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OPINIÃO | Uma Voz da Quebrada comenta a Chacina de Osasco

terça-feira 18 de agosto de 2015 | 00:00

“Naquela sala
A notícia triste
Maria cala e pensa
No filho que já não existe
Sexta feira enterro
Com caixão lacrado
Sabadão vai trabalhar
E vai no buzão lotado
Adoecendo...
Sustenta-se na faxina!
E na casa do verme
Que aplaudiu a chacina
Determinando o preço
De sua liberdade
Falsa democracia
Invisíveis Apartheid’s!”

Outra vez, ouvimos a brutal notícia de mais uma chacina na Zona Oeste de São Paulo, na noite de quinta-feira do dia 13 de agosto, nas cidades de Osasco, Barueri e Itapevi. Mais de trinta pessoas foram vítimas dos tão famosos e temidos ataques dos grupos de extermínio. Dessa vez, a ação desses desgraçados deixou 19 mortos e os demais, feridos em estado grave.

Infelizmente, tal notícia não é nenhuma novidade na rotina dos moradores pobres dessas cidades, onde a prática de chacina por esses grupos são muito rotineiras. É fato que chacinas com essa quantidade de vítimas num mesmo local não ocorrem todo dia. Porém, o que devemos ver é que, em maior ou menor escala, geralmente elas ocorrem de maneira padrão. Os assassinos sempre surgem do nada em carros ou motos, quase sempre com toucas ninjas, descarregam suas armas, baseados em seus critérios e julgamentos, fogem e nunca são identificados. As vítimas? Na maioria esmagadora dos casos, jovens, negros, pobres, e moradores da Quebrada.
Justamente pelo fato de tal situação não ser novidade é que devemos refletir sobre. Nos acostumamos tanto a casos de tal tipo que talvez não consigamos ver o que de tão terrível há por de trás de cada bala que criva a carne dessas pessoas. Muitas e muitos que têm os seus futuros interrompidos de maneira brutal, deixando o amargo gosto da saudade em familiares e amigos, como também uma sensação de revolta e impotência ao mesmo tempo.

Sempre que um agente de segurança pública é morto, seja ele policial militar, civil, guarda civil metropolitano etc., não importando o motivo, a reação, absurdamente aplaudida e aclamada por parte da sociedade, é desproporcional e com requintes de crueldade. Semanas antes do sangrento dia 13 de agosto, um GCM foi morto em Barueri e um policial da Força Tática foi morto em Osasco. Em ambos os casos, não se sabe por quem.
Como sempre, em quase todos os casos após a morte de um tira, os justiceiros em armas vão à procura daqueles que mataram um dos seus. E os alvos? Pobres e Pretos. A mídia e o secretário de segurança pública podem fingir uma comoção, criam vários argumentos para acalmar os ânimos daqueles que possam se revoltar, tentando jogar a culpa numa guerra contra a violência. Em outras palavras, os famosos encapuzados são agentes de segurança, que à paisana cometem barbaridades junto com o apoio dos policiais em serviço, que negligenciam os casos que vão chegando nos chamados. Outro detalhe nisso tudo é que, além da rádio patrulha, todo policial possui rádio ou algum tipo de comunicação não oficial. Basta que os policiais à paisana se comuniquem com os policiais que estão fazendo rondas nas regiões dos extermínios que tudo dá certo.

Para quem não sabe, Osasco, Barueri e Itapevi são três cidades que pertencem a área da mesma Central de Operações da Polícia Militar (COPOM). Ou seja, as ligações de denúncias dos suspeitos pistoleiros caíram de monte no 190. Como era um caso de vingança de um irmão de farda, ninguém foi pego, e nunca será. Existem casos extremos em que o policial à paisana mata, foge... Volta para o quartel, ou mesmo na viatura, veste a farda por cima da roupa comum e vai atender a ocorrência de homicídio na qual ele é o próprio assassino.
O Comando da PM hipocritamente diz acionar a Corregedoria para averiguar o caso. No entanto, não podemos depositar nenhuma confiança que outros policiais, mesmo civis, vão resolver tais práticas. Primeiro, não importa o órgão de segurança, o policial em seu papel repressor sempre vai defender os seus e não a lei que tanto dizem cumprir e manter, por isso vão "arredondar" essas "buchas", pois estão contemplados com a execução de mais alguns "malas" (termos que eles costumam usar em situações do tipo). Segundo, grupos de extermínio são tradicionais. Não é nenhuma novidade desses tempos atuais e sabemos que são os aparatos repressivos montados na Ditadura Burguesa Militar para caçar guerrilheiros que ainda se mantêm com suas práticas e muitas vezes financiados por empresários. A república dos assassinos segue a aço e chumbo sobre a pele dos mesmos. O capitão do Mato, representado pelos brasões e estrelas de glória em cada farda, ainda a serviço dos feitores de ontem e patrões de hoje, massacram os negros escravizados em seu passado como os negros nada libertos do presente.

Temos uma média de 50 mil homicídios por ano, dos quais mais ou menos 30 mil são negros. Tais números fazem cair por terra o pedido de pena de morte dos setores mais reacionários da sociedade: ela já existe permanentemente na história deste país. Ou mesmo a bizarrice da redução da maioridade penal para 16 anos no 3º país do mundo com população em sistema carcerário. Ser negra ou negro nesta sociedade racista já é ter todas as chances praticamente reduzidas à morte, à cela ou ao trabalho precário.
O paradisíaco Brasil possui números de mortes superiores a países em processos de guerra. Outro elemento cabreiro ligado a essa hecatombe é o lucro que a burguesia, dona das fábricas de armas, ganha com toda essa desgraça. Cada munição cravada na pele de um pobre é lucro para o patrão. A guerra contra o crime é feita através da política de segurança pública. Ou seja, dinheiro do contribuinte banhado a sangue, servindo de lucro aos senhores das armas. E, para a classe trabalhadora, resta a dor de perder seus filhos e filhas cotidianamente e, se se levantam contra a ordem, a resposta do Estado é a repressão.
"Paz" aqui não é uma pomba branca, e sim um rato cinza chumbo! Pomba branca é para gente de pele branca, do tipo que bate palma quando as SW4’s Hilux do ROTA saem do 1º batalhão de choque Tobias de Aguiar, feito loucas, prontas para uma próxima carnificina, ou quando pedem para pousar em selfie com policiais, dizendo que estão tirando fotos com seus heróis, dentre tantos outros monstruosos exemplos.

Na realidade, o que vemos não é uma guerra e sim um genocídio institucionalizado que deixaria os chefes da SS de Hitler com inveja. A democracia racial cria um apartheid invisível, que muitas vezes não permite com que vejamos o que tem por trás dessas e tantas outras mortes como as do dia 13. Isso é mais uma manifestação, das tantas que vemos, do racismo que muitos dizem não existir. Tapam nossos olhos para não percebemos a continuidade da senzala para a favela. Perceber que caçadores de negros do regime escravista hoje são os ditos homens da lei. Nesse sentido, de maneira alguma policiais podem ser considerados trabalhadores, mas sim cães a serviço dos ricos. Existe o argumento de que muitos dentro dessas corporações também são pobres, o que é real. Mas os capitães do mato também eram e vimos muito bem a quem serviram. Hoje vemos para quem a polícia serve. Na dúvida, pergunte-se o que a polícia produz além de repressão ou morte. Segurança? Apenas daqueles poucos que vivem a liberdade, a igualdade e a fraternidade nesta sociedade desigual.
Para cair nas estatísticas de morte do sistema, basta ser negro, pobre e favelado. Isso não pode ser considerado normal, como nunca foi! Os níveis de repressão das polícias brasileiras são proporcionais ao nível de força que a classe trabalhadora pode dar como resposta. O debate sobre o genocídio da população negra deve urgentemente ser pauta em todos os lugares possíveis, como nos movimentos negros, movimento hip hop, movimentos sociais, movimentos estudantis, sindicatos, partidos políticos e etc.

Não podemos acreditar em nenhum momento que podemos humanizar a polícia, e sim exigir o seu fim. A nossa segurança temos que organizar por nós mesmos. A forma como ela é organizada pelos racistas capitalistas, servindo aos seus lucros, resultam na morte estrutural dos nossos. Os sindicatos da esquerda, todos, deveriam pautar o genocídio da população pobre e negra, no sentido de chamar paralisações e greves para cada jovem morto por essa polícia assassina. Assim como a juventude deve tomar as ruas pelo mesmo motivo. Devemos exigir o fim dos tribunais militares e dos aparatos da segurança pública. Estes sempre servem para “passar o pano” para os crimes cometidos pelo Estado. Eles deveriam ser julgados pelo povo, em um juri popular.
A impotência da ideia de não podermos fazer nada frente a acontecimentos tão brutais é o que os opressores e repressores esperam: que nos calemos e aceitemos o aumentar dos número do maior genocídio da história da humanidade, o da população negra. A dita democracia, colecionadora de chacinas, agora anota mais uma de suas glórias, os crimes de agosto. Não dá pra levar a sério pessoas que, ainda por cima de tudo isso, pedem intervenção militar, como aconteceu nas manifestações do último dia 16.

Essas mortes não podem continuar sendo consideradas como normalidade. Precisamos erguer um escudo contra esses racistas e todos os inimigos da classe trabalhadora.
Para isso, busquemos inspiração na resistência de Zumbi, Dandara, Malcon X, Panteras Negras, Revolução do Haiti, nos levantes vistos em Baltimore e Ferguson nos EUA, pelas mortes de Mike Brown e Eric Garner em 2014, onde as ruas foram tomadas com atos de milhares. Tomemos às ruas por tantos Eduardos, Fernandos, Jonas, Igor’s, Deivisons, Wilkers, Amarildos, Cláudias. Não conseguimos respirar aqui também! Pela nossa autodefesa e contra-ataque já!




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