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GIRO DO PREMIÊ CHINÊS NA AMÉRICA LATINA | Voltando a Pequim com a mala cheia de acordos

quinta-feira 28 de maio de 2015 | 13:20

O gigante asiático, que já é o segundo maior parceiro comercial e o terceiro maior investidor na América Latina, propôs elevar nos próximos dez anos, o comércio bilateral para US $ 500 bilhões por ano e investir cerca de 250 bilhões na região.

Os acordos que Li negociou no Brasil (o que significaria cerca de 53 bilhões de dólares), Peru, Colômbia (incluindo a discussão de um tradado de livre comércio) e Chile, se concentram no fortalecimento do relacionamento de negócios com base em matérias-primas, ampliando as obras de infraestrutura (com empréstimos e como um fornecedor de engenharia e equipamentos), mas também em abrir o mercado para sua produção industrial média e pesada (como equipamentos ferroviários, etc.).

Se insinua também, a possibilidade de abertura do espectro de compras chinês nos alimentos, presença bancária, assim como o interesse na indústria automotiva (no Brasil) e o intercâmbio em áreas com maior tecnologia, ressaltando a compra de aeronaves da Embraer.

O megaprojeto estrela é a proposta de ligação ferroviária entre o Rio de Janeiro no Brasil e portos no Peru, através do coração da Amazônia até os Andes e levar ao Pacífico ferro, soja, açúcar e outras commodities brasileiras. Sua construção exigiria um grande investimento ao longo de vários anos, mas estudos preliminares recentemente iniciados, de viabilidade e de engenharia devem ter em conta as enormes dificuldades de geografia e à distância, bem como a enorme depredação ambiental e social envolvida.

A esperança chinesa no “mau momento” latino-americano

Não é por acaso que Li foi recebido com grandes expectativas nesta hora de sofrimento e estagnação econômica para a América Latina. Segundo a CEPAL, o PIB da região vai crescer apenas 1% este ano; e previsões para o próximo ano não excederem o modesto 3%. A economia brasileira está em recessão e o governo de Dilma Rousseff enfrenta um ajuste difícil. Quanto à Colômbia, Peru e Chile, "modelos" sem brio do neoliberalismo, também estão em apuros com os baixos preços internacionais das matérias-primas.

Sob essas condições, oferecendo mais comércio, investimento, infraestrutura e empréstimos chineses aparece como um salva-vidas para os governos e empresas como maior perspectiva para a maior parte da burguesia, especialmente para os setores exportadores -mineração, petróleo e agronegócio-, dominados por grandes grupos locais e transnacionais.

No entanto, Li não se comprometeu com nada em termos de volumes e preços de compra de matérias-primas na América do Sul, embora um fator importante da diminuição no fator preço é a queda da demanda chinesa. Além disso, embora os acordos com a China possam atuar como um fator de alívio em certos pontos de estrangulamento -Creditos swap em yuan como na Venezuela e Argentina, os empréstimos para a Petrobras, obras públicas e até mesmo megaprojetos (como Canal na Nicarágua ou no Brasil ferroviária bi-oceânica Brasil-Peru) e investimento directo em alguns ramos, não parecem ter escala suficiente para inverter a dinâmica descendente das economias latino-americanas. A própria economia da China está em desaceleração, atravessada por fortes contradições internas e afetada pela fraqueza dos seus principais parceiros comerciais -Estados Unidos e da União Europeia.

Nestas condições, parece improvável que a China pode agir como a "locomotiva" capaz de arrastar a região em um novo ciclo de crescimento sustentado.

Uma associação estratégica fundamentalmente assimétrica

China apresenta a sua estratégia para a América Latina como apontando um "crescimento harmonioso" com os seus parceiros. No entanto, notórias desigualdades desmentem essa afirmação: os países latino-americanos fornecem matérias-primas e compram bens manufaturados.

A CEPAL, que apoia a parceria com a China, adverte sobre "a preocupante reprimarização exportadora" (palavras da sua Secretária Executiva Alicia Barcena) e descrito em um estudo recente: "A forte expansão do comércio com a China não foi acompanhada por avanços na diversificação das exportações: apenas 5 produtos, todos primários, foram responsáveis por 75% do valor das exportações regionais para a China em 2013.

Os mesmos cinco produtos foram responsáveis por 47% do valor das exportações da região para este país em 2000, demonstrando o processo de reprimarização forte que tem ocorrido desde então. A dinâmica do investimento estrangeiro direto chinês na região reforça esse padrão, já que quase 90% do mesmo entre 2010 e 2013 foi para as indústrias extrativas, especialmente a mineração e os hidrocarbonetos. Isto deu origem a diferentes tipos de conflitos ambientais em alguns países da região".

Como o outro lado desta situação é a concorrência de manufaturas chinesas no mercado de seus parceiros comerciais, há setores burgueses que suspeitam dessa dinâmica. O Estado de São Paulo, jornal da grande burguesia paulista, defendeu uma maior aproximação comercial e política com os Estados Unidos e Europa, no editorial de 21 de maio: "Nos acordos entre os governos brasileiro e chinês durante a visita do Premier Li Keqiang, o Brasil aparece principalmente como um destinatário de investimentos, empréstimos e tecnologia. Ele é compatível com a posição ocupada no comércio bilateral.

No intercâmbio entre os dois países, o lado brasileiro aparece quase exclusivamente como fornecedor de commodities -matérias-primas e bens intermediários- e como um comprador de bens manufaturados". Dos 40,6 bilhões de dólares exportados pelo Brasil em 2014, 84% eram produtos básicos.

As vendas de manufatura para a China -1,6 milhões- não chegam a 10% daquelas feitas para os Estados Unidos durante o mesmo período. Sobre a venda de aviões de passageiros de tamanho médio de passageiros da Embraer a China observa que "em nada altera o padrão de comércio entre os dois países. Mais de uma vez os líderes do PT classificaram como "estratégica" a relação entre o Brasil e a China. Mas o verdadeiro sentido estratégico dessa relação, tenha correspondido, até agora, à natureza semicolonial do comércio bilateral".

É irônico que vozes ligadas a estrutura semicolonial da América Latina em relação aos Estados Unidos e Europa se permitam usar termos de esquerda para a advertir sobre a "ameaça da China", enquanto os governos "progressistas" defendem a "parceria estratégica" com a China como uma potência "não imperialista" aliada no objetivo de uma ordem mundial "mais justa e equilibrada".

Ilusões no “caminho do leste” e dependência

O suplemento "Cash" do jornal Pagina 12 da Argentina se entusiasmava em 17 de maio com as perspectivas que abrem as relações com a China. As aspirações progressistas são tão modicas, hoje em dia! Como os técnicos da CEPAL e dos ministérios de economia, imaginam que o "desafio" chinês podem ser abordadas por meio da expansão das vendas de bens de consumo com maior valor agregado para abastecer à sua crescente "classe média". A perspectiva da conquistar nichos de mercado em alimentos (carne, leite, vinho, frutas, etc.), se apoia nas "vantagens naturais" do Brasil, Argentina e no Cone Sul, mas em última análise, seria extensão "diversificada" do papel reservado para os sul-americanos de fornecedores de matérias-primas. Seria, portanto, realinhar "para o Leste" para fornecer o que o crescente mercado asiático demandará nos próximos anos.

Esta estratégia está moldada ao tamanho dos maiores exportadores do agronegócio e grupos econômicos gigantes da mineração, enquanto que deprime ainda mais o potencial de desenvolvimento industrial local. Além disso, o impacto da China acentua as tendências para a desintegração do bloco sul-americano, onde cada burguesia age por conta própria prevalecendo o pragmatismo (como mostra a decisão de Dilma em avançar nas negociações com a União Europeia, apesar da resistência Argentina). China financia estradas de ferro para vender seus equipamentos e serviços de engenharia, mas os governos que falam diariamente de integração regional sequer imaginam reconstruir em comum uma indústria ferroviária nacionalizada.

Em suma, embora a relação com a China pode fornecer alívio financeiro e comercial de curto prazo para os países latino-americanos, incentiva consequências de longo prazo profundamente negativas: investimentos, comércio e os empréstimos são feitos nas condições gerais ditadas pelo "mercado", aumentam o endividamento externo e promove a especialização extrativista das economias latino-americanas, aprofunda a dependência estrutural e o papel subalterno da América Latina como um fornecedor de matérias-primas, comprador manufaturas e fonte de rendas financeiras. Em suma, torna a região mais vulnerável e dependente.

Isto não nega que se suscitem crescentes atritos entre os Estados Unidos e seus sócios imperialistas, historicamente dominantes na economia e geopolítica latino-americana, e China, que sendo tributária dos investimentos e tecnologia imperialista, busca expandir seus interesses na América Latina, bem como a África e Ásia. O "fator China" está mudando a dinâmica dos fluxos de comércio, que por sua vez gera tensões na geopolítica regional.

Obras como o canal através da Nicarágua, que se conectará com a Zona Franca de Mariel em Cuba, ou os empréstimos e acordos com a Venezuela, não são vistas sem o desgosto de Washington ou da Europa. Embora isso possa fornecer algumas margens de manobra conjunturais para negociar contra as pressões imperialistas, é a um custo muito pesado e que vai contra as reivindicações de maior autonomia da América Latina. É falaciosa a opinião de nacionalistas e progressistas de que a "parceria estratégica" com a China seria um contrapeso ao imperialismo.

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