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A demissão de Stephen Bannon de seu posto como estrategista-chefe da Casa Branca é um triunfo de John Kelly e abre a possibilidade de colocar ordem nas distintas camarilhas que rodeiam o presidente. Mas será tarde demais?

terça-feira 22 de agosto de 2017 | Edição do dia

Segundo a rede televisiva CNBC, os corredores e os funcionários da Bolsa de Nova Iorque explodiram em aplausos quando chegou a notícia de que Steve Bannon, o homem por trás do triunfo de Trump nas eleições presidenciais foi demitido nesta sexta-feira de seu posto na ala oeste da Casa Branca. Mas nem tudo são flores: imediatamente, Trump tem que lidar com as consequências do efeito Charlottesville e recompor sua relação com setores da grande capital para evitar um motim generalizado em seu próprio partido.

Aos 8 meses de mandato, Trump enfrenta a pior de uma série de crises que juntas se transformaram em um peso para a sua administração. Também não é claro se a sua lista de aliados se mantém a mesma ou se reduziu a uma expressão mínima.

Steve Bannon e o Efeito Charlottesville

Matthew Continetti, do New York Times, disse que Trump não precisou de muita pressão de Steve Bannon para converter a violência racista de Charlottesville em uma demonstração de lealdade a sua base social. Segundo o editorialista o presidente "deixou claro que é ele, e não o senhor Bannon, quem mantém uma relação com seus partidários mais rígidos. O guerreiro cultural mais importante dessa administração se encontra no escritório de Resolute".

Já é possível imaginar Bannon sussurrando nos ouvidos do Presidente que não retrocedeu a linha de culpar ambas as partes, acusando uma suposta Alt-Left (Esquerda Alternativa) da violência ou o incitando a se opor a retirada dos símbolos dos Confederados em vários estados da união. Mas de acordo com vários meios de comunicação, a decisão da saída de Bannon de seu posto na administração teria sido tomada dias antes dos acontecimentos sangrentos na Virginia. Também era um segredo que Trump teria espalhado entre seus colaboradores que tinha suspeitas de que por trás dos vazamentos que mancharam os membros de seu gabinete estava o ex-diretor da revista Breitbart.

Seja como for, a inflamada resposta do Presidente sobre o acontecimento na cidade sulista da Virginia, onde faleceu a ativista Heather Hayle nas mãos das hordas da KKK, pode ter causado um dano irreparável a sua gestão.

Parte das consequências da demissão de Bannon ainda estão por vir. Sua demissão tem custos evidentes. Os partidários do nacionalismo xenófobo identificados como a chamada Alt-Right (Direita Alternativa) que ainda rodeiam Donald Trump sabem que o afastamento de Bannon cairá como um balde de água fria sobre a sua estreita base social e as grandes mídias conservadoras como a Fox.

Conforme escrito pelo editor de um dos sites identificados com o Alt-Right: "Qualquer movimentação para demitir Bannon é mais perigosa para o futuro da gestão Trump que qualquer coisa que Robert Mueller seja capaz de fazer".

Por outro lado, a permanência de Bannon na Casa Branca era uma provocação para o setor do Exército que Trump elegeu para assessorá-lo e um obstáculo para o Chefe de Gabinete John Kelly na árdua tarefa de colocar ordem no interior do círculo ao redor do Presidente.

A guerra de baixa intensidade entre Bannon, por um lado, e os militares HR McCaster e James Mattis por outro, estava sendo uma verdadeira armadilha para o Executivo.

Não é só John Kelly que sai ganhando com a saída de Bannon. Também é uma vitória da fração da ala Goldam Sachs, dirigida por Jared Kushner, genro de Trump e férreo opositor da política comercial e exterior de Bannon, além de representante dos "globalizadores" no círculo em torno do Presidente.

Na semana passada, em uma entrevista com a mídia liberal norteamericana American Prospect, Bannon deixou claro que sua carreira de conselheiro insubordinado do Presidente estava para acabar. O sarcasmo com o qual se referiu ao círculo fechado do Executivo foi, de certa forma, uma carta de renúncia diante da opinião pública: "A presidência de Trump, pela qual lutamos e vencemos, terminou", disse Bannon.

Porém, esta depuração está longe de encerrar a crise política que afeta o Executivo.

Segundo as últimas pesquisas, a aprovação de Trump está rondando os 36%, contra 55% de desaprovação. Como alertam vários analistas, o capital político de Trump está se esgotando e isso coloca em risco o regime de conjunto e imediatamente coloca o Partido Republicano em uma posição mais do que incômoda.

Os republicanos em uma encruzilhada

O efeito Charlottesville bateu nas portas do Partido Republicano. Segundo o Washington Post, os legisladores do partido de Trump estão decidindo entre retirar seu apoio ao presidente ou sustentá-lo na expectativa de avançar em uma agenda conservadora no congresso e sairem favorecidos nas próximas eleições intermediárias de 2018.

Tom Ridge, ex-governador republicano do Estado da Pensilvânia e opositor fervoroso de Trump publicou algo que poucos se atreveram a fazer: "Um partido de princípios requer liderança. Porém, neste momento, navegamos sem um timão. Necessitamos de uma força de oposição (...) e, francamente, se a conseguirmos, a maioria dos estadounidenses nos aplaudiriam".

Segundo o mesmo diário e diversos vazamentos da imprensa, a preocupação de Ridge começa a ecoar em cada vez mais legisladores republicanos e conversas particulares estão sendo agendadas, em particular após o ataque racista em Charlottesville. A pergunta que fica é se ter John Kelly a frente desse processo é capaz de moderar o comportamento do presidente. Mas, por agora, segundo propõe o próprio Washington Post, se mantém o hermetismo nas fileiras republicanas.

Um setor está consciente de que Trump mantém o apoio do voto rígido republicano em estados chave, como Iowa por exemplo. E que a ambiciosa reforma fiscal que será aprovada no próximo período, assim como a agenda destinada a saúde requer unidade com o Presidente. Segundo um estrategista republicano, com a reforma fiscal poderão "diminuir algumas das angústias que entraram em cena na semana passada (...) Recortar os impostos da classe média e melhorar a economia? Muita gente perdoará muitos pecados se isso acontecer".

No entanto, a ala mais tradicional do Partido vê as ações de Trump com profunda desconfiança, desde as suas críticas públicas ao Fiscal Geral Jeff Sessions, seus ataques à maioria republicana no sentado representada por Mitch McConnell até a demissão do ex-presidente do Comitê Nacional Republicano Reince Priebus como Chefe da Casa Branca.

As declarações de Trump a respeito da violência racista perpetrada pelo supremacismo branco responsabilizando "ambos os lados" precipitaram reações republicanas, atiçadas pelas mensagens raivosas no Twitter que o próprio presidente lançou contra legisladores como Jeff Flake e Lindsey Graham, que o criticaram abertamente. Figuras republicanas de muito peso decidiram se distanciar do Presidente. É o caso de Cory Gardner, Ted Cruz, Marco Rubio, Bob Corker, Jeb Bush e Mitt Romney.

A contradição latente no interior do partido está sintetizada na revista conservadora britânica The Spector que, em um editorial, sentenciou: "Uma vez mais, Trump demonstrou que não está apto para ser presidente. Porém, uma vez mais também podemos ver atuar as forças que o levaram ao poder".

Como se não bastasse, os setores do capital hegemônico que até agora atuaram sob a premissa de que "business are business" (negócios são negócios) decidiram fazer um forte alerta à gestão.

A CEOcracia contra Trump

As declarações de Trump a respeito do acontecido em Charlottesville não geraram somente repúdio popular, mas também levou aos principais CEOs do país a lhe darem um corretivo.

Os elogios às ações dos supremacistas brancos encabeçados por David Duke, ex-dirigente da KKK e Richard Spencer, organizador da marcha "Unidade da Direita" em Virginia precipitou a ruptura do acordo pragmático que o empresariado e a presidência sustentavam até então.

Os conselhos empresariais da gestão foram dissolvidos. Ainda que a Casa Branca tenha se preocupado em dizer que foi por iniciativa própria, os departamentos de comunicaçao das grandes companhias desmentiram a versão do executivo.

Inclusive, antes da conferência de imprensa onde Trump se negou a condenar o supremacismo branco, o diretor executivo do empório farmacêutico Merck tornou público a partir de um comunicado que estava "renunciando o Conselho Americano de Manufatura do Presidente (...) Os líderes dos Estados Unidos devem honrar nossos valores fundamentais ao rechaçar claramente as expressões de ódio, de intolerância e supremacismo, que vão contra o ieal americano de que todas as pessoas são criadas iguais. Como CEO da Merck e como uma questão de consciência pessoal, sinto a responsabilidade de tomar uma posição contra a intolerância e o extremismo".

O mesmo fizeram os CEO da Intel, Under Amour, Campbell’s Soup, 3M, Pepsi, BlacksRock’s, General Electric, entre outros.

E agora?

A demissão de Stephen Bannon como estrategista chefe da Casa Branca é a coroa das recorrentes renúncias e demissões dos conselheiros mais internos da presidência, manchados pelo Rusiagate e acusados de vazamentos ilegais pelo próprio Presidente. Uma derrota da ala "Ultra" dentro da gestão Trump que deixa uma margem maior de manobra para a política encabeçada por Kushner e cia. É a expressão da debilidade do bonapartismo trumpista e a instabilidade que define o DNA de sua administração.

Ainda está aberta a possibilidade do Partido Republicano romper com o Presidente ou não, e se um setor do capital realmente decidirá soltar a mão de Trump. Por agora, parece haver uma certa expectativa de que as mudanças na Casa Branca coloquem as coisas em ordem.

Por hora, três militares mandam na outrora ingovernável Casa Branca: John Kelly, HR McMaster e James Mattis. É tarde demais para recompor a presidência de Donald Trump? Isso significa uma maior bonapartização do executivo com consequências insuspeitávels tanto para a segurança interna quanto para a política exterior?

O que é certo é que o caráter disruptivo da presidência Trump tanto para a política doméstica nos Estados Unidos como para a ordem mundial é inegável.
Veremos.

Tradução: André Arruda




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