Um trabalhador que trabalhou demais precisa pensar. Mas como pensar? Primeiro é preciso se perguntar por que o olho está roxo e por que o estômago está roncando. Entender que o seu corpo é concreto, um corpo surrado e faminto, é um ponto de partida importante para este trabalhador concluir que não é o pensamento que determina o ser e sim o ser social que determina o pensamento. Os trabalhadores que sabem que fazem parte de uma classe, lutam e precisam aprender a conhecer cada vez mais. O trabalhador que não sabe e que portanto não luta, precisa aprender a conhecer, precisa aprender a lutar. Este mesmo trabalhador que não sabe e não luta, compreende que veio do útero da sua mãe e que é brasileiro. Mas o seu passado está muito além do útero da mãe: o que ele sabe sobre a história do Brasil?
Alguns “ fatos “ da história do Brasil são lembrados pelo trabalhador que ainda não conhece a história do Brasil:
ERA UMA VEZ...
Num lindo dia de sol do ano de 1888, a Princesa Isabel concedeu aos escravos a sua liberdade. Sim, uma fada que no auge da sua bondade criou uma nação de homens livres.
Pedro Álvares Cabral descobriu em 1500 um paraíso que seria batizado como Brasil. Nestas terras tudo que se planta dá... Este paraíso abriga uma diversidade cultural em que portugueses, indígenas e negros se misturaram heroicamente. É uma terra de gigantes! Esta terra é uma grande mãe que não faz diferença entre os seus amados filhos. Observamos uma história gloriosa em que todos lutam pelos seus sonhos.
Ás margens do rio Ipiranga Dom Pedro, futuro imperador do Brasil, libertou com sua espada o nosso território em 1822: nasce uma nação independente de Portugal.
Em 1964 as forças armadas, os EUA e todos os amantes da liberdade fizeram uma Revolução no Brasil. Durante 21 anos os comunistas foram afastados do poder e o progresso econômico chegou a todo o país.
Quem quiser saber sobre os primeiros heróis de nossa história precisa conhecer a coragem dos bandeirantes. Estes bravos do século XVII adentraram pelo interior do nosso território enfrentando onças pintadas, perigos da selva, índios selvagens... Devemos a eles uma parte considerável do nosso progresso.
Pausa:
Como o trabalhador que ainda não sabe pode avaliar os acontecimentos narrados acima? Primeiramente ele precisa de ferramentas, de materiais adequados.
MATERIAIS NECESSÁRIOS PARA O TRABALHADOR PENSAR A HISTÓRIA DO BRASIL:
1- Lente de aumento
2- Banana de dinamite
3- Despertador
Com estes materiais o trabalhador está equipado para um exame crítico. Vejamos: a lente de aumento possibilita ir além das falsas aparências. A partir de agora o trabalhador faz uso da lente de aumento para estudar história. O proletário descobre que muito antes da Princesa Isabel e dos interesses do Capital inglês oitocentista, existiu uma gigantesca luta de séculos contra a escravidão protagonizada pelos próprios cativos: uma luta que vai do Quilombo de Palmares e chega no movimento abolicionista. O proletário entende que a nossa formação histórica na América portuguesa envolveu a destruição de povos indígenas e a utilização de escravos de origem africana nas fazendas de engenho. O proletário observa que os Bandeirantes não tinham nada de heroicos, que eram caçadores de índios e de escravos fugitivos. O proletário descobre que os povos indígenas lutaram, resistiram contra a colonização. O proletário percebe que na prática a Independência do Brasil gerou um Estado opressor voltado exclusivamente para os interesses econômicos das classes proprietárias. O proletário conclui que este Estado assumiu ao longo da história formas autoritárias, como ilustra por exemplo o Golpe de 1964: foram 21 anos de perseguições, prisões, torturas, assassinatos, exílio e censura.
Após utilizar a lente de aumento o trabalhador faz uso da banana de dinamite para explodir as falsas imagens da história do Brasil: vão pelos ares as distorções e os ocultamentos presentes na construção das narrativas dominantes. Agora o proletário tem em mãos um despertador colocado entre ele e o nosso passado: revendo a nossa história a partir das lutas dos oprimidos o despertador toca, repica, faz um alerta para que o trabalhador compreenda a luta de classes. Ele passa a ouvir inclusive a história do movimento operário brasileiro. Agora este proletário que não sabia, sabe porque apanha e passa fome.
Imagem: "Juramento da Princesa Isabel Como Regente do Estado e Como Herdeira do Trono Brasileiro ", de Victor Meirelles
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