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SEMANÁRIO

Uma visita ao exilado na Noruega

Fred Zeller

Fotomontagem: “Trotski, o comandante do Exército Vermelho” (1921), de Iuri Anniénkov sobre estampa de Varvara Stepánova.
Tradução: Iaci Maria e Lina Hamdan; revisão da tradução: Caio Mello.

Uma visita ao exilado na Noruega

Fred Zeller

Fred Zeller (1912-2003) foi secretário da Juventude Socialista do Sena (Paris) em 1935, ala juvenil da SFIO (nome do Partido Socialista Francês, seção da Segunda Internacional, entre 1905 e 1969). No final de 1934, a tendência bolchevique-leninista (parte da Oposição dirigida por Trotski) entrou na SFIO. Zeller simpatizava com o movimento trotskista. Mas em 1935, os líderes da SFIO começaram a expulsar a esquerda da Juventude Socialista e a tendência. Trotski convidou Zeller à Noruega. Depois dessas conversas, Zeller deixou a ala dirigida por Marceau Pivert (dirigente da Tendência Esquerda Revolucionária da SFIO), para se juntar aos bolcheviques-leninistas. Antes de sua morte em 2003, Zeller relatou esta visita em seu livro Trois points c’est tout [Três pontos e só]. Aqui publicamos o excerto.

Foi por volta de outubro de 1935 quando David Rousset me enviou um convite para visitar o camarada Trotski na Noruega.

Eu ainda não havia me juntado às fileiras da Quarta Internacional. Durante este período, o nome do "Velho" [apelido de Trotski] era jogado na lama todos os dias. Repreendiam-lhe por viver como um "rei" em um "castelo", cercado por "servos" e uma multidão de secretários. Eu não me importei que me convidasse e eu pudesse comprovar a realidade. De fato, depois de ter tido a experiência com os líderes da SFIO [Seção Francesa da Internacional dos Trabalhadores] e da Internacional Socialista, fiquei muito satisfeito com a possibilidade de finalmente conhecer um verdadeiro grande líder revolucionário…

[...] saí de Paris. Parei em Colônia e Hamburgo, na Alemanha, onde Hitler acabara de tomar o poder. Eu testemunhei, entre a chegada e a partida do meu próximo trem, os desfiles da SA, SS e da Juventude Hitlerista, batendo na calçada com o salto das botas e emitindo frases guturais, no meio de uma população que parecia atordoada e, acima de tudo, absolutamente aterrorizada.

[...] Depois de quatro dias e três noites em trens e estações, um companheiro norueguês me encontrou em Oslo para me guiar durante o resto da viagem. Na manhã seguinte [...] cheguei a Hønefoss, uma cidade de alguns milhares de habitantes. Outros colegas noruegueses esperavam por mim na estação. Um velho e dilapidado carro nos conduziu pela montanha até Weksal, uma pequena vilarejo de chalés de madeira espalhados pela neve.

O "Velho" e a "Velha" [refere-se a Natália Sedova] viviam lá. O parlamentar socialista norueguês Konrad Knudsen deu-lhes dois aposentos: um quarto e um escritório com sofá. A sala de jantar era comunitária. Os Knudsen comiam lá uma hora antes de Trotski e Natália, que tinham um quarto e um pequeno banheiro com banheira no primeiro andar.

[...] cheguei lá no final de outubro de 1935. Minha visita ao organizador militar da Revolução Russa, alguns dias depois, em 7 de novembro, coincidiu com o décimo oitavo aniversário da maior agitação social que o mundo havia conhecido. Quarenta anos depois, ainda me lembro daqueles momentos com emoção... Eles permanecerão inesquecíveis enquanto eu viver.

[...] O Velho, que estava trabalhando, levantou-se e me abraçou calorosamente como fazem os russos. Ele era maior do que eu imaginava, forte, de ombros largos, muito alegre, muito ágil, sorridente, feliz, fraterno. Usava uma pesada camisa de lã fechada por uma gravata, um suéter, jaqueta de linho azul e calças cinza. Convidou-me para sentar ao seu lado no sofá e me perguntou sobre a minha viagem. Ele imediatamente quis saber sobre os camaradas franceses.

"Como eles estão? O que está acontecendo? ... E não, não me responda ainda: eu quero que minha Natália esteja aqui para te ouvir também". Ele se levantou e, na escada, disse a Natalia, em russo, que eu acabara de chegar.

Olhei para o Velho. Me parecia muito jovem (tinha cinquenta e cinco anos na época) e muito alegre. Estudei seu rosto, admirável, com a testa larga coberta com cabelos grisalhos. O que mais me surpreendeu foram os olhos cinzentos de aço, dominantes e mutáveis, nos quais a vontade obstinada, a autoconfiança, a interrogação, a surpresa, a desilusão e a esperança se refletiam imediatamente. Sua boca era extremamente móvel, emoldurada por seu lendário bigode e cavanhaque, articulados perfeitamente. Eu não percebi nele o que quase sempre é visível naqueles que sofreram e lutaram: aquela ruga vertical de amargura que é marcada no canto dos lábios a partir de uma certa idade. Tudo nele exalava serenidade. Ele olhou para mim com uma sinceridade vívida. [...] Natália entrou na ponta dos pés. Pequena, frágil, com um rosto delicado emoldurado por cabelos louros cinzentos, tinha uma aparência suave e triste.

"Agora", disse o Velho, "conte-nos brevemente como estão nossos amigos. Então você irá tomar uma xícara de chá e te deixaremos descansar no sofá até o almoço. De tarde, vamos discutir as coisas mais seriamente". E logo perguntou, divertido, sobre todos e cada um, [...] preocupado com a situação material de Van [Heijenoort] a quem amava muito e sobre a saúde de seu filho, Leon Sedov. Seus olhos observavam, se ampliavam, mediam e depois ficavam distantes. Atento e amistosamente, parecia buscar se colocar no tempo e lugar, mais especificamente, entre os homens implicados nos grandes conflitos da época. "Aguentará? Partirá? Crescerá? Qual será seu verdadeiro papel?". Tantas perguntas silenciosas, mas me senti bem.

Durante os primeiros dias, nossa conversa girou naturalmente ao redor da situação da França. Os partidos, suas políticas, as reações das massas… O Velho me pediu um informe detalhado sobre o desenvolvimento da crise e a divisão interna dentro da Juventude Socialista. Escutou com atenção. Me fez perguntas, pediu detalhes dos ativistas e tendências particulares. Deu grande importância ao fato de que uma corrente de Juventudes Socialistas, passando por cima do stalinismo, havia se orientado em direção à Quarta Internacional.

"A França entrou na fase preparatória da revolução, disse. O CENTRO PASSA A SER O SEU PAÍS. Você deve seguir de perto a situação. Em breve você vai experimentar acontecimentos grandiosos. Terá um papel importante se for paciente e se manter firme em suas posições. Os trabalhadores, gradualmente e à medida que a luta avance, perceberão que foram traídos por aqueles em quem hoje confiam. Olharão para vocês amanhã”.

Pensava que tínhamos perdido muito tempo em conversas inúteis com a burocracia da SFIO, tentando estender as negociações para uma "readmissão". Essa ilusão dividiu ainda mais os militantes e permitiu que eles confiassem no clã de capituladores que sempre estão dispostos a se curvar quando lhes são oferecidos alguns cargos honoríficos e assalariados. "Igualmente", pensou o Velho, "vocês se equivocaram ao agarrar-se às saias dos centristas de Pivert durante tanto tempo e, especialmente, ao ajudá-los a formar a ‘esquerda revolucionária’". Esses companheiros se voltarão contra vocês. Eles vão atrair alguns de seus próprios ativistas que, ouvindo suas consignas de outra boca, vão considerar que é mais sábio e que é certamente menos arriscado permanecer no seio do SFIO do que segui-lo de maneira independente".

Segundo ele, a possibilidade de que os "expulsos de Lille" fossem readmitidos era uma ilusão: "As expulsões são políticas. A direção do SFIO está preparando um governo da Frente Popular [1] com os líderes radicais nos bastidores. Não podem tolerar a presença de revolucionários honestos e independentes entre eles. Também são encorajados por Cachin e Thorez que obedecem ao perinde ac cadáver de Stalin [2].

"Vossa única oportunidade de êxito e a única maneira de evitar a queda e a desmoralização de seus melhores ativistas é iniciar a transição a uma organização independente. Vocês devem defender o programa marxista. É necessário armar politicamente seus camaradas. Caso contrário, irão se decompor rapidamente sob a pressão assustadora das burocracias reformistas e stalinistas. Vocês devem, creio eu, iniciar uma discussão no seu movimento, através da imprensa, através de boletins internos, através de reuniões informativas e mediante a organização de um congresso extraordinário, para se unirem ao programa e à bandeira da Quarta Internacional. Então, podemos considerar uma fusão entre seus camaradas e os bolcheviques-leninistas".

E acrescentou com um sorriso: "O dia em que eu puder ler no Révolution (o jornal da esquerda da Juventude Socialista) que vocês se declararam publicamente da Quarta [Internacional], darão um passo decisivo. Levantarei uma bandeira vermelha bem aqui no telhado do chalé!".

Um dia, durante o almoço, me perguntou: "Qual foi o fator decisivo que o convenceu a se aproximar da organização dos bolcheviques-leninistas?". Contei a ele como Pierre Dreyfus havia me convidado a assistir à última conferência do Grupo Bolchevique-Leninista, no famoso café Augé, Rue des Archives, onde me impressionou a forma em que fora levado a cabo toda a discussão política com destacados e detalhados informes, especialmente os [...] do Comitê Central. Foi uma mudança do bla-bla-blá das reuniões nacionais do SFIO, em que a única coisa que interessava era o que estivesse relacionado a suas bases eleitorais.

Também me surpreendeu saber, durante a votação e a verificação dos mandatos, que os bolcheviques-leninistas eram apenas quatrocentos membros em todo o país. Com todo o barulho que faziam e os ataques diários a que eram submetidos, imaginara que haviam milhares... Trotski achou isso engraçado. Pensei então que essa jovem organização política revolucionária, que tinha tão poucos membros, mas emitia tanta influência e causava tanto medo em seus oponentes, era uma das forças do futuro. E que essa organização tinha que ser apoiada a todo custo, não importava o que acontecesse...

Trotski pediu minha opinião sobre os mais importantes bolcheviques-leninistas de Paris. Eu falei muito cautelosamente deles. Então houve um silêncio. "Sabe", ele disse, "não há muita escolha! Você tem que trabalhar com o material que você tem em mãos. Nem sempre é o mais conveniente. Quando cheguei em Prinkipo [3], recebi incessantes correntes de cartas de militantes entusiastas que se ofereceram para me visitar. Na França, tive que confiar nos militantes que, na maior parte, compartilhavam as perspectivas da oposição russa. Eu tive que rejeitar os céticos e os amadores. O movimento teve que se mostrar dando passos audazes à frente. Precisávamos de um jornal, primeiro para defender e ampliar nossas ideias, e para responder às calúnias stalinistas, e depois, pouco a pouco, para reagrupar em uma organização todos aqueles que concordavam conosco e que queriam lutar. […] Mas seus caráteres difíceis e a inevitável luta das pessoas entre si nem sempre facilitaram o trabalho coletivo. Eu sei, eu sei muito bem. Sem dúvida, a chegada de novos jovens lutadores na organização francesa fará com que as coisas se ajeitem… ”.

Trotski sempre enfatizou os problemas organizativos (em nossas conversas). Ele deu a eles, corretamente, uma grande importância. "Se você não forma bons e sérios administradores em todos os níveis do movimento, você não vai vencer, mesmo que tenha razão mil vezes. O que sempre faltou aos bolcheviques-leninistas – e particularmente na França – é de organizadores, bons tesoureiros, contabilidade exata e publicações que sejam legíveis e bem editadas”.

Atrevo-me a dizer que a diferença mais séria que tive com ele foi sobre o centralismo democrático, sobre o qual eu tinha uma concepção autoritária implacável, que me parece tão perigosa quanto o método social-democrata que nunca permite que militantes comuns de agrupações influenciem os dirigentes do partido de maneira decisiva. A aplicação do centralismo pelo Comitê Político de Lênin permitiu a tomada do poder. Sob Stálin, levou a derrotas revolucionárias e à degeneração dos chamados partidos comunistas. Trotski insistiu fortemente que o Comitê Político de Lênin aplicou um centralismo "democrático", enquanto que Stálin aplicou um centralismo "burocrático". Ele também lembrou ter enfrentado esse problema no Segundo Congresso (do Partido Social-Democrata Operário Russo, em 1903), que o separou de Lênin por vários anos. "No entanto - ele acrescentou - Lênin tinha razão outra vez. Sem um partido fortemente centralizado, nunca poderíamos ter tomado o poder. O centralismo significa concentrar o maior esforço organizativo para atingir o ’objetivo’. É a única maneira de dirigir milhões de pessoas na luta contra a classe possuidora”.

"Se concordamos com Lênin que estamos na época do imperialismo, o estágio superior do capitalismo, é necessário ter uma organização revolucionária que seja flexível o suficiente para responder tanto às demandas da luta clandestina quanto às da tomada do poder. Daí a necessidade de um partido fortemente centralizado, capaz de orientar e dirigir as massas e de conduzir a imensa luta da qual deve sair vitorioso. Daí também a necessidade de coletivamente fazer uma autocrítica leal em todas as etapas".

Ele acrescentou que a aplicação do centralismo não deve ser esquemática, mas deve decorrer da situação política. Ele citou o exemplo do PC russo em 1921, que passou de uma organização militar ultracentralizada para outra baseada nos núcleos de fábricas, devido às necessidades de reconstrução econômica. "Entre os congressos, era o CC e seu Comitê Político quem dirigiam o Partido e supervisionavam a execução rigorosa, em todos os níveis, da política decidida pela maioria. Não era permissível retornar constantemente a questões de orientação e, assim, violar a execução de política adotada pelo Partido”.

Muitas vezes ele se referiu a um dos maiores perigos enfrentados pela vanguarda dos trabalhadores: o sectarismo, que desgasta, murcha, desmoraliza e isola. "Isso é o que ameaça a seção francesa. Foi uma das principais razões que nos levou a implorar aos nossos colegas para entrarem no SFIO como uma ’tendência’. A experiência tem sido boa, pois deu a eles a possibilidade de trabalhar profundamente entre as massas, verificar a correção de sua política, estender sua influência e se consolidar organizativamente. Em toda a sua vida, Lênin lutou contra desvios sectários que separarão e separaram os revolucionários dos movimentos de massa e da compreensão clara da situação. Várias vezes teve que lutar contra os ’velhos bolcheviques’ que não eram capazes durante sua ausência de nada além do que tentar fazer com que a realidade se adequasse aos ’documentos sagrados’".

Trotski lembrou o que aconteceu em 1905, quando, na ausência de Lênin, os bolcheviques desempenharam apenas um pequeno papel devido à adoção de uma postura sectária em relação ao soviete de Petrogrado: "A rotina teórica, essa ausência de criatividade política e tática, não é um substituto para a perspicácia, a capacidade de avaliar as coisas num piscar de olhos, o instinto de ’sentir’ uma situação enquanto ordena os principais fios e desenvolve uma estratégia geral. Em um período revolucionário, e especialmente em um insurrecional, essas qualidades tornam-se decisivas”.

Ao ouvir isso, pensei em Rosa Luxemburgo, que escreveu no verão de 1918, pouco antes de ser assassinada: "O movimento revolucionário deve ser uma torrente de vida espumante e ilimitada para encontrar milhões de novas formas, improvisações, forças criativas e críticas saudáveis que devem corrigir e, em última instância, ir além de todos os seus erros”.

Trotski sempre retomou a necessidade de fortalecer os laços fraternais entre os companheiros de luta. "É necessário preservar, encorajar e cuidar desses laços - ele repetia -, um militante operário experiente representa um capital inestimável para a organização. Leva anos para educar um dirigente. Portanto, devemos fazer todo o possível para salvar um militante. Nós não devemos destruí-lo se ele enfraquecer, mas ajudá-lo a superar sua fraqueza, a superar seu momento de dúvida. Nós nunca devemos esquecer daqueles que ’caem’ ao longo do caminho. Nós devemos ajudá-los a retornar à organização se não houver nada irremediável que os reprove sobre seu nível de moralidade revolucionária”.

Quando caminhávamos à tarde pelas montanhas, ocorreu-lhe discutir o bem-estar físico dos militantes, o que agora chamamos de sua “forma”. Ele se preocupava muito com isso. Pensava que devíamos estar atentos àqueles que tinham se desgastado, e à conservação da energia das pessoas mais fracas: "Lênin sempre se preocupou com a saúde de seus colaboradores. ’É necessário ir o mais longe possível no combate, e o caminho é longo’, ele costumava dizer".

O ambiente interno da organização preocupava-o. Nos pequenos movimentos de vanguarda que lutam contra a corrente, as disputas internas são as mais severas e enérgicas. Depois de ser expulso do SFIO, o Grupo Bolchevique-Leninista foi dividido em muitas frações hostis: "Se os camaradas olhassem um pouco além de si mesmos e dirigissem seus esforços para o exterior e para o trabalho prático, a ’crise’ se resolveria", disse Trotski, "mas é sempre necessário garantir que o ambiente permaneça saudável e que o clima interno seja aceitável para todos. Os camaradas devem trabalhar com todo seu coração e com a máxima confiança".

"Construir um partido revolucionário requer paciência e trabalho árduo. A qualquer custo, os melhores não devem ser desencorajados, e devem se mostrar capazes de trabalhar com todos. Cada pessoa é uma alavanca para ser usada inteiramente para fortalecer o partido. Lênin sabia a arte de fazer isso. Após as discussões mais polêmicas, sabia como encontrar as palavras e gestos que minimizassem os comentários mais infelizes ou ofensivos”.

Para Trotski, o essencial no período seguinte consistia na criação de um aparato organizativo. Sem um aparato não há possibilidade de aplicar uma política, tudo se limita a bravatas vazias sem peso real. A dificuldade nas grandes construções humanas é a seleção criteriosa da personalidade ideal para uma determinada função. A arte de organizar consiste em habituar um número de indivíduos a trabalhar em conjunto para que cada um seja o complemento dos demais. Um "aparato" é como uma orquestra onde cada instrumento expressa sua própria voz apenas para poder se misturar discretamente na harmonia criada.

"Devemos evitar colocar colegas com habilidades iguais e temperamento semelhante nos mesmos comitês de trabalho", disse Trotski, "eles anularão o trabalho uns dos outros sem obter os resultados esperados. Devemos aprender a escolher os parceiros adequados para uma determinada tarefa: explicar pacientemente o que se espera deles, atuar com flexibilidade e tato. Essa é a maneira de construir uma verdadeira direção. Deixar a máxima iniciativa aos companheiros responsáveis por sua própria área de atuação. Se os erros forem cometidos, corrija-os explicando de forma companheira como são prejudiciais ao partido de conjunto. Não é necessário tomar medidas administrativas, exceto em casos extraordinariamente graves. Como regra geral, todos devem ser permitidos de avançar, se desenvolver e melhorar. Não deve perder-se em detalhes secundários que encobrem a situação geral. Faça apenas o que puder fazer com as forças disponíveis. Nunca mais, exceto, é claro, em situações decisivas".

O velho acrescentou que os nervos dos companheiros de equipe não devem se esgotar indefinidamente. Depois de muito esforço, é preciso respirar, orientar-se, restaurar as energias e assim por diante, etc. No nível do trabalho organizacional, deve-se ser metódico e preciso, não deixando nada ao acaso. "Seja o que for, estabeleça um objetivo, mesmo que seja muito modesto, mas se esforce para alcançá-lo. Proceda assim em cada estágio da organização. Depois, você deve desenvolver um plano de curto prazo e dedicar-se a ele sem enfraquecer, com mãos de ferro. Esta é a única maneira de avançar e fazer toda a organização progredir".

Certa manhã, o carteiro trouxe panfletos e um boletim interno dos bolcheviques-leninistas franceses. Ao lê-los, Trotski demonstrou impaciência e aborrecimento. Com o lápis vermelho na mão, ele riscou e sublinhou incessantemente, e então disse bruscamente: "Seus boletins mimeografados são muito ruins. É muito irritante lê-los, assim como outros jornais e publicações suas. Eu me pergunto como vocês podem obter documentos com máquinas modernas que podem ser politicamente bons, mas eles são ilegíveis. Consultem os especialistas neste campo. Eu garanto que o trabalhador não fará um esforço para ler um panfleto mal impresso. Lembro-me dos primeiros panfletos publicados pelo nosso círculo em Odessa. Nós os fazíamos com tinta roxa, escrevendo as letras à mão. Depois eram passados em gelatina e publicados muitas dúzias de exemplares. É verdade que usávamos meios primitivos, mas nossos panfletos eram muito legíveis... e eles cumpriram seu papel!".

Suas críticas mais fortes eram sobre os jornais: "Um jornal revolucionário deve ser direcionado principalmente e acima de tudo aos trabalhadores. Mas sua maneira de conceber e editar La Verité (que era então o jornal dos bolcheviques-leninistas) torna-o mais como uma revista teórica do que como um jornal. É interessante para o intelectual, mas não para o trabalhador. Por outro lado, você tirou algumas boas cópias do Révolution [4]. Mas o que é inadmissível e escandaloso, é deixar que os jornais saiam com tantos erros tipográficos e mudanças de letra, que dão a impressão de um descuido intolerável e criminoso. O jornal é a cara do partido. Em grande medida, o trabalhador julgará o partido com base no jornal. Aqueles para quem é escrito não estão convictamente com vocês, ou nem sequer são seus simpatizantes. Vocês não devem assustar ninguém com palavras cultas demais. Seus leitores ocasionalmente nunca devem ser levados a pensar: ’Essas pessoas estão muito acima da minha cabeça’, porque então ele não vai comprar mais. Seu jornal deve ter uma boa composição, ser simples e claro, com consignas que sejam sempre compreendidas. O trabalhador não tem tempo para ler longos artigos teóricos. Ele precisa de relatórios breves com um estilo conciso. Lênin disse: ’Você tem que escrever com o coração para ter um bom jornal’. Parem de pensar que vocês estão escrevendo para si mesmos ou para seus militantes. Para eles, existem revistas teóricas e boletins internos. O jornal deve ser vivo, também bem-humorado. Os trabalhadores gostam que ridicularizem e desmascarem com evidências concretas aqueles que mandam de cima”.

"Também deve-se fazer com que os companheiros trabalhadores da organização escrevam no jornal. É preciso ajudá-los de maneira amigável. Você verá que muitas vezes o simples artigo de um trabalhador sobre um caso particular de exploração capitalista é muito superior ao artigo acadêmico e erudito. Pegue os artigos de Lênin no Pravda como um exemplo: são simples, vivos, legíveis e tão chamativos aos trabalhador da fábrica de Putílov quanto para o estudante universitário". O Velho se referia constantemente a Lênin, que teve um enorme impacto em toda a sua vida e a quem ele admirava enormemente.

Como eu havia falado sobre preocupações financeiras, os problemas colocados pela publicação regular do La Verité ou Révolution e tudo o que diz respeito aos jornais e panfletos de fábrica e turnos de trabalho, o Velho me disse: "O que é bem pensado se expressa com clareza... e a maneira de dizê-lo é facilmente encontrada. Na medida em que você tenha uma visão teórica clara das coisas, você também terá a vontade política de realizá-las. Se você tiver a firme determinação de ter sucesso no que você entende claramente, então você também será capaz de encontrar os meios”.

Publicado como “Trotsky: problemas organizativos” no La protesta, 19/06/2019.

Pode lhe interessar (em espanhol): L. Trotsky, “En Noruega ‘socialista’”


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FOOTNOTES

[1Esta frente se formará em pouco tempo, se candidatará às eleições e as ganhará em 1936.

[2Nota da tradução espanhola: Provérbio latino que significa: disciplinado como um cadáver

[3Nota da tradução: Primeiro exílio de Trotsky

[4Nota da tradução: jornal da Juventude Socialista que a fração bolchevique-leninista também participava da edição
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