certo sentido de embaraço nacional para chamar “preferenciais” as condições impostas pelo capital financeiro internacional, com povos inteiros postergando suas necessidades básicas para alimentar as fortunas desses usurários. Se, com Maduro, as necessidades urgentes do povo (alimentação, saúde, moradia, etc.) são sacrificadas para destinar bilhões de dólares ao pagamento da dívida externa, com esse “plano” será igual, quiçá pior.

Propõe hipotecar mais nosso futuro “em condições preferenciais” com o Fundo Monetário Internacional e demais entidades que, por sua vez, impõem aos países sua política econômica e fiscal, com consequências sobre as condições de vida do povo (redução do gasto público, aumento de impostos e dos serviços públicos, privatizações, demissões no Estado, etc.). Assim, quem fala de “liberdade” e “democracia” procura nos submeter à ditadura de organismos que, dos seus escritórios nos EUA e na Europa, querem ditar os rumos da política nacional.

Com o chavismo se “diversificou”, em relação ao capital chinês e russo, a origem de a quem hipotecamos o país, a direita quer voltar para o rebanho do FMI e das potências ocidentais.

Essa linha de Guaidó e da AN (Assembleia Nacional) de livrar a cara desses mecanismos de espoliação, chamando de “ajuda econômica internacional” as migalhas que, talvez, ofereçam os mesmo organismos e países imperialistas que, paralelamente, estarão reforçando sua condição de credores do país e de proprietários de nossos recursos e empresas (mediante à abertura “massiva” à “intervenção estrangeira”).

A única coisa “generosa” que a oposição já teria negociado seria uma “reestruturação da dívida”, ou seja, os donos do nosso futuro permitirão ao país postergar alguns pagamentos imediatos e de médio prazo, em troca de mais dívidas  a longo prazo.

Maior controle do capital internacional sobre o país, em especial sobre o petróleo

Paralelamente a isso, há a outra linha central de “Promover os investimentos internacionais num marco regulatório que gere confiança e proteção efetiva da propriedade privada”, com ênfase especial na indústria do petróleo: o eixo é “um plano massivo” de “investimento privado internacional e nacional e reformar as leis para “permitir que o capital privado seja acionista majoritário em projetos petroleiros”.

Não há necessidade de refletir muito sobre a questão: isto é, avançar em um agressivo processo de apropriação de recursos e empresas nacionais por parte dos capitais imperialistas, principalmente de todo o petróleo. Argumenta-se que o Estado manterá a propriedade da PDVSA (1) – seria a gota d’água se não o fizessem –, mas isso não impede de modo algum o avanço da privatização, já que a ênfase está em facilitar a penetração do capital como “acionista majoritário”. É um salto na desnacionalização da economia em geral e da indústria petroleira em particular.

Com Chávez, com algumas poucas exceções, as grandes transnacionais do petróleo e de outras áreas (bancos, telecomunicações, construção etc.) não deixaram de estar presentes no país e de fazer negócios substanciosos. Tendo derrotado o golpe de abri,l assim como a greve patronal e a sabotagem do petróleo, Chávez conseguiu renegociar os termos de troca com o capital imperialista, conseguindo arrecadar mais renda para o país mediante aumentos de impostos ou criação de novos, e a maioria acionária nas associações; embora em troca de converter esse capital em proprietário de uma porção do petróleo, ao passar do esquema de “prestadores de serviços” para o esquema de “sócios”. No caso do gás, as transnacionais poderiam ter até 100% das ações. Apesar do alarmado discurso anti-imperialista, este foi o máximo que foi alcançado.

Maduro iniciou há poucos anos no setor petroleiro um giro de reprivatização em alguns serviços (para empresas nacionais) e de novas parcerias com o capital estrangeiro, cuja particularidade era justamente permitir sua participação acionista majoritária; recentemente, ele atingiu o auge de isenção de impostos a eles por um ano. Além disso, lançou o “Arco Mineiro de Oricono”, uma entrega deplorável de recursos ao capital transnacional que os isenta do cumprimento das leis trabalhistas, além de ser um aprofundamento do extrativismo, com graves consequências sobre a natureza e as comunidades destes territórios.

Para Guaidó e os partidos de direita, isso não é suficiente; querem colocar abaixo qualquer regulamentação legal que coloque limites ao capital privado internacional no setor petroleiro e no resto da economia. No mesmo sentido, aponta para o “marco regulatório que gere confiança e proteção efetiva”, porque a fraudulenta “Assembleia Constituinte” avançou em uma nova lei de investimentos estrangeiros vergonhosamente complacente com o capital transnacional, mas isso também não parece suficiente para a direita e os capitais imperialistas por trás dela.

Esse “plano” procura suave e simplesmente acabar com o país; essa agressiva desnacionalização implicaria em cada vez mais os recursos do país e a exploração dos trabalhadores estarem a serviço do aumento dos capitais de tais potências, implicaria em que as decisões sobre o que fazer com as empresas e os recursos do país estarem mais longe ainda das necessidades nacionais, guiadas por interesses econômicos e geopolíticos externos.

Demissão em massa no setor público e mais impostos ao povo

A receita contempla a clássica “redução do Estado”, que não é senão um eufemismo para não dizer abertamente que virão demissões em massa mediante a supressão de instituições, redução de pessoal ou privatizações. Claro, dizer isso seria demasiada sinceridade para aqueles que hoje fazem demagogia com os problemas dos trabalhadores.

Falam de uma “reforma fiscal” para “equilibrar a lacuna entre receitas e despesas” do Estado. Atualmente, o IVA (Imposto ao Valor Agregado), que é um imposto indireto sobre os salários, contribui com a maior parte dos rendimentos por impostos, duas vezes mais do que o Imposto de Renda (ISLR). Por acaso, estão falando de redução dos imposto ao povo e maior cobrança aos empresários e ricos do país? Com certeza, sendo um plano orquestrado diretamente pelos grandes capitalistas e pelos ricos de sempre, não será assim.

Privatização de serviços e empresas públicas

“Abrir ao investimento privado nas empresas públicas e as medidas que forem necessárias para recuperar sua capacidade de operação, especialmente na gestão de serviços públicos.” Outro exemplo de quanto lhes custa a sinceridade: privatizar empresas públicas e serviços, é isso que querem dizer. Mesmo que o Estado “preserve a propriedade dos ativos”, a gestão e o lucro passam para mãos privadas. Dizem “medidas necessárias” para sua operatividade, para não dizer abertamente que pode haver demissões e aumentos drásticos nos preços dos serviços públicos, uma vez que a lógica da lucratividade empresarial será imposta à sua gestão.

Salário igual à cesta básica familiar indexado à inflação? Nada a ver!

Essa oposição se aproveita das reivindicações salariais dos trabalhadores para tentar se apresentar como favorável a eles. No entanto, é claro que sequer propõe a demanda elementar de salário mínimo igual à cesta básica (com base no art. 91 da Constituição) e indexado à inflação, que é uma das questões centrais que o movimento operário vem exigindo.

Apenas generalizam dizendo “implementar mecanismos transparentes acordados para determinar e atualizar o salário mínimo e as pensões, conforme estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, o que pode parecer “progressista” frente ao fato de que o governo impôs a nefasta política de definir unilateralmente o salário, entretanto, essa alternativa “ao OIT” não tem nada de progressista, porque vincula os trabalhadores a um suposto “consenso” entre trabalhadores, empresários e governo, que jamais é um consenso, já que isso sempre resulta na imposição da vontade do empregador e suas chantagens. É claramente mais retrógrada do que a perspectiva de obter, a partir das lutas, um salário que não menor ao que cobre a cesta básica familiar e que aumente periodicamente se a inflação aumentar.

Liberação total de preços e mais receita pública para o capital privado

“Levante o sistema de controle que sufoca a produção nacional: e “Restaure os mecanismos de mercado”, diz o “Plano País”.

A primeira coisa a dizer é que no país existem mecanismos de mercado, é uma falsidade muito grande dizer que não existem. O que é que estamos sofrendo quando empresários e comerciantes aumentam incessantemente os preços das mercadorias? Há propriedade privada e compra e venda de mercadorias aos preços impostos pelo “mercado” (com uma pequena porção que é distribuída subsidiada, como a comida do CLAP(Comité Local de Abastecimiento y producción). O que houve foram tentativas de regular o nível de aumento de preços, um regulamento que não existe há algum tempo.

O que acontece é que de acordo com a ideologia da direita “liberal” assim é a “democracia”: os empresários devem ter “liberdade”  total para fazer o que quiserem com os preços, os direitos trabalhistas e as receitas do petróleo sem que o poder político intervenha nisso, o povo pode votar, mas o poder político que não se envolve com os negócios da burguesia.

Seguindo essas premissas procuram parafusar sobre o parasitismo da burguesia “nacional”, um dos “controles” que querem eliminar é o cambial, ou seja, a burguesia nacional não gera para o país quase nenhum dólar (porque exporta pouco ou nada) mas Guaidó e o AN dizem que os dólares que entram pelo petróleo alugam o Estado devem “libertá-los” para pô-los à disposição daquela burguesia, sem nenhum controle. E o pior é que, de fato, mesmo com o “controle de câmbio” do chavismo, os diferentes grupos do capital nacional (tanto tradicional quanto os novos favorecidos do governo) não deixaram de ter dólares baratos disponíveis das receitas do petróleo, mas como você explica a enorme fuga de capital que chega a mais de 500 bilhões de dólares?

Guaidó, como um político burguês que tem a coragem de dizer que as receitas do boom do petróleo “não será guardado para o futuro ou foram investidos para aumentar nossa capacidade de produção”, mas não diz uma palavra sobre quem não os investiu! Não diz nada sobre qual é a classe social a cujas mãos passarão os dólares da renda do petróleo todos esses anos! Uma das principais razões para a ruína do país é a enorme transferência de renda pública para mãos privadas, o lucro foi para o exterior e não a tão alardeada “indústria doméstica” pelo qual tanto arranca os cabelos.

Por que o Sr. Guaidó não relata isso? Por que você não fala ao país com essa grande verdade? Ao contrário, pede mais facilidades para se controlar a renda, e lança o contrabando ideológico para este que era o “fracasso do socialismo do século XXI”, quando o que ele mostra é que o chavismo reproduziu essa constante na história do capitalismo nacional: a burguesia crioula se apropria de toda renda sem que isso se traduza sequer em tirar o país da atrofia de seu aparato produtivo.

Impunidade com o saque das rendas

Quanto à oposição, isso é algo “normal” que acontece (não em vão existem os mesmos partidos que no passado decidiram pelo mesmo parasitismo dos negócios nacionais), tanto colocam em seu plano a generalidade dos “esforços para recuperar capitais ilícitos produto de operações ilegais e pilhagens do patrimônio da nação”. Isto é, talvez recupere algo do que escapou por rotas ilegais, deixando todo o restante em paz. Mas acontece que o saque também foi feito por meio de canais legais, que não são legítimos, e isso não deixa de ser um saque do país. No entanto, como Maduro, o “Plano País” não vai tocar nisso, vai garantir a impunidade com a fuga que tem sido “legal”.

Distribuição nas mãos de empresas privadas e ONGs da oposição

Diante do desastre evidente da distribuição de comida nas mãos deste governo, com máfias, estruturas corruptas e que vêm usar a chantagem vil contra as pessoas, a direita, obviamente, não lhes ocorre que a distribuição deva estar diretamente nas mãos dessas mesmas pessoas, mas propõe às empresas privadas, ONGs e grupos ligados à oposição: “usar os mecanismos de distribuição desenvolvidos pela iniciativa privada e organizações que estão participando da Emergência Humanitária Complexa”.

O mesmo “populismo”, mas só por um tempo…

Essa oposição aponta depreciativamente como “populismo” tudo o que signifique que o Estado intervenha para regular alguns direitos sociais ou para atender necessidades decorrentes das grandes desigualdades geradas por seu próprio sistema (capitalismo), entretanto, como tais necessidades são uma realidade contundente, só podem repetir o que criticam, apesar de serem mais mesquinhos. Propõem “preços diferenciados de acordo com a capacidade de pagamento dos diferentes setores da população por meio de subsídios diretos, até que os níveis salariais permitam eliminar os referidos subsídios”.

Eles vão liberar os preços, haverá demissões no setor público, desvalorizarão mais o bolívar, privatizarão e aumentarão o preço dos serviços públicos e, em troca, concederão subsídios apenas por algum tempo. Ou seja, depois de um tempo, eles deixarão os setores pobres e os salários mais baixos.

No conjunto, a oposição é reeditar a antiga receita neoliberal dos últimos governos de puntofijismo (2): o “Gran Viraje” (CAP II) e a “Agenda Venezuela” (Caldera II). Muito “jovem” não é o Plano de Guaidó.

A classe trabalhadora não tem nada a procurar com tal “alternativa”. Se não houver uma forte irrupção dos trabalhadores, em aliança com os setores populares, para se oporem a um programa de trabalho e emergência popular diante da catástrofe econômica e social que responde aos nossos interesses, as únicas opções à vista são a permanência do atual desastre ou a imposição dessa perspectiva que está por trás do golpe avançado do imperialismo.

 

* Tradução feita pela equipe de tradução do IdE, com base no original constante de: http://www.laizquierdadiario.com.ve/El-Plan-Pais-de-Guaido-mayor-endeudamiento-desnacionalizacion-de-la-economia-y-ataques-contra-los.

1 –  Petróleos de Venezuela, empresa estatal que se dedica aos exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo do país.

2 – Referência ao Pacto de Punto Fijo (31 de outubro de 1958): acordo político firmado entre os três grandes partidos venezuelanos – a Acción Democrática, de centro-esquerda, a Unión Republicana Democrática, de centro, e o democrata cristão Comité de Organización Política Electoral Independiente, de centro-direita.

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