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PROGRAMA | Um debate programático com a plataforma VAMOS base da candidatura de Guilherme Boulos

A plataforma VAMOS se propõe a tentar remendar os frangalhos desse regime podre, tomando algumas demandas democráticas como “tábua de salvação” e alimentando as ilusões de que é possível, novamente, fazer desse Estado um órgão de conciliação onde explorados e oprimidos cheguem a acordos “justos” com seus exploradores e opressores. Essa fórmula tem como expressão econômica a luta contra o rentismo e um programa de desenvolvimento nacional ainda mais utópico nas condições da crise capitalista do século XXI.

segunda-feira 2 de abril de 2018 | Edição do dia

A plataforma VAMOS, iniciativa da Frente Povo Sem Medo, realizou em 2017 uma série de debates com o objetivo de elaborar um programa para o país, que agora vai servir de base para o programa da candidatura de Guilherme Boulos a presidente do Brasil pelo PSOL/PCB com Sonia Guajajara como vice, reconhecida liderança índigena. Nesse projeto de elaboração programática participaram desde setores petistas como Tarso Genro, até setores da esquerda que se reivindicam revolucionários. Já criticamos aqui a completa falta de independência política que, desde o início, o VAMOS tinha em relação ao petismo do ponto de vista da composição, chamando seus representantes para sentarem à mesa e debaterem um programa para a esquerda como se não tivesse sido esse o partido que por 13 anos esteve à frente de garantir a manutenção do regime capitalista brasileiro, com lucros recordes para banqueiros, empresários e o agronegócio. Nesse artigo queremos também avançar na critica ao conteúdo do programa elaborado.

É preciso fazer esse debate sem cair na armadilha que o programa dessa plataforma coloca de partida. Não existe nenhuma fundamentação geral, cada eixo é um conjunto de pontos lançados ao papel, sem uma sistematização e às vezes sem uma unidade lógica entre si. É a visão perfeita do que seria uma colcha de retalhos transformada em programa. São tão heterogêneos os setores políticos que a plataforma tenta unificar programaticamente, que não poderia ser diferente. Nessa unidade sem princípios, o programa aposta na pouca sistematização ou fundamentação dos seus pontos para ocultar a perspectiva estratégica que lhe serve de base: reformas democráticas graduais do estado capitalista, buscando a ampliação de direitos sociais e trabalhistas para a maioria da população sem se chocar com as bases da exploração capitalista e da propriedade privada.

O que expressa o programa VAMOS é uma visão renovadora das utopias lulistas, visando uma transformação por dentro dessa democracia dos ricos, propondo algumas mudanças nesse regime e na economia, combatendo o rentismo e oferecendo a já falida visão nacional-desenvolvimentista.

A iniciativa da plataforma VAMOS, a partir o nome indo até o conteúdo programático, se inspira não só na experiência fracassada do petismo, mas também nas novas experiências reformistas como Podemos no Estado Espanhol ou Syriza na Grécia, apesar de sequer citá-las na plataforma. Essas novas experiências reformistas não tem o peso social do reformismo tradicional, que a exemplo do petismo se constituíram com peso nos sindicatos de trabalhadores, mas compartilham sua política de conciliação de classes e suas ilusões em promover reformas através de conquistar posições nos regimes democráticos burgueses. Em pouco tempo o governo antiajuste do Syriza terminou aplicando as medidas de ajuste exigidas pela União Europeia e pelo FMI, traindo a enorme luta do povo grego que inclusive havia se pronunciado majoritariamente, em plebiscito convocado pelo próprio governo Syriza, contra o ajuste. Na Espanha o Podemos tentou se colocar como uma nova alternativa de esquerda, mas terminou aplicando um governo de ajustes em Madrid, a perspectiva de um governo em aliança com o PSOE e ao declarar equidistância entre o nacionalismo espanhol e o nacionalismo catalão, terminou virando as costas para a luta do povo catalão e blocando na prática com o reacionário regime da monarquia constitucional espanhola.

Nossa perspectiva ao criticar o programa da plataforma é oposta à de velhos e novos reformismos, de lutar por pequenos direitos no marco do sistema capitalista, que a cada crise nos arranca mais do que havia concedido. Nos inspiramos em exemplos como o da FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) e do PTS na Argentina, que mostram que é possível que uma esquerda operária e socialista se fortaleça, não só eleitoralmente mas avançando em peso orgânico dos locais de trabalho e estudo, a partir de um programa de independência de classe, oposto a todas as variantes patronais ou reformistas.

Um programa econômico nacional desenvolvimentista

O ponto de partida do programa econômico da plataforma VAMOS como um “um projeto econômico voltado para o interesse das maiorias, o combate aos privilégios e ao rentismo” é de um “um novo modelo de desenvolvimento, em sintonia com a questão ambiental, social e com a diversidade”. Para além de que não se sabe o que querem dizer com um modelo baseado na diversidade – se é diversificação dos ramos econômicos e investimentos, ou se querem fortalecer algo como um mercado do “pink money” – o programa econômico da plataforma VAMOS sequer aborda a situação econômica geral de crise capitalista em que esse plano seria implementado, não tenta sequer fazer um diagnóstico da recessão brasileira e faz abstração da posição que o Brasil ocupa no mercado mundial.

Em meio à crescente disputa comercial entre as principais potências mundiais, com a China emergindo como um novo competidor que começa a ter uma política ofensiva sobre a América do Sul, pensar qualquer projeto econômico que não parta dessas crescentes contradições é um exercício de ficção e não um projeto econômico sério.
O documento, ao fazer abstração das condições concretas do mercado mundial e da posição do Brasil nele, também não diz nada sobre as pesadas correntes que subordinam o Brasil às grandes potências imperialistas. Por qualquer ângulo que se analise a economia nacional, salta à vista a profunda situação de dependência do Brasil. A principal ferramenta dessa subordinação é o mecanismo da dívida pública – interna e externa – que em 2017 consumiu quase 40% do orçamento federal; sem romper com esse mecanismo é impossível realizar um plano ofensivo de investimentos públicos, e nem se coloca a possibilidade de acabar com a subordinação do Brasil às potencias imperialistas.

Sobre isso a plataforma propõe: “Auditar a dívida pública, como prevê a Constituição, visando o enfrentamento dos juros abusivos aplicados aos títulos da dívida e a discussão pública e soberana do histórico de sua formação”. A principal ferramenta do rentismo, que o documento identifica como principal inimigo a se combater, é justamente o mecanismo da dívida publica que drena as riquezas do país para os bolsos de um punhado de capitalistas. É preciso romper pela raiz com essa subordinação e não apenas reduzir seus impactos com a revisão dos juros pagos nessa sangria de recursos que é a dívida pública. Também uma política sistemática de crédito barato aos pequenos produtores e aos pequenos comerciantes, e um sistemático investimento público em obras de interesse nacional, na reversão da matriz enérgica e da mudança do padrão primário exportador do país – que exigiria grandes investimentos em maquinaria industrial - são impensáveis sem o não pagamento da dívida pública e a nacionalização do conjunto do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores.

Mas a dependência do Brasil vai além e, por exemplo, em 2017 a Bovespa teve 48% de participação estrangeira. Não só a Bovespa, mas todo sistema de credito que abastece as empresas que ligadas ao mercado interno, para não falar dos grandes “global players”, são profundamente dependentes do capital financeiro internacional. É preciso romper com essa subordinação, que sequer está pontuada na plataforma VAMOS.

O diagnóstico dessa dependência estrutural é fundamental. Qualquer medida minimamente progressista, como seria a proposta de reversão das privatizações e nacionalização dos setores estratégicos, ou até mesmo uma medida moderada de rever os juros da dívida externa, seria respondida com profundos ataques especulativos contra a economia nacional, fuga de capitais, especulação contra a moeda, retaliações econômicas contra as exportações brasileiras. Essas medidas seriam inconcebíveis sem o monopólio do comércio exterior e nacionalização do sistema bancário, únicas armas sérias para combater a fuga de capitais. As empresas estatizadas, além disso, não poderiam permanecer nas mãos da burocracia ineficiente e corrupta, teriam que passar a ser administradas pelos próprios trabalhadores. Mas esse programa no seu conjunto significa um programa para uma revolução e é inseparável da luta pela derrubada do poder burguês, ponto que discutiremos na sequência.

Ao contrário disso, a plataforma VAMOS ordena seu programa ao redor do “desenvolvimento da indústria nacional”, ou seja, uma orientação completamente subordinada à propriedade privada dos meios de produção capitalista, ignorando ingenuamente a relação do capital nacional com os amos das finanças internacionais, um projeto na contramão de abolir o sistema econômico da burguesia para o objetivo de reorganizar a economia sobre bases socialistas. Não admira a falta de diferenciação com o PT, que se guiou no interior do que foi permitido pelo modo de produção capitalista em seus anos de governo federal. O “Manifesto para Reconstruir o Brasil”, que o PSOL assinou juntamente com o PT, PCdoB, PSB e com o PDT (agora com Kátia Abreu) não se diferencia da plataforma VAMOS quanto a sua subordinação aos marcos do capitalismo semicolonial.

Quando a plataforma VAMOS concentra toda sua crítica sobre o rentismo, transforma em programa econômico a conciliação de classes. O que está pressuposto no documento é uma divisão arbitrária entre capital produtivo e especulativo, que não tem mais razão de ser nas condições do capitalismo do século XX, o que dizer do século XXI.

Já na sua obra clássica de 1916, Lênin definia o capital financeiro como a fusão do capital bancário com o capital industrial, desde então esse processo só se aprofundou. O chamado “rentismo” está presente na composição acionária de todas as empresas com ações na bolsa, e os monopólios industriais especulam no mercado acionário e cambial – lembre-se do exemplo da Sadia que foi praticamente à falência por erros cometidos nos seus investimentos no mercado de câmbio do auge da crise em 2008.

Sobre essa divisão arbitrária, o documento retoma uma política de cunho keynesiano que visa o crescimento econômico baseado em dois tipos de estímulo. Por um lado, aborda as demandas econômicas da classe trabalhadora do ponto de vista do fortalecimento do mercado interno, propondo a valorização do salário mínimo e a retomada em nova escala do programa bolsa família, retomando em partes a própria política econômica lulista, que só foi possível numa situação de crescimento econômico mundial que não deve se repetir nos próximos anos. Por outro, propõe uma drástica redução dos juros, controle do câmbio e de capitais, além da utilização das reservas cambiais e do compulsório dos bancos para fortalecer o investimento público.

Não se combate, mais uma vez, a propriedade privada dos meios de produção, cuja abolição se pressupõe como utópica. Ao separar os interesses do capital industrial e do rentismo, o documento – sem dizê-lo abertamente – acaba supondo que se possam confluir os interesses dos operários com a burguesia nacional, ou com “patrões nacionais”, uma ideia tão antiga quanto antiquada, como a história do século XX tem mostrado.

Os capitalistas, frente à crise econômica, precisam mais do que nunca aumentar sua rentabilidade, o que pressupõe ataques cada vez maiores ao salário e aos direitos trabalhistas. As medidas que o documento propõe, como redução da jornada sem redução do salário, restrição às demissões imotivadas (que já é uma medida parcial, sujeita a muitas interpretações legais sobre o termo “imotivada”) e revogação da reforma trabalhista, ou o fim da lei de responsabilidade fiscal, seriam impossíveis sem uma enorme mobilização do conjunto da classe trabalhadora – questão que o documento sequer aborda. Na medida em que os integrantes da plataforma VAMOS, entre eles petistas, passaram longe de aplicar essas medidas nos seus governos e que mesmo campanhas do PSOL, como a de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, sequer tocaram em pontos como a lei de responsabilidade fiscal, é evidente que muito desse programa está escrito para satisfazer as alas esquerdas da plataforma e que não vão sequer se transformar em discurso de campanha.

Para que os trabalhadores não paguem pela crise não é para nada suficiente um programa moderadamente desenvolvimentista. Sem avançar em medidas anticapitalistas, que ataquem a propriedade privada dos meios de produção, é impossível resistir aos ataques que mesmo medidas tímidas como as propostas contidas na plataforma VAMOS gerariam por parte dos capitalistas. A redução da jornada de trabalho sem redução de salário teria que ser acompanhada pela partilha das horas de trabalho entre empregados e desempregados (um ataque frontal aos lucros capitalistas e à miséria a que condenam milhões de trabalhadores), pelo aumento dos salários de acordo com o aumento da inflação, por um salário mínimo que atenda as necessidades de uma família, além da efetivação de todos os terceirizados sem necessidade de concurso público ou processo seletivo, para que deixem de existir trabalhadores de primeira e de segunda categoria.

Um programa de reformas do poder político dos capitalistas

O ponto da plataforma VAMOS denominado “Poder e política” se baseia em princípios como “ampliar o processo de participação política”, afirmando que a “‘governabilidade’ deve ser feita com as maiorias sociais, contrapondo o pacto entre as elites que favorecem a corrupção e ampliando a democracia e a participação das pessoas nas decisões do Estado”. A partir dessa concepção, tem como finalidade “uma ampla Reforma profunda do sistema político, de baixo para cima”.

De partida, podemos dizer que essa concepção leva a imensos erros: ela parte de um pressuposto que nos é vendido pela ideologia da classe dominante de que o Estado é, por princípio, um órgão “neutro”, um juiz entre os conflitos sociais que paira por cima das contradições fundamentais da sociedade – com a oposição entre trabalhadores e capitalistas como a mais decisiva – e cujo conteúdo social pode ser “preenchido” de diversas formas. Assim, se hoje ele é definido por um “pacto entre as elites que favorecem a corrupção”, a nossa tarefa fundamental deve ser “ocupar” esse Estado para que seja ampliada a “democracia” e a “participação das pessoas nas decisões do Estado”. O Estado é fruto do caráter irreconciliável das contradições de classe, e da necessidade de conter o antagonismo entre as classes nos marcos da ordem imposta pela classe dominante, a burguesia. Como diz Engels, é “por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante”, adquirindo os meios de repressão e exploração da classe trabalhadora no capitalismo.

Esta “força pública para a escravização social”, nos termos de Karl Marx, não pode ser colocada à disposição dos trabalhadores, contra os quais exerce todo o despotismo social dos capitalistas. Esta é a real natureza do Estado na sociedade moderna, e qualquer visão sobre uma suposta “integração das massas nas decisões do Estado” por fora da perspectiva da revolução para destruir este aparato da burguesia – como faz a plataforma VAMOS – serve apenas para gerar ilusões nas massas. A ideia da reforma do Estado burguês pela via da conquista de posições em suas instituições – não muito longe da concepção nutrida pelo PT – foi já o gérmen de múltiplas tragédias para a classe trabalhadora no século XX.

A ideia de que a “ampliação da participação” popular pode ser uma solução ignora o fato de que quem manda no Estado – mesmo quando o sufrágio universal é respeitado e não há golpes institucionais derrubando presidentes ou decisões judiciárias arbitrárias vetando candidaturas e condenando candidatos à prisão, como ocorre hoje em um momento de crise – é o poder econômico dos capitalistas.

O caso da JBS – que é apenas a ponta de um imenso iceberg – é um exemplo bastante concreto disso: a empresa comprou 1.829 políticos com suas doações de campanha, incluindo um terço do Congresso eleito em 2014, e R$ 150 milhões apenas para as campanhas de Dilma e Lula. Ao mesmo tempo, o fez recebendo bilhões do dinheiro público via BNDES, e sem nenhum problema desrespeitando as leis trabalhistas e matando e mutilando milhares de trabalhadores. São empresas como a JBS que mandam no Estado brasileiro, e os privilegiados políticos e juízes são apenas os “testa-de-ferro” de seus negócios sujos. Ou, para usar uma expressão de Marx, “o Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios da burguesia”.

Frente ao ligamento umbilical dos capitalistas com seus representantes no Estado, as mudanças propostas pela plataforma VAMOS não teriam mais que efeito decorativo, tal como a “quarentena de dois anos” para que um diretor de grande empresa assuma um cargo público - Henrique Meirelles, por exemplo, por 28 anos trabalhou no Bank Boston antes de se tornar ministro de Lula e depois de Temer, sendo idealizador das reformas trabalhista e previdenciária; a “quarentena” do VAMOS estaria longe de impedir sua atuação. Ou ainda a divulgação anual de declaração de bens de membros do Executivo, Legislativo ou Judiciário, questão que já é exigida nas eleições e que não muda absolutamente nada. Como os esquemas de décadas de caixa dois que vieram a público demonstram, perpassando governos inúmeros e incluindo centenas de empresas e milhares de políticos, a corrupção é inerente a esse regime político e ao Estado capitalista. É o “lubrificante” da engrenagem dos negócios que incluem bancos, agronegócio, empresas, políticos.

Assim, da mesma forma, propostas como o “orçamento participativo”, também requentado dos programas petistas de antigamente, são absolutamente estéreis, servindo como uma “cortina de fumaça” para os grandes negócios realizados nos parlamentos da burguesia. A cidade estrela do orçamento participativo petista, reivindicada como exemplo pelo Banco Muncial, é Porto Alegre, que conta com esse mecanismo desde 1989. Nenhuma diferença substancial pode ser notada nessa capital, cujos conselhos decidem por menos de 5% do orçamento da prefeitura.. Enquanto se estabelece esse teatro de uma “consulta” popular sobre esse ou aquele aspecto secundário do orçamento, a burguesia e seus políticos seguem decidindo o que realmente importa. A ideia de ampliar a parte do orçamento decidida nesses conselhos também seria impossível sem um agudo processo de lutas e mobilizações. No mesmo sentido de “controle popular” sobre o parlamento estão propostas de “Pedido de Veto Popular”, de Plebiscitos sobre algum projeto de lei ou dos “Conselhos Populares territoriais”, ou dar mais poder aos já existentes e inócuos conselhos setoriais, que ao mesmo tempo não se sabe como eles ficariam livres dos lobbies que controlam o próprio parlamento. Enquanto o poder continua nas mãos desses parasitas, algum tipo de “fiscalização” extremamente secundária confere a ilusão de maior “participação popular” no poder político que segue inteiramente nas mãos dos capitalistas.

Outras propostas são ainda mais inócuas, e poderiam mesmo ser apresentadas pelos partidos da burguesia como medidas de “reforma política” para tentar conter o desgaste que hoje sofrem por todos os lados, tais como o “voto em lista fechada mediante a realização de prévias democráticas pelos partidos”. O que isso muda na forma completamente antidemocrática como se escolhem os representantes do Estado? Em um país onde a legislação é tão antidemocrática que não se pode sequer legalizar um partido sem um enorme poder econômico por trás (demonstração disso é que até Marina Silva, com Itaú e Natura como aliados, teve certa demora para legalizar a REDE), em que trabalhadores não têm a menor possibilidade de se candidatar de forma independente e participar das eleições, em que os espaços na televisão e nas mídias são sempre reservados às candidaturas patronais dos capitalistas, o VAMOS propõe “lista fechada” e “prévias democráticas” para democratizar a eleição. Sequer existe a denúncia contra este sistema político integralmente anti-democrático e anti-operário.

O mesmo tipo de mudança absolutamente cosmética se encontra em propostas como a obrigatoriedade de que se cumpra o cargo para o qual foi eleito até o final, com o fim de “impedir o carreirismo político e a lógica de troca de apoio por cargos” – que talvez entre em contradição com atuais parlamentares do PSOL. Mudanças como essa, ou como a proposta do financiamento público de campanha sob o argumento de “combate aos partidos fisiológicos que fazem da política um negócio” expressam a radical limitação do programa do VAMOS, como se o problema fosse um ou outro mecanismo de funcionamento eleitoral que, ao ser modificado, fosse “limpar” o regime político.

Essa lógica acaba sendo funcional ao propósito de ocultar que é o próprio fundamento do Estado, e consequentemente do regime, que faz com que ele funcione como um perpetuador da exploração e da miséria capitalista. Não se trata de um partido “imoral” que “faz da política um negócio”: no Estado capitalista, toda política é um negócio, na qual judiciário, executivo e legislativo se tornam peças no tabuleiro comandadas pelos grandes capitalistas e pelo imperialismo.

Demandas de radicalização da democracia, como o fim do Senado, essa câmara oligárquica, fazem parte de um programa para a superação do capitalismo, mas com uma condição fundamental: que não sejam um “fim em si mesmas” e se articulem com um programa que enfrente globalmente o poder político dos capitalistas, se enfrentando com esse regime político e também com o Estado com a perspectiva de destruí-lo pela via revolucionária, e substituí-lo por um Estado transitório dos trabalhadores, vinculado à dinâmica da revolução internacional.

Quando levantamos, por exemplo, a consigna de que “todo político ganhe como uma professora”, ela expressa uma denúncia e um combate a privilégios fundamentais dos políticos, que fazem parte do mecanismo de manutenção do regime e mesmo do Estado burguês e tem como objetivo debilitar as condições de ação do próprio Estado burguês e ao mesmo tempo levar a uma luta prática imediata contra o regime atual. São privilégios como os altos salários – mas não apenas eles – que os capitalistas utilizam para manter os “seus” políticos e juízes fiéis. Nos inspiramos, como fizeram Marx e Engels, nas lições da Comuna de Paris, que instituiu o “salário de um operário qualificado” para os seus representantes, mas também avançou em outras medidas como a revogabilidade dos cargos a qualquer momento, a eleição e revogabilidade de juízes, o fim do exército e da polícia permanentes e sua substituição por milícias operárias.

Algumas dessas medidas de democracia radical são tomadas de forma atenuada pelo programa do VAMOS, como a “redução salarial drástica no Legislativo, Executivo e Judiciário”, e a “instituição do Referendo Revogatório para todos os mandatos, mediante adesão de parcela do eleitorado”. Contudo, de medidas radicais tomadas pelos communards em 1871, e que inspiraram Marx e Engels a justamente ver na lição da Comuna que “não basta a classe operária se apoderar da máquina de Estado para adaptá-la aos seus próprios fins”, essas mesmas medidas se transformam no contrário no programa do VAMOS: como palavras vazias para justificar a finalidade de “se apoderar” da máquina do Estado burguesa pela via eleitoral para “melhorá-la”. Se tomadas de forma isolada, inclusive, essas demandas podem até mesmo ser incorporadas pelos capitalistas com o objetivo de preservar o fundamental de sua dominação.

Essa lógica da plataforma VAMOS de melhorar a maquina estatal desde dentro está presente quando o documento trata do problema das forças de repressão do estado. Defende a “desmilitarização da segurança pública” e “mecanismos democráticos de controle sobre a atividade policial”. A insuficiência do programa de desmilitarização fica evidente, por exemplo, quando lembramos que a policia nos EUA é civil (a polícia mais assassina de negros depois da brasileira), ou que o Dops durante a ditadura militar também era civil.

O problema da repressão estatal não é se são policiais de farda ou sem farda que implementam a repressão, mas que essa polícia visa proteger um programa de reformas do estado burguês. Por isso não se pode ir além de um programa de reforma das polícias, inclusive gerando a ilusão de que é possível o controle “democrático” por parte de civis desarmados sobre o braço armado do estado. Um programa incapaz de terminar com a repressão estatal que assassinou Marielle neste último mês.

É impossível efetivar a ilusão fomentada pela forma como o VAMOS apresenta esse programa – de que basta defender esse programa de forma “pacífica” nas eleições e “ganhar no voto” para conseguir implementá-lo, prescindindo de uma atuação independente dos trabalhadores com os métodos da luta de classes como as greves. Deve-se lutar, na atual situação nacional, pelo mais radical da democracia representativa do Estado moderno, uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana em meio à qual se possa lutar por um programa anticapitalista, e que só pode ser conquistada de fato – diferenciando-se, por exemplo, da Constituinte tutelada pelos militares de 1988 – com a luta independente dos trabalhadores. Ao contrário da Constituinte de 88, onde Sarney manteve os poderes presidenciais e os usou como veículo da pressão militar sobre a constituinte e para organizar o reacionário “centrão” - uma aliança de partidos e setores de partidos que teve como objetivo manter a constituição dentro dos limites aceitáveis para os empresários e os militares -, a Constituinte por que lutamos deve acumular em si os poderes legislativos e executivos e colocar em debate os grandes temas que discutimos neste documento.

Isso ainda está longe de ser efetivamente a derrubada do poder político capitalista, mas é uma luta pelo máximo de democracia que – pelo menos na teoria – se poderia atingir sob esse Estado, mas que efetivamente a burguesia jamais irá realizar. Mas a própria luta e a conquista disso só poderia se dar em enfrentamento aberto com a classe capitalista, e, efetivando-se ou não, ficaria demonstrado o limite real desse Estado, em que o direito fundamental da burguesia – a propriedade privada dos meios de produção – jamais poderia ser eliminado pelo mero sufrágio universal, ou seja, sem que se destruísse esse Estado no sentido da criação de um governo operário baseado na democracia dos próprios trabalhadores.

A plataforma VAMOS não faz referência a nenhuma experiência dos governos pós-neoliberais da América Latina

É como se o debate programático realizado pelas organizações que integraram a plataforma VAMOS partisse do zero. Muitos dos que participaram desses debates integraram ou apoiaram as experiências dos governos tidos como de progressistas ou nacionalistas que surgiram na América Latina com a crise do neoliberalismo.
Qual balanço fazem os integrantes da plataforma VAMOS sobre a experiência do chavismo na Venezuela, impotente frente aos ataques da direita e do imperialismo, que levou esse país a uma das maiores crises econômicas da sua história e a um poder cada vez maior dos militares? Como se posicionam sobre a experiência dos governos kirchneristas na Argentina, do governo Evo Morales na Bolívia, do governo Fernando Lugo no Paraguai, Rafael Correia no Equador, dos governos da Frente Ampla uruguaia, dos governos de Zelaya em Honduras ou do governo Sandinista na Nicarágua? Uma plataforma que se coloca como um programa de governo para o Brasil, sem dúvida deveria fazer um balanço dessas experiências, do contrário estará fadada a repetir a orientação programática pró-capitalista desses governos – que vão dando lugar a grandes crises como na Venezuela, ou a governos de direita como na Argentina, Honduras, Paraguai...

Mais grave é a ausência completa de qualquer referência aos governos petistas no Brasil, ainda mais quando a plataforma VAMOS defende o aprofundamento de várias medidas aplicadas por esses governos. O programa do PT, em muitos pontos convergente com o da plataforma VAMOS, foi vendido pela direção lulista como algo a ser conquistado pela via da conciliação de classes, da eleição de parlamentares e de cargos executivos. Enquanto isso, o protagonismo político dos trabalhadores organizados e dos demais movimentos referenciados no PT era cada vez mais esvaziado. Como consequência, ocorria a criação da “governabilidade” parlamentar compondo uma “maioria” com PMDB, PP, Bolsonaros, Felicianos, Sarneys, Malufs e Collors. Ou seja, jogando pelas regras do jogo político da burguesia.

Em um momento em que passamos por um golpe institucional, com repugnantes atentados de extrema-direita à caravana de Lula e do PT, no qual nem o direito mais elementar do sufrágio universal é respeitado e que o simples direito de escolher em quem votar foi cassado por um punhado de ministros do STF que condenaram Lula sem provas enquanto cinicamente dezenas de notórios corruptos ocupam seus cargos e concorrem às eleições livremente, o que o VAMOS propõe não nos oferece nenhuma avaliação dos fatos mais importantes da história recente do Brasil.

As lutas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, grandes ausências na plataforma VAMOS

Junto da ausência do balanço dessas experiências e seu fracasso, outra grande ausência é a da apreciação das principais lutas da classe trabalhadora, da juventude e dos movimentos sociais. O VAMOS é apresentado como composto por “movimentos sociais, lutadoras e lutadores de todo o Brasil”, mas nenhuma das lutas deixa qualquer lição que para essa plataforma seja digna de menção. Desde as lutas mais recentes contra os ataques, seja a greve geral do 28 de abril, as distintas jornadas que houve, a onda de ocupações contra a PEC 55 e o ato em Brasília, a luta contra o golpe, até processos como as jornadas de junho de 2013 e as greves anti-burocráticas de garis do RJ ou rodoviários do RS. Se essas lutas sequer são mencionadas como processos fundamentais dos quais é imprescindível tirar lições, muito menos se fala das grandes centrais sindicais e seu papel de traição, atuando de forma decidida e decisiva para levar à derrota toda a revolta dos trabalhadores contra o ataque de Temer, e cujo potencial ficou claro em 28 de abril. Até porque seria impossível fazer isso ao elaborar um programa comum com essas mesmas burocracias.

Disso deriva um dos erros do programa do VAMOS: nele não há sujeito. Ele paira no ar como se fosse ser instituído a partir do próprio Estado, ou seja, como fica claro agora com o nome de Guilherme Boulos como candidato do PSOL, como se fosse surgir das mãos de um presidente eleito, e a função de todos os lutadores sociais agora se volta para colocar esse representante no poder. Em poucas palavras, a plataforma repete a separação entre política eleitoral e luta de classes a confinação da luta de classes ao seu aspecto limitado de luta econômica em uma estratégia cujo centro era a conquista de cargos no Estado pela via eleitoral.

Contra uma estratégia que pretende que seja o próprio estado capitalista o sujeito de transformações que favoreçam a maioria da população, nós apostamos no desenvolvimento das batalhas da luta de classes e de que somente através da destruição revolucionária do estado capitalista poderemos ter melhoras significativas e duradouras para os grandes problemas que atingem a imensa maioria do povo brasileiro.

Justamente por isso, vemos a classe trabalhadora (entendida como a classe dos assalariados modernos, cujo salário não é suficiente para acumular capital e cuja função não é a repressão), pelo papel que esta ocupa na produção capitalista, seu poder de paralisar a maquinaria do estado e pela enorme tradição de luta desta classe, como a que pode encabeçar uma aliança de todos os setores oprimidos na luta decisiva contra a ordem capitalista para abrir caminho ao comunismo em todo o mundo. Para isso é preciso superar a visão de que a luta dos trabalhadores se dá somente por questões sindicais e a luta política fica restrita ao parlamento, concepção presente em toda a trajetória petista. Buscamos construir um partido revolucionário, que retome a concepção de Lenin de tribunos do povo, uma militância proletária que utiliza cada injustiça da sociedade para denunciar as causas profundas dessa injustiça, denunciar o sistema capitalista e os governos responsáveis pela sua manutenção e preparar as condições para essa ampla aliança entre a classe trabalhadora e todos os setores oprimidos, que pode articular as forças necessárias para derrubar todo o poder da burguesia.

A luta contra as opressões

A abordagem sobre o tema das opressões às mulheres, negros e população LGBT mantém o tom inofensivo ao sistema capitalista sem um sujeito claro: "O Brasil precisa incluir toda a sua população, e acabar com o racismo, o machismo, a homofobia e a transfobia!". Assim também trata a questão indígena. Ou seja, seria uma tarefa de "todo o país" acabar com as opressões incluindo a população oprimida? Esta lógica não é nova. Durante a ofensiva do neoliberalismo, o Estado, em especial nos países centrais, avançou em um processo de integração dos movimentos sociais e por direitos civis que surgiram em especial nas décadas de 1960 e 1970 para conceder alguns direitos, mas sem alterar a estrutura atual da sociedade que é o que garante as condições de opressão.

Esta incorporação da agenda dos movimentos sociais por parte do Estado e de organismos internacionais é a expressão da busca por hegemonia da classe dominante sobre os setores oprimidos, como se este estado capitalista pudesse ser "feminista", "anti-racista" e pró-LGBT´s. Entretanto, as concessões aos movimentos sociais, que são expressão da força da luta das mulheres, dos negros e LGBT´s contrasta profundamente com o crescimento extraordinário da desigualdade social. Por isso, é preciso estar na primeira fileira da luta por cada direito mais mínimo que todos os dias o capitalismo quer nos arrancar, porém sem uma estratégia que unifique a luta dos setores oprimidos com a luta pela destruição da sociedade capitalista, e portanto com a luta da classe trabalhadora, a plataforma VAMOS termina defendendo uma estratégia de melhorias num sistema que é completamente responsável pela perpetuação da opressão. Trata-se, portanto, da reedição de uma utopia reacionária de que seria possível conquistar a emancipação dos setores oprimidos dentro de uma sociedade baseada na desigualdade, ou seja, na exploração capitalista.

A falta de uma estratégia de enfrentamento com o capitalismo, e sua substituição pela mera ampliação de direitos ao lado de setores petistas abre espaço para que mesmo demandas elementares do movimento feminista internacional como o direito ao aborto legal, seguro e gratuito seja abordado sem citar que nos 13 anos de governo do PT este direito foi entregue às bancadas religiosas, em troca de governabilidade com a direita como parte da política que abriu espaço ao golpe institucional que ataca ainda mais profundamente as mulheres. Ao mesmo tempo as medidas chamadas inclusivas como a defesa das cotas raciais uma bandeira histórica do movimento negro não podem estar descoladas de medidas que ataquem profundamente a estrutura de poder e acesso das universidades, sendo necessário levantar com força o fim do vestibular, mais verbas à educação e a estatização das universidades privadas.

Por isso, a plataforma VAMOS no que diz respeito a luta das mulheres, negros, indígenas e LGBT termina se rendendo a política neoliberal de "incorporar" algumas demandas e manter intactas as bases estruturais que sustentam tamanha violência contra estes mesmos setores.

Sobre a questão indígena a plataforma VAMOS é extremamente limitada. Para eles basta a demarcação das terras e uma exploração consciente e controlada dos recursos naturais. Um programa revolucionário deve lutar por demarcação, mas também pelo direito a auto-determinação, bem como pelo reconhecimento do Estado da identidade dos indígenas urbanos, além de uma ampla discussão com os setores indígenas sobre os direitos dos indígenas isolados.

É necessário batalhar por cada demanda com um conteúdo anti-capitalista e onde a classe trabalhadora exerça um papel de verdadeiros "tribunos do povo" levantando todas essas demandas e com os setores oprimidos da classe na linha de frente deste combate.

Conclusão

A plataforma VAMOS se propõe a tentar remendar os frangalhos desse regime podre, tomando algumas demandas democráticas como “tábua de salvação” e alimentando as ilusões de que é possível, novamente, fazer desse Estado um órgão de conciliação onde explorados e oprimidos cheguem a acordos “justos” com seus exploradores e opressores. Essa fórmula tem como expressão econômica a luta contra o rentismo e um programa de desenvolvimento nacional ainda mais utópico nas condições da crise capitalista do século XXI.

Ao contrário do que propõe a plataforma VAMOS, necessitamos de um programa que articule as demandas mais sentidas dos trabalhadores e do povo pobre e proponha uma unidade ação dos trabalhadores contra todos os ajustes, contra a intervenção federal no Rio de Janeiro e exigindo uma investigação independente por Marielle, contra a condenação arbitrária de Lula e pelo direito do povo decidir em quem votar e contra os atentados de extrema-direita contra o PT se apoiando nas principais experiências atuais da luta de classes. Ao mesmo tempo é preciso uma organização revolucionária que, estando na linha de frente dessas batalhas, articule um programa anticapitalista, que ligue a luta pelas bandeiras democráticas com as demandas de enfrentamento contra o conjunto da ordem burguesa, que se apoie nas eleições para somar forças para essa luta, que, no entanto, só pode triunfar no marco de um processo revolucionário.

Não podemos reeditar as tentativas de “governos de esquerda” de colaboração de classes e conciliadores com o imperialismo, que preservem as instituições do Estado burguês e dirijam seu modo de exploração. Não apenas na América Latina, mas inclusive na Europa com o exemplo do Syriza na Grécia (e a nível de grande capital, no Estado espanhol com o Podemos) vimos esse fracasso estratégico que a plataforma VAMOS quer recuperar.

No contexto da crise econômica internacional e a crise dos regimes e partidos tradicionais, se desenvolveram novos fenômenos políticos de esquerda frente a crise do reformismo tradicional. Na maioria dos casos tentam enfrentar uma direita cada vez mais dura com um discurso reformista e uma pratica afastada da luta de classes. Mas nem todas as experiências de esquerda que surgiram na esteira dos conturbados acontecimentos dos últimos anos buscam saídas que não se chocam com o sistema capitalista. A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores e o PTS na Argentina mostram que também está colocada a possibilidade de surgimento de partidos revolucionários fortemente estruturados na classe trabalhadora, é uma questão de estratégia e objetivos políticos.

O PTS que desde a fundação da FIT (pela sigla em espanhol) vem se consolidando como o principal partido da esquerda argentina, mostra um caminho de evolução oposto ao do neoreformismo. Com uma forte implantação nas fabricas e nos locais de trabalho, tem como signo distintivo uma pratica voltada para a luta de classes, onde todas as conquistas parlamentares se colocam em função da luta. Estão exemplos como o da gráfica Doneley, ocupada e colocada para produzir pelos seus trabalhadores, ou grandes lutas contra as demissões do ativismo da autopeças Lear, ou a grande luta contra o fechamento da fábrica Pepsico, que apesar de derrotada colocou o tema das demissões como um grande debate eleitoral e contou com o apoio dos parlamentares do PTS no primeiro posto de resistência a repressão, como ocorre nas principais lutas.

Encerramos esse texto com uma citação da “Declaração da FIT frente a situação nacional”, publicada em outubro de 2016 como parte da convocação do ato político da FIT no estádio de Atlanta. Essa declaração é uma atualização do programa de independência de classe elaborado pela FIT no seu nascimento, em 2011 e aponta um caminho alternativo para a esquerda, que não o caminho de conciliação de classe apontado pelo programa da plataforma Vamos. Ali podemos ler, junto com a mais de 20 mil lutadores que se reuniram no estádio de Atlanta em 2016:
“A crise das experiências autodenominadas nacionalistas ou progressistas é de alcance continental. Estas variantes terminaram aplicando os planos de ajuste que dizem condenar, como sucedeu no Brasil com o governo do PT (substituído pelo ilegítimo e corrupto de Temer a quem é preciso derrubar com a mobilização), na Venezuela com o governo de Maduro; e na Argentina com o kirchnerismo, que terminou pactuando com Chevrón e o Club de Paris. Repudiados por uma parte de sua própria base social, e sem condições políticas para levar adiante o ajuste que reivindica a burguesia e o capital internacional, os governos de Kirchner e Dilma terminaram relevados por alternativas direitistas. Mas muito rapidamente, os Temer e Macri se enfrentam com suas primeiras crises, como consequência da reação operária e popular e da marcha da crise capitalista, que coloca a esquerda revolucionária diante do desafio de se delimitar do nacionalismo e da centro-esquerda, inclusive quando estes buscam uma forma pretensamente esquerdista, e lutar por governos de trabalhadores e pela unidade socialista da América Latina. A Frente de Esquerda aporta uma peculiaridade no processo político continental. Diferente de outras organizações ou frentes, que em nome da esquerda levantam uma estratégia de conciliação de classes, a FIT enfrentou os governos capitalistas com um programa pela independência de classe e por um governo dos trabalhadores”.

O Brasil é um elo da cadeia de estados mundiais, e a luta de classes, portanto, tem um caráter nacional na sua forma, mas internacional no seu conteúdo. Um programa de esquerda deve vislumbrar esse horizonte da abolição mundial do sistema capitalista, entendendo a luta por derrubar a burguesia em um país não como um fim em si mesmo, mas como um meio estratégico para a luta pela revolução internacional, condição indispensável para avançar em direção à redução da jornada de trabalho ao mínimo indispensável para que o tempo social seja utilizado no desenvolvimento da arte, da ciência e da cultura, à conquista de uma sociedade de “produtores livres e associados”, o comunismo.




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