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VIOLÊNCIA POLICIAL | Violência policial em Paris: “Vamos te estuprar, vamos matar você e seus colegas”

Esta ameaça foi proferida pela polícia francesa à um professor de Sorbonne que foi imobilizado no chão, depois de tentar gravar um abuso policial contra uma mulher. Aqui está seu depoimento que viralizou na França.

segunda-feira 26 de setembro de 2016 | Edição do dia

Esta ameaça foi proferida pela polícia francesa à um professor de Sorbonne que foi imobilizado no chão, depois que de tentar gravar um abuso policial contra uma mulher. Aqui está seu depoimento que viralizou na França.

Ao final da jornada saía de uma estação de trem na banlieue [bairros populares da periferia de Paris] com uma amiga. Passando a catraca ouvimos gritos. Não era um ruído normal, mas de dor, intenso, e entendemos na hora que algo estava acontecendo. Como o resto das pessoas que estava junto conosco, observei a cena que apareceu à nossa esquerda.

Uma mulher negra de uns cinquenta anos era algemada enquanto gritava que as algemas apertavam suas mãos e que não aguentava mais. Entre ela e o círculo de transeuntes que se formou, uns trinta policiais equipados e com um cão de guarda. Segurança ferroviária e polícia nacional.

As pessoas se inquietam conforme o ambiente se tensiona, todo mundo se pergunta oque acontece, por que torturam esta mulher em plena rua. A cena é dura, similar ao sucedido este verão depois do assassinato de Adama, ou das imagens da mobilização dos Estados Unidos: um grupo de policiais frente a vizinhos negros de uma cidade. Entre estes últimos, claramente, nenhuma confiança. Um homem conta como seu irmão foi detido sem razão, posto em prisão preventiva e agredido. Os policiais falam em nos golpear.

Tinha medo pela vítima desta detenção, medo desta cena racista, via a polícia exceder-se todo o tempo. Assim, saquei meu telefone para gravar, pensando que poderia fazer uma imagem das coisas, fazer baixar o nível de impunidade. Não durou mais de um minuto. Um dos policiais me agarra pelo ombro esquerdo e me faz girar: “fazemos um controle de identidade”. Ao perguntar por que, me arranca o telefone das mãos, enquanto lhe digo que não tem direito a inspecioná-lo sem uma ordem de busca.

Porém tudo se acelera: conseguindo me levar para seu lado da barreira formada pelo resto dos policiais, dois se abaixam sobre mim, cada um fazendo uma chave em um braço. Sinto uma dor enorme nas articulações. Tenho os dois braços torcidos sobre as costas, com dois homens em posições treinadas, que descarregam toda sua força sobre meu corpo contra o muro.

Repetidas vezes, afrouxam e apertam, esperando que eu reaja. Pensei que se tratava simplesmente de me intimidar e de me levar ao limite. Mas não paravam. Quando acabo sem fôlego e deixo de protestar, começo a pensar que me levarão à delegacia por “escândalo” ou “desobediência” e que estão buscando qualquer coisa para me culpabilizar.

O pior na realidade não foi a dor. Os dois policiais que estavam em cima de mim estavam exaltados, os olhos vidrados, não posso acreditar que a cena em que estou seja real. “Vamos te matar, se dê por morto, vamos te arrebentar, te mato aqui mesmo em dez minutos”. Estiram minhas juntas mais uma vez, quando trazem minhas mãos de volta para as costas, aumentando a tensão. O da esquerda me põe a mão nas nádegas. “Acha que vai brincar com a polícia? Veja como brincamos com você”. Me dão uma rasteira e me voltam a pôr a mão sobre as nádegas. Com as chaves nos braços torcidos não posso respirar bem. Outra rasteira. “Vamos te estuprar, você gosta disso? Vou te estuprar e depois veremos se grava a polícia.”
Continuam. “Apoia o Daesh? Quando vierem, o que vai fazer? Você vai chupá-los? Então não chore e peça para te proteger”. Não sabia que mais tarde falariam do Daesh (denominação utilizada para se referir ao Estado Islâmico) para justificar sua atitude contra uma mulher negra que havia esquecido seu cartão do metrô.

Abrem a minha mochila e pegam minha carteira, examinando-a sobre minhas costas. Pegam meu tabaco e me dizem para sentar-me. Encontram minha carteira de docente precário da faculdade. “Dá aulas? Quando o Estado Islâmico vir à Sorbonne, vai esperar masturbando-se?”. O da esquerda: “Olhe para mim, bicha suja. Puto. Vive por aqui é? (mostrando meu lugar de moradia). Vou à sua casa, colocar uma camisinha e te estuprar”. Estou absolutamente estupefato, penso que tenha repetido as mesmas ameaças algumas dezenas de vezes.

Estou no meio desta situação com policiais politizados, policiais em um Estado de exceção permanente, que vivem como se estivessem em guerra contra o Daesh, um Daesh que veem em qualquer pessoa radicalizada e com quem eu me aliei ao solidarizar-me com sua vítima do dia.

Então aumentam a intensidade. “Vamos te ligar com o taser, vai ver como esquenta”. E o da esquerda me aplica uma descarga no braço. Me assusto e começo a tremer. Tento não mostrar, não digo nada, mas o que penso nesse momento é que a situação pode ser ainda pior.

Que vão me fazer mais chaves, que vão me dar com o cassetete antes de me levar à delegacia. “Você vai morrer. Vou te enrrabar” sempre quando me revistavam. A dor é tal nos braços, nos ombros e nas costas que penso que vou ter uma luxação.
Por trás, ouço a amiga com quem estava dizer a gritos que me deixem. Eu tento dizer que pode sair prejudicada. Tenho um nó no estômago: “Que fariam estes tarados se a detivessem?”. Entretanto, o grupo de gente ao redor da cena vem crescendo e o grupo de policiais sabe que não podem prolongar indefinidamente a situação. Aquele que me retorcia o braço direito me diz “vamos te calar, vamos te acusar de incitação à desobediência”.

Ouço o que discutem entre eles. Um deles me pega pelo braço e me diz “olhe para a parede, assim que se virar ou se mover, te abro a cabeça”. Não me movo. “Vamos para Sorbonne, vamos matar você e seus colegas, esquerdista sujo”.

Me viram e me deixam frente aos olhos desorbitados do policial que me agarrava o braço esquerdo. “É eventual, bastardo? Vamos fazer um informe e você pode guardar o seu título”. Não digo nada, me tombam sobre o peito. “Agora vai pegar o telefone e apagar o vídeo”. Eu faço pensando que o grave atropelo que acaba de passar se vai nas imagens, mas fica em minha mente. Tiram o celular de mim e abrem a pasta de fotos, inspecionando tudo.

De repente, o resto dos policiais investe contra os vizinhos que estavam reunidos. Rápidos e extremamente violentos. Vejo o vira-lata lançar-se sobre a gente enquanto eles levavam os cacetetes e o gás. Todo mundo foge em pânico, incluídas as pessoas mais velhas. Os dois policiais que me agrediram jogam a carteira e o que levava nos pés e saem correndo. Procuro a minha amiga, que volta correndo para saber se tinha conseguido escapar.

Não podemos fazer nada mais que voltar para casa com a raiva nas entranhas, o torso machucado e dolorido. Penso que esta polícia racista teria ido muito mais longe se eu fosse negro. Um homem nos explica que vêm sendo assim em todo o bairro desde essa manhã. “Pode ver como não fazemos nada, mas atacam as pessoas à esmo para provocar problemas”. Nos reconfortamos mutuamente e nos damos ânimos. Necessitamos de força, mas não faltará.




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