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ANÁLISE | Uma batalha decisiva da correlação de forças nacional: a reforma da previdência

Como Michel Temer tentou aprovar a reforma da previdência e foi barrado pela insatisfação da população e da classe trabalhadora, que chegou a se organizar e forçar a centrais a fazer paralisações nacionais, a Previdência se tornou “a mãe de todas as reformas”. É o ponto onde se concentram o conjunto dos embates e vai definir a situação política para Bolsonaro, sobre o qual fazemos uma análise no marco preparatório do IV Congresso do Movimento Revolucionário de Trabalhadores que se realizará proximamente.

quarta-feira 13 de fevereiro de 2019 | Edição do dia

Imagem: GGN

Este é o ponto onde se concentram o conjunto dos embates em aberto na luta de classes, e que vai definir a situação política para Bolsonaro. Será fundamental saber se haverá ou não resistência de massas. Se essa resistência triunfar, por exemplo, Bolsonaro estaria ferido de morte. Se ela passa sem nenhuma resistência, o governo se fortaleceria muito para aprofundar os ataques econômicos e seu projeto social. Entre esses dois pólos podemos ter muitos cenários intermediários, como uma aprovação da reforma que ao mesmo tempo acabe com a legitimidade de Bolsonaro, ou que combine algum importante nível de desgaste tanto com as massas quanto com o mercado financeiro por vê-la como insuficiente.

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A reforma da Previdência define a relação do capital financeiro com o governo, que até agora está buscando dar fôlego a Bolsonaro valorizando a bolsa, mas é também o fator de elevar a pressão pela reforma. Não à toa, os economistas burgueses submetem tudo a ela. Langoni (ex-presidente do BC) e Giulia Coelho (da agência 4E) em entrevista à Agência Brasil, explicam que a confiança estrangeira no investimento no país está determinada pelo sucesso da reforma, por um lado colocando uma faca no pescoço do governo e por outro explicitando os interesses imperialistas na aprovação desse enorme ataque.

A relação com os militares, uma importante porém conflituosa base do governo, se define também em torno da reforma. Guedes apresentou uma minuta que não os inclui e explicou, após reunião com representantes das Forças Armadas, que estariam em um projeto de lei por fora da PEC da Previdência cuja minuta foi vazada ao Estadão. A reforma dos militares, portanto, não está vinculada, sendo reservada a eles a possibilidade de desenvolverem um projeto próprio e cheio de compensações, como a que é aventada de aumentar os salários e as carreiras. Maia já afirmou que a mudança vai tramitar ao mesmo tempo, mas o que já se sabe é que o ataque lançado contra o conjunto da classe trabalhadora não será lançado também contra os militares. A Bancada da Bala, se articula para garantir que os PMs que diariamente reprimem – e mesmo assassinam – milhares de pobres, trabalhadores e negros no país, tenham o mesmo tratamento preferencial das Forças Armadas.

A relação com a imprensa também está balizada aí, nesta reforma. Mesmo a mídia que é oposicionista no campo dos “valores”, apoia os ataques econômicos (Globo, Folha, e outros). A cada tema “cultural” que Bolsonaro tenta avançar, essas mídias atuam para colocá-lo na linha e lembrar que a prioridade de todos é a mãe de todas as reformas. A relação de Bolsonaro com sua base eleitoral de 57 milhões que não votou num programa econômico em importante parcela e inclusive com sua própria base eleitoral mais dura, também pode se ver afetada pelos ataques, combinada com a relação com a burocracia sindical, que por hora o governo não deu nenhum indício de querer negociar algo (salvo Mourão que acena de estabelecer jogo próprio também nisso), apesar da subserviência e disposição dos burocratas.

Ao contrário do que as mídias, junto com o governo e a maioria do Congresso tentam nos convencer, a reforma da previdência vem pra nos fazer trabalhar até morrer. A idade mínima que se pretende estabelecer com a reforma Bolsonaro é de 65 para homens e mulheres, mostrando inclusive o profundo machismo do qual o capitalismo se alimenta, que ignora que as mulheres começam a trabalhar antes mesmo de entrarem no mercado de trabalho, assumindo tarefas domésticas e o cuidado de crianças e idosos pela absoluta ausência do Estado nesse terreno e que diariamente realizam sem remuneração essa atividade socialmente necessária e que assim, sem remuneração, contribuem a baratear toda a reprodução da classe trabalhadora. No Brasil esta idade mínima seria superior à expectativa de vida de muitos trabalhadores e parte do povo das regiões mais pobres do país e é praticamente a média do que um trabalhador vive nos dias de hoje, como indica a Tábua de Mortalidade do IBGE, dado completamente ignorado pelo discurso do governo, em especial de Maia, que disse que se pode trabalhar tranquilamente até os 80 anos. A proposta chega ao absurdo de prever um gatilho automático de aumento da idade mínima de acordo com a evolução da expectativa de vida, um dado abstrato recolhido pelo IBGE, calculado a partir de uma relação entre avanços da medicina e da prevenção de doenças e que ignora o enorme contingente de mortes precoces pelas mãos da polícia, acidentes de trânsito, de trabalho, entre outras mortes que em meio à crise e às políticas de liberação do gatilho fácil, tendem a aumentar. Esse gatilho pode inclusive ter um diferencial de gênero – agravando ainda mais a misoginia da reforma – que faça as mulheres terem idade superior aos homens.

A intenção de Paulo Guedes é fazer esta reforma render 60% a mais do que a proposta que o golpista Michel Temer tentou aprovar em 2017. Temer tentou aprovar no Congresso um pacote de ajustes de cerca de 800 bilhões de reais em um período de 10 anos, mas após sofrer alterações a medida economizaria o valor de 480 bilhões no mesmo período. A nova estruturação proposta por Bolsonaro e a equipe de governo presente em Davos, retira cerca de 1,3 trilhões de reais no mesmo período, e é em cima desses valores que o imperialismo baba para rentabilizar em cima de privatizações e monopólios sobre a carcaça da classe operária brasileira.

Toda "economia" com a previdência dos trabalhadores é na verdade uma condenação a que trabalhem mais anos, morram sem se aposentar e ganhem aposentadorias de miséria. Ao mesmo tempo a proposta retira responsabilidade dos empresários capitalistas, que hoje pagam 11% do salário para o valor previdenciário arrecadado e pagariam 8,5% segundo a nova proposta do governo. A proposta também prevê a transformação do fundo da previdência em um fundo de títulos de capitalização, permitindo aos banqueiros especularem e lucrarem em cima das aposentadorias miseráveis da classe trabalhadora brasileira. Por outro lado, o governo quer seguir dando isenções fiscais bilionárias a grandes empresas, incluindo o latifúndio exportador, que estas tenham direito de explorar mais e mais seus trabalhadores e pagando a eterna dívida pública que enriquece banqueiros e especuladores estrangeiros e nacionais.

O governo sabe é que no fundo a reforma da previdência e o seu programa econômico encontrará resistência, pois é improvável que a situação da classe trabalhadora retroceda tão profundamente sem isso. Além de uma nova geração da classe trabalhadora com novas experiências de luta, como as paralisações contra a reforma da previdência de Temer, há outras expressões pontuais já no marco do novo governo que os ataques não passarão impunes, ainda que sejam somente resistências isoladas e parciais no marco da paralisia imposta pelas centrais, onde ataques vem passando sem nenhum plano de luta.

A classe trabalhadora não está derrotada, e quando há uma mínima brecha dada pela burocracia sindical mostra sua disposição de luta. Vimos em Gravataí, Rio Grande do Sul, fortes e rápidas paralisações para impedir a aplicação da reforma trabalhista pela GM, o oposto do ocorrido em São José dos Campos, onde o sindicato da CSP-Conlutas se limitou a tentar negociar e diminuir o ataque, colocando-se contra a medida mas sem oferecer nenhum plano de lutas os trabalhadores acabaram aceitando a chantagem patronal que tentou traduzir os dizeres de Bolsonaro, afirmando que ou aceitavam ou fechariam a fábrica, tal como dizia o presidente “emprego sem direito, ou direito sem emprego”.

Também vimos a disposição de luta dos metroviários de São Paulo que impuseram ao sindicato dirigido pela CTB uma mobilização que passou por fortes reuniões de unidade e retirada de uniformes. A direção do sindicato, seguindo a orientação do partido que dirige a CTB, o PCdoB que é aliado do golpista Rodrigo Maia, conseguiu derrotar para impor a trégua e impedir que fosse realizada uma greve contra a privatização e contra a demissão persecutória de um operador de trem. A greve do metrô paulista, serviço crucial na maior metrópole do país, abria a possibilidade de uma forte convergência com os professores municipais em greve contra a reforma da previdência tucana, o SAMPAPREV, e permitia essa forte confluência para enfrentar Bolsonaro e Doria, que quer privatizar o metrô paulista e impor – como exemplo – uma reforma da previdência antes da aprovação em âmbito nacional. Nas assembleias de ambas categorias nota-se a disposição de confluência mas a burocracia da CTB em metroviários (com o vergonhoso apoio de alas do PSOL) e a direção dos professores do SINPEEM, dirigida pela Dorista, Claudio Fonseca vereador do PPS faz de tudo para impedir o desenvolvimento destas greves, impedindo-as totalmente como em metroviários ou deixando-as acontecer sem propor nenhum sério plano de guerra para curvar os deputados e governos.

Em Minas Gerais também vimos o exemplo dos trabalhadores da saúde, da UAI, que impediram logo nos primeiros dias do ano a privatização deste serviço de atendimento do qual dependem milhões de mineiros. Zema, governador bolsonarista do NOVO, sofreu essa derrota logo em seus primeiros dias de governo.
Todos esses exemplos mostram como a classe trabalhadora não está derrotada e tem energia que pode ser organizada para impedir a reforma da Previdência. Para isso é preciso impor um plano de luta a partir da organização dos trabalhadores em seus locais de trabalho e batalhar para recuperar os sindicatos para a luta de classes, tirando da mãos daqueles que querem conciliar ou se servir de migalhas que ofereçam os capitalistas enquanto direitos são trucidados, fazer dos sindicatos, esse histórico e poderoso instrumento da classe trabalhador servir para unir as fileiras daqueles que vivem de seu trabalho, para se enfrentar com os capitalistas e seus governos.

Enquanto as centrais garantem a suave e calma tramitação da reforma da Previdência o mercado e Bolsonaro respiram aliviados.

Por isso, Bolsonaro precisa aproveitar o tempo da lua de mel para avançar na sua própria pauta reacionária e atender as exigências do capital financeiro com as reformas econômicas. Mas sabe que a reforma da Previdência pode acabar com a popularidade do seu governo. Nesse sentido, o mercado financeiro e as diferentes alas do governo pressionam Bolsonaro para concentrar forças nesta reforma. Se conseguirem alinhavarem-se certamente terão mais força. O difícil é fazer isso entre todas as crises deste primeiro mês de governo sem perder “o tempo” da lua-de-mel.

O governo Bolsonaro tem exibido diferentes alas de um “condomínio” que parte do comum acordo de melhor servir ao imperialismo, especialmente o americano, garantir maiores recursos nacionais ao imperialismo pela via da reforma da previdência e das privatizações, bem como impor um barateamento de toda a classe trabalhadora com a reforma da previdência e a reforma trabalhista que está embutida dentro dela. As alas do governo dividem-se em alguns temas, entre eles o modelo e abrangência da reforma da previdência, tendo Guedes um “plano máximo”, os militares buscando atenuar o impacto desse plano no mínimo em suas fileiras, e setores “ideológicos” como o próprio Bolsonaro e seus filhos, atuando para garantir também a pauta de “costumes”. Como voz da sensatez burguesa, Rodrigo Maia, tenta convencer Bolsonaro a seguir Guedes e deixar os “costumes” para depois para que todos juntos possam impor primeiro que os brasileiros trabalhem até morrer. Nestes conflitos de interesses joga-se o que e como privatizar, o que e como negociar da reforma, como agradar a burocracia sindical por seus indispensáveis serviços de divisão dos trabalhadores, entre outras questões.

Estabelecer um equilíbrio entre estas alas, principalmente se isso se der enquanto o país vive este momento de “espera” pós-eleições, é um aspecto de preparação fundamental para o governo Bolsonaro levar adiante de maneira mais agressiva seus ataques, pois seria um passo em concentrar forças a favor do governo, se sustentado por todas as alas do imperialismo.

Um fator importante que se vincula à reforma da previdência é a crise fiscal nos estados, que já não é mais somente de RJ, MG e RS e se agravou também em vários outros. O governo federal e Rodrigo Maia, declaradamente, estão buscando um acordo com os governadores de apoio à reforma da previdência junto às suas bancadas estaduais, como moeda de troca para eventuais acordos no Regime de Recuperação Fiscal ou de que parte da venda histórica do pré-sal que querem fazer no leilão que geraria 100 bilhões vá para os governadores aliviarem suas finanças. Estas crises fiscais também podem precipitar entrada em cena de processos de luta por estado, gerando fenômenos regionais.

Alternativamente a reforma da Previdência vários estados, inclusive o Ceará, dirigido pelo PT, propõe ao STF que autorize corte de salários de servidores estaduais para resolver a situação de crise fiscal, impondo à população que depende dos serviços públicos e atacando esses trabalhadores enquanto garantem bilhões e mais bilhões aos donos da dívida pública. A dívida pública é a única parte “santa” do orçamento, aquela que não podem mexer, já os salários, a educação, a moradia, a saúde, são todas objeto de “contingenciamento”. Esse é o legado da Lei de Responsabilidade Fiscal imposta por FHC e pelo FMI e que foi fielmente respeitada pelo PT em todos seus anos de governo.

Como pode se ver a batalha da Reforma da Previdência é crucial da correlação de forças nacional. Diz respeito a quanto de recursos serão dados de bandeja para o imperialismo e para o mercado financeiro, quanto mais se explorará a classe trabalhadora, e até mesmo que nível de crise enfrentarão os estados. Nela joga-se um pedaço do destino da vida de milhões de brasileiros e ao mesmo tempo os trilhões de lucros dos capitalistas e a estabilidade do governo Bolsonaro. Faz-se mais necessária que nunca organizar a resistência da classe trabalhadora e como colocar suas organizações a serviço desta batalha, tirando-as dos freios da burocracia sindical e impondo uma frente única para derrotar a “mãe de todas reformas”.




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