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ELEIÇÕES 26J | Uma interrogação e quatro certezas por trás da campanha eleitoral

Que governo sairá das urnas? Ninguém sabe. Que pagará a dívida, respeitará o marco trabalhista criado nos anos 90, negará o direito a decidir e respeitará a Constituição de 78, poucos duvidam.

Santiago Lupe@SantiagoLupeBCN

sábado 25 de junho de 2016 | Edição do dia

Estamos nas horas finais da campanha eleitoral de 26J. Duas semanas de reuniões, entrevistas, debates e declarações que, segundo todas as pesquisas, fizeram variar bem pouco a intenção de voto comparando com as porcentagens de dezembro. Na segunda rodada do 20D as porcentagens de voto não se moveram muito, embora em termos de cadeiras no parlamento a principal novidade –a coalizão entre Podemos e Esquerda Unida – pode resultar em mais espaço ao PSOE do que conseguiram em dezembro na soma de seus votos.

Os cenários para o 26J são a grande interrogação, e a estas alturas nenhum se pode descartar. Porém, ainda dentro dessa incerteza, esses 14 dias permitem também entender algumas coisas. Ao menos quatro certezas que marcaram os limites e as linhas vermelhas nas quais as quatro grandes formações que disputam o Palácio de Moncloa propõe se mover. Nos marcos em que, já adianto, as principais aspirações e demandas democráticas e sociais ficaram de fora.

A Troika e o pagamento da dívida seguirão marcando a agenda.

A campanha começou com a carta vazada que enviava Mariano Rajoy à Comissão Europeia. Nela tratava de tranquilizar Bruxelas e passar a nítida mensagem de que para além do 26J, seu governo se colocaria em dia com o plano de ajustes que manda a Troika, que só em 2016 propões um novo corte entre 8 e 10 milhões de euros.

Que o PP vai seguir pagando religiosamente a dívida, aplicando ajustes e tratando de se adequar ao cumprimento dos compromissos de déficit às custas dos serviços públicos e das pensões, não é nenhuma novidade. Tampouco que o fará o PSOE e Cs, cujas propostas a respeito são idênticas às de Rajoy. Além disso, foram os grandes partidos do bipartidarismo que levaram adiante a reforma do artigo 135 da Constituição.

Porém, a novidade que ficou amplamente clara nesta campanha é que também Unidos Podemos assumem estes estreitos limites. Se adiantam em relação a seu sócio grego, Syriza, que o realizou depois de chegar ao governo. Neste caso Iglesias ja anuncia antes de ascender à presidência -ou vice-presidência- que sua proposta não inclui nenhum tipo de não pagamento da dívida e que o ritmo de ajustes se acertará com Bruxelas.

Como gesto probatório a memória econômica do programa eleitoral de “Ikea” incluía rebaixar 36 milhões em comparação ao de dezembro - 9.000 ao ano, o ajuste extra que pede Bruxelas -, a famosa auditoria da dívida se apresenta como uma proposta a título de recolher informações, e a reestruturação se limita aos 60 milhões do resgate bancário, uns 6% da dívida pública total.

Quer dizer, ganhe quem ganhe, governe quem governe, a dívida seguirá sendo paga e se seguirá o caminho do ajuste de gastos para poder fazer-lo, tal e qual acordado com a Troika.

A precarização do trabalho seguirá sendo a base do modelo trabalhista

A outra certeza se refere à ausência de uma proposta que ataque a linha de flutuação do mercado de trabalho espanhol. Desde os anos 90 este se constituiu sobre a existência de cerca de 30 a 50% de trabalho precário em suas diferentes formas: contratos temporário, subempregos, tabelas B, meio turno forçado... Com a crise esta situação só se agravou, uma vez que o desemprego se encontra em mais de 20% e mais de 50% no caso dos jovens e imigrantes.

Estes dois importantes pontos contaram com uma base legal imprescindível, as reformas trabalhistas aprovadas pelos governos de González, Aznar e Zapatero, a maioria com o respaldo da burocracia sindical do CCOO e UGT. Também as reformas trabalhistas de 2010 e 2012 -com a liquidação dos convênios- jogaram enormemente a favor desta sangria.

Do PP nada se pode esperar a respeito. Tampouco de Cs. Ambos propõe manter e aprofundar este regime. O PSOE, desde seu papel de oposição, fala demagogicamente contra a precarização, ocultando que é filha de suas próprias políticas. Sua proposta não passa de prometer a revogação dos aspectos mais lesivos da reforma de 2012 e avançar em uma nova reforma que, conhecendo seu histórico, não será senão outra volta para a mesma direção.

Podemos vai um pouco além em suas propostas, porém só um pouco, e sobretudo aceita como bom o marco legal prévio a 2010. Defende a revogação das reformas de 2012 e 2010, mesmo que esta última já tenha aceitado na mesa de negociação com Sánchez para formar governo. E suas propostas de melhora se limitam a uma regulamentação mais precisa para permitir a contratação temporária, recuperar o direito à readmissão em caso de demissão improcedente, e uma modificação das causas de demissão até o nível anterior a 2010 (recordemos que com essas causas só em 2009 se produziram quase 2.000.000 demissões).

Sobre acabar com as ETTs, os subcontratos, os mini jobs, a duplas tabelas salariais, os convênios de segregação... Quer dizer, toda a estrutura construída em quase três décadas, e que é a base da “competitividade” das empresas espanholas sobre nossos ombros, nenhuma palavra.

É assim, neste caso também podemos dizer que, ganhe quem ganhe, governe quem governe, entre um terço e a metade dos trabalhadores e trabalhadoras seguiremos sendo bucha de canhão da precarização do trabalho.

O direito a decidir terá que esperar (sentado)

A outra certeza se refere a questão catalã. Nenhuma das opções que se apresentam no 26J tem uma proposta para dar saída à demanda pelo direito de decidir que vem se expressando desde a Diada de 2012.

Há aqueles que se posicionam abertamente, os defensores a qualquer custo da unidade indissolúvel da Espanha. Não só o PP e Cs, mas também o PSOE e o conjunto das instituições do Regime de 78, começando pela mesma justiça -sempre a serviço da ofensiva "espanhista"- e por seu posto na Coroa. Eles constituíram os 2/3 das Cortes depois das eleições, e sobretudo, para além das eleições, são estes setores que constituem todos os poderes não eleitos que torcem para que nesta questão tudo siga igual.

"En Comú Podem" vinha fazendo campanha do referendo desde dezembro. Porém nos meses de negociação esta questão ficou fora das conversações e se passou a outra mesa específica entre ECP e o PSC. Nesta campanha tem bastado dois debates, o debate a quatro e o realizado entre os candidatos catalães, para o qual tanto Iglesias como Domènech deixaram claro que sua defesa do referendo em nenhum caso suporia um limite para o acordo de um governo da “mudança”.

Nas semanas posteriores ao 26J voltaremos a ver como esta proposta volta a ser engavetada para não incomodar. Porém, além disso, a proposta em si -baseada no artigo 92 da Constituição sobre referendos consultivos e não decisórios, e em uma sentença do Tribunal Constitucional que exigem uma modificação da Carta Magna com 2/3 dos deputados a favor- [de direito a decidir não tem nada, já que segue depositando a soberania sobre o futuro da Catalunha nas Cortes gerais.]

Porém a outra novidade veio do bloco soberanista. Por um lado ERC segue insistindo no roteiro de JxSí que, como assinala a resolução do 9N, reconhece que todo processo unilateral deverá ser negociado e aceito pelo Estado central. Uma fala mais inflamada, porém um beco com tão pouca saída como a consulta de ECP. Pelo outro, CDC, parece estar buscando uma volta ao pujolismo. Não falam mais de processo e se contentariam com uma mera comissão parlamentar em Madri para tratar a questão catalã.

Portanto, no que se refere ao direito a decidir da Catalunha, ganhe quem ganhe, governe quem governe, este seguirá sendo negado pelo Estado central e os dirigentes do chamado processo seguirão prorrogando a espera de uma negociação impossível.

Os cadeados de 78 seguirão fechados

Mas se algo fica claro depois destes 14 dias de campanha é que o “transcendental” desta disputa eleitoral foi se rebaixando à velocidade de cruzeiro desde a anterior disputa falida nas urnas. No 20D muitos falavam de Segunda Transição ou regeneração do Regime de 78. Se apresentavam como uma articulação, um antes e depois, embora sempre em tom de renovação combinada do regime político.

E então qualquer proposta rupturista, ou seja, contra algum dos pilares do regime político, tinha sido descartada por parte do Podemos, a formação emergente que se apresentava como representante da "crise por baixo” que começou a se abrir em 2011. O fim da Coroa ou a abertura de uma nova constituinte eram coisas do passado para Iglesias e Errejón. O mais longe que se chegava era a defender cinco reformas constitucionais.

Porém, nestas novas eleições a “mudança” se limita a um mero “expulsar o PP”, por meio de algo tão pouco novo como formar um governo progressista com o PSOE. O mesmo que fez o IU em numerosas comunidades, mas desta vez com uma correlação interna na suposta coalizão virada sensivelmente à esquerda.

A proposta mais “radical” das que se apresentam assume a Coroa, a Constituição de 78 e seus petrificados mecanismos de reforma, a OTAN, os pactos e tratados firmados pela UE, os compromisos de cumprimento de déficit... Mas a proposta de abrir um processo constituinte para abrir os cadeados de 78, como prometeu Iglesias pouco depois das europeias, nem rastro. O Regime de 78 seguirá “amarrado e bem amarrado”, e praticamente intacto até nas questões superficiais.

Quatro certezas que colocam tarefas para a esquerda anticapitalista e dos trabalhadores

Entre estes quatro pontos cardeais se moverá o incerto mapa pós 26J. Hoje é impossível adivinhar que governo sairá do novo Parlamento atomizado. Que seja de um tipo ou outro sem duvida significará cenários muito diferentes para a conquista das demandas democráticas e sociais que vem se expressando desde o 15M.

Porém os limites já assumidos pelos quatro grandes partidos assinalam que nestas eleições não há uma opção a que se possa dar apoio político. A candidatura que se apresenta como representante das demandas populares, Unidos Podemos, assume os mesmos marcos que a converte em impossível.

Se a classe trabalhadora e os setores populares tomam o caminho da mobilização social e da luta por um programa para fazer pagar pela crise os capitalistas e acabar com a estrutura do Regime de 78, dependerá de superar estes marcos de pedra.

O cenário coloca, pois, uma tarefa central para a esquerda anticapitalista e classista, que não é outra se não a construção de uma alternativa política ao novo reformismo, e a de impulsionar a luta por todas as demandas que querem deixar engavetadas, incluindo a de abrir um processo constituinte verdadeiramente livre e soberano.




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