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Trotski, Aonde Vai a França? - 1934 (trechos escolhidos)

sábado 13 de outubro de 2018 | Edição do dia

O Desmoronamento da Democracia Burguesa

Após a guerra, ocorreram várias revoluções que obtiveram brilhantes vitórias: na Rússia, na Alemanha, na Áustria, Hungria e, mais tarde, na Espanha. Mas foi somente na Rússia que o proletariado tomou o poder em suas mãos plenamente, expropriou seus exploradores e, graças a isso, soube como criar e manter um Estado operário. Em todos os outros casos, o proletariado, apesar da vitória, se deteve na metade do caminho, por causa de sua direção. O resultado foi que o poder escapou de suas mãos e, deslocando-se da esquerda para a direita, terminou sendo o espólio do fascismo. Em outros países, o poder caiu nas mãos de ditaduras militares. Em cada um deles, o Parlamento não se mostrou capaz de conciliar as contradições de classe e de assegurar a marcha pacífica dos acontecimentos. O conflito se resolveu com armas nas mãos.

Naturalmente, na França acalentou-se durante muito tempo a idéia de que o fascismo nada tinha a ver com o país. Porque a França é uma república, onde todas as questões são resolvidas pelo povo soberano, através do sufrágio universal. Porém, em 6 de fevereiro, alguns milhares de fascistas e monarquistas, armados de revólveres, porretes e navalhas, impuseram ao país o governo reacionário de Doumergue, sob a proteção do qual os grupos fascistas continuam crescendo e armando-se. O que nos prepara o amanhã?[1*]

Na França, como em outros países da Europa (Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suíça, países escandinavos), ainda existe um Parlamento, eleições, liberdades democráticas ou o que resta disso. Mas, em todos esses países, a luta de classes se exacerba no mesmo sentido em que antes se desenvolveu na Itália e na Alemanha. Quem se consola com a frase "a França não é a Alemanha" é um imbecil sem esperança.

Atualmente, em todos os países vigoram as mesmas leis: as da decadência capitalista. Se os meios de produção continuam em mãos de um pequeno número de capitalistas, não há salvação para a sociedade. Ela está condenada a seguir de crise em crise, de miséria em miséria, de mal a pior. De acordo com cada país, as conseqüências da decrepitude e decadência do capitalismo se expressam sob formas diversas e com ritmos desiguais. Porém, o fundo do processo é o mesmo em todos os lados. A burguesia conduziu a sociedade à bancarrota. Não é capaz de assegurar ao povo nem o pão nem a paz. É precisamente por isso que não pode suportar a ordem democrática por muito mais tempo. E compelida a esmagar os operários com a ajuda da violência física. Mas é impossível acabar com o descontentamento de operários e camponeses somente através da polícia. Enviar o exército contra o povo nem sempre é possível: freqüentemente, ele começa a decompor-se e termina com a passagem de grande parte dos soldados para o lado do povo. Por isso, o grande capital é obrigado a criar grupos armados, especialmente treinados para atacar os operários, como certas raças de cachorros são treinadas para atacar a caça. A função histórica do fascismo é esmagar a classe operária, destruir suas organizações, sufocar a liberdade política, quando os capitalistas se sentem incapazes de dirigir e dominar com a ajuda da maquinaria democrática.

O fascismo recruta seu material humano sobretudo no seio da pequena burguesia. Esta termina sendo arruinada pelo grande capital, e não existe saída para ela na presente estrutura social: porém não conhece outra. Seu descontentamento, revolta e desespero são desviados do grande capital, pelos fascistas, e dirigidos contra os operários. Pode-se dizer do fascismo que é uma operação de "deslocamento" dos cérebros da pequena burguesia no interesse de seus piores inimigos. Assim, o grande capital arruína inicialmente as classes médias e, em seguida, com a ajuda de seus agentes mercenários - os demagogos fascistas -, dirige a pequena burguesia submersa no desespero contra o proletariado.
É somente por meio de tais procedimentos que o regime burguês é capaz de manter-se. Até quando? Até que seja derrubado pela revolução proletária.

As "Classes Médias", O Partido Radical e o Fascismo

Desde a vitória dos nazistas na Alemanha, fala-se muito, nos partidos e grupos de "esquerda", da necessidade de aproximação com as "classes médias" para se barrar o fascismo. A fração Renaudel e Cia. separou-se do partido socialista com o objetivo específico de aproximar-se dos radicais [4*]. Porém, na mesma hora em que Renaudel, que vive preso às idéias de 1848, estendia as duas mãos para Herriot, este as tinha ocupadas: uma por Tardieu e a outra por Louis Martin. [5*]
Apesar disso, não se conclui aqui, em absoluto, que a classe operária possa dar as costas à pequena burguesia, abandonando-a a sua desgraça. De modo algum! Aproximarse dos camponeses e dos pequenos burgueses da cidade, atraí-los para o nosso lado, é a condição necessária de êxito na luta contra o fascismo, para não falar da conquista do poder. Apenas é necessário colocar o problema de modo correto. Para isso se deve compreender claramente qual é a natureza das "classes médias". Em política, nada é mais perigoso, especialmente em um período crítico, que repetir fórmulas generalizadas, sem examinar o conteúdo social que recobrem.

A sociedade contemporânea se compõe de três classes: a grande burguesia, o proletariado e as classes médias, ou pequena burguesia. As relações entre estas três classes determinam, em última instância, a situação política. As classes fundamentais são a grande burguesia e o proletariado. Estas duas classes são as únicas que podem ter uma política independente, clara e conseqüente. A pequena burguesia se caracteriza por sua dependência econômica e sua heterogeneidade social. Sua camada superior toca imediatamente a grande burguesia. Sua camada inferior se mescla com o proletariado, e chega mesmo a cair no estado de lumpemproletariado. De acordo com sua situação econômica, a pequena burguesia não pode ter uma política independente. Oscila sempre entre os capitalistas e os operários. Sua própria camada superior a empurra para a direita; suas camadas inferiores, oprimidas e exploradas, são capazes, em certas condições, de virar bruscamente à esquerda. É por essas relações contraditórias das diferentes camadas das classes médias que sempre esteve determinada a política confusa e inconsistente dos radicais, suas vacilações entre o Cartel [6*] com os socialistas, para acalmar a base, e o Bloco nacional com a reação capitalista, para salvar a burguesia. A decomposição definitiva do radicalismo começa no momento em que a grande burguesia, ela mesma num impasse, não o deixa mais oscilar. [7*] A pequena burguesia, encarnada pelas massas arruinadas das cidades e do campo, começa a perder a paciência. Adota uma atitude cada vez mais hostil para com sua própria camada superior; se convence através dos fatos da inconsistência e perfídia de sua direção política. O camponês pobre, o artesão e o pequeno comerciante se convencem de que um abismo os separa de todos esses prefeitos, esses advogados, esses arrivistas políticos do gênero de Herriot, Daladier, Chautemps, que, por seu modo de vida e por suas concepções, são grandes burgueses. É precisamente essa desilusão da pequena burguesia, sua impaciência, seu desespero, que o fascismo explora. Seus agitadores estigmatizam e maldizem a democracia parlamentar, que respalda arrivistas e "staviskratas" [8*] mas nada concede aos pequenos trabalhadores. Esses demagogos brandem o punho em direção aos banqueiros, grandes comerciantes, capitalistas. Essas palavras e gestos respondem plenamente aos sentimentos dos pequenos proprietários, que se sentem diante de um impasse. Os fascistas mostram audácia, saem à rua, enfrentam a polícia, tentam varrer o Parlamento pela força. Isto impressiona o pequeno burguês afundado no desespero. Ele se diz: "Os radicais, entre os quais há muitos patifes, se venderam definitivamente aos banqueiros; os socialistas prometem há muito eliminar a exploração, porém nunca passam das palavras aos fatos; os comunistas, não é possível entendê-los: hoje é uma coisa, amanhã outra; é preciso ver se os fascistas podem nos salvar."

A Passagem das Classes Médias Para o Campo do Fascismo é Inevitável?

Renaudel, Frossard e seus semelhantes imaginam que a pequena burguesia está apegada sobretudo à democracia, e que precisamente por isso é necessário unir-se aos radicais. Que monstruosa aberração! A democracia nada mais é que
uma forma política. A pequena burguesia não se preocupa com a casca, mas com o fruto. A democracia se mostra impotente? Ao diabo com a democracia! Assim raciocina e sente cada pequeno burguês. Na crescente revolta das camadas inferiores da pequena burguesia contra suas próprias camadas superiores, "instruídas", municipais, cantonais e parlamentares, encontra-se a principal fonte social e política do fascismo. A isso deve-se acrescentar o ódio da juventude intelectual, esmagada pela crise, pelos advogados, professores, deputados e ministros fortuitos: os intelectuais pequeno-burgueses inferiores se rebelam também contra os que estão por cima deles. Isso significa que a passagem da pequena burguesia para o caminho do fascismo será inevitável? Não, tal conclusão seria um vergonhoso fatalismo. O que é realmente inevitável é o fim do radicalismo e de todos os agrupamentos políticos que ligam sua sorte à deste último. Nas condições da decadência capitalista, não há mais lugar para um partido de reformas democráticas e de progresso "pacífico". Qualquer que seja a via pela qual passe o futuro desenvolvimento da França, o radicalismo desaparecerá de cena, de todos os modos, rechaçado e desonrado pela pequena burguesia, que traiu definitivamente.

Todo operário consciente se convencerá desde agora de que nossa predição responde à realidade, baseada nos fatos e na experiência de cada dia. Novas eleições trarão derrotas para os radicais. Deles vão se desprender uma camada atrás da outra, as massas populares embaixo, os grupos arrivistas assustados em cima.

Deserções, cisões, traições vão seguirse ininterruptamente. [9*] Manobras ou blocos não salvarão o partido radical. Ele arrastará consigo para o abismo o "partido" de Renaudel, Déat e Cia. O fim do partido radical é o resultado inevitável do fato de que a sociedade burguesa não pode resolver suas dificuldades com métodos supostamente democráticos. A cisão entre a base da pequena burguesia e suas cúpulas é inevitável.

Mas isso não significa de modo algum que as massas que seguem o radicalismo devem, inevitavelmente, colocar suas esperanças no fascismo. Desde agora, a parte mais desmoralizada, mais desqualificada e mais ávida da juventude das classes médias já fez sua escolha nesse sentido. É sobretudo nesta fonte que se abastecem os grupos fascistas. Mas as grandes massas pequeno-burguesas das cidades e do campo ainda não fizeram sua escolha. Hesitam ante uma grave decisão. É precisamente porque hesitam que ainda continuam, mas já sem confiança, votando nos radicais. Entretanto, estas hesitações, esta irresolução, não vão durar anos, apenas meses. O desenvolvimento político vai ter, proximamente, um ritmo febril. A pequena burguesia não rejeitará a demagogia do fascismo, a não ser que tenha fé em outro caminho. O outro caminho é o da revolução proletária.

É Verdade que a Pequena Burguesia Teme a Revolução?

Os especialistas do Parlamento, que acreditam conhecer o povo, gostam de repetir: "Não se deve assustar as classes médias com a revolução; elas não gostam de extremos." Generalizada desta forma, a afirmação é absolutamente falsa.

Naturalmente, o pequeno proprietário tende à ordem, enquanto seus negócios marcham bem e enquanto tem a esperança de que marchem ainda melhor. Porém, quando perde essa esperança, é facilmente atacado pela raiva e se dispõe a abandonar-se a medidas mais extremas. Do contrário, como teria podido derrotar o Estado democrático e conduzir o fascismo ao poder na Itália e na Alemanha? Os pequenos burgueses desesperados vêem no fascismo, antes de tudo, uma força que combate o grande capital, e acreditam que, diferentemente dos partidos operários, que trabalham somente com a língua, o fascismo utilizará os punhos para impor mais "justiça". A sua maneira, o camponês e o artesão são realistas: compreendem que não poderão prescindir dos punhos. É falso, triplamente falso, afirmar que atualmente a pequena burguesia não se volta para os partidos operários porque teme "medidas extremas". Ao contrário. A camada inferior da pequena burguesia, suas grandes massas, não acredita na força dos partidos operários, não os crêem capazes de lutar, nem dispostos a levar, desta vez, a batalha até o fim. Se é assim, vale a pena substituir o radicalismo por seus colegas parlamentares de esquerda? É desta foram que raciocina ou reage o proprietário semiexpropriado, arruinado e revoltado. Sem a compreensão desta psicologia dos camponeses, artesãos, empregados, pequenos funcionários - psicologia que surge da crise social -, é impossível elaborar uma política justa.

A pequena burguesia é economicamente dependente e está politicamente atomizada. Por isso não pode ter uma política própria. Necessita de um "chefe" que lhe inspire confiança. Este chefe individual ou coletivo, indivíduo ou partido, pode ser fornecido por uma ou outra das duas classes fundamentais, seja pela grande burguesia, seja pelo proletariado. O fascismo unifica e arma as massas dispersas; de uma "poeira humana" - segundo nossa expressão - faz destacamentos de combate.

Assim, dá à pequena burguesia a ilusão de ser uma força independente. Ela começa a imaginar que, realmente, comandará o Estado. Não há nada de surpreendente em que essas ilusões e esperanças lhe subam à cabeça!

Mas a pequena burguesia pode também encontrar seu chefe no proletariado. Assim o demonstrou na Rússia e, parcialmente, na Espanha. Tendeu a isso na Itália, na Alemanha e na Áustria. Infelizmente, os partidos do proletariado não estiveram à altura de sua tarefa histórica. Para atrair a pequena burguesia, o proletariado deve conquistar sua confiança. E, para isso, deve começar por ter confiança em suas próprias forças. Precisa ter um programa de ação claro e estar determinado a lutar pelo poder por todos os meios possíveis. Unido por seu partido revolucionário para uma luta decisiva e implacável, o proletariado diz aos camponeses e aos pequenos burgueses da cidade: "Luto pelo poder. Eis aqui meu programa: estou pronto a me entender com vocês para modificar esse ou aquele ponto. Não usarei a força a não ser contra o grande capital e seus lacaios; com vocês, trabalhadores, quero fazer uma aliança baseada num determinado programa." O camponês compreenderá esta linguagem. Falta-lhe somente ter confiança na capacidade do proletariado para tomar o poder. Para isso, é indispensável depurar a Frente Única de todo equívoco, de toda indecisão, de frases vazias; é indispensável compreender a situação e colocar-se seriamente na rota da luta revolucionária.

Notas:

[1*] A revolta das Ligas, de 6 de fevereiro de 1934, provocou a demissão do governo de Daladier e a formação de um gabinete dito de "união nacional", presidido por Gaston Doumergue e no qual figuravam, entre outros, o marechal Pétain, André Tardieu, encarregado de estudar a "reforma da Constituição", Pierre Laval, Edouard Herriot e o líder "neo-socialista" Adrien Marquet. Daladier tinha se demitido sem ter sido colocado em minoria. Os radicais, com a exceção de 27 deputados que se abstiveram, apoiaram o governo de união nacional no qual participava seu líder Herriot.

[2*] A presença de Pétain no governo significava evidentemente a adesão dos chefes do Exército à solução de "unidade nacional".

[3*] Em seu discurso pela rádio de 24 de março, Doumergue foi particularmente ameaçador em relação aos funcionários públicos, que iriam aliás ser o alvo principal dos decretos-lei de abril, prevendo uma redução do quadro de 10%.

[4*] A tendência dita "neo-socialista" da SFIO, dirigida pelo veterano Renaudel, tinha defendido a necessidade de "rejuvenescer" a teoria e os métodos do socialismo. Derrotada em julho de 1933 num Congresso realizado em Paris, rompeu depois da exclusão de vários de seus dirigentes para constituir em dezembro de 1933 o Partido Socialista da França. A partir de fevereiro de 1934, a maioria dos "neos" se juntou não só aos radicais, de quem queriam ser aliados permanentes, mas também a Tardieu, Pétain e Laval. A partir de 1934, Frossard iria retomar na SFIO as teses defendidas antes pelos "neos". A direção da SFIO, que tinha condenado a aliança com os radicais quando a proposta era feita pelos "neos", apoiou-a quando foi feita pelo PC.

[5*] Louis Martin foi, entre as duas guerras, o representante no parlamento da "direita clássica".

[6*] Cartel: acordo parlamentar de radicais e socialistas.

[7*] Edouard Herriot tinha sido sucessivamente presidente do Conselho do governo do Cartel das esquerdas, depois ministro de Estado no governo de Poincaré, de Unidade Nacional.

[8*] No período a que o texto se refere, vários escândalos financeiros abalaram a França, fornecendo material propagandístico aos fascistas. A palavra "staviskrata" refere-se ao principal protagonista do mais famoso desses escândalos: Stavisky, vigarista ligado às altas esferas governamentais.

[9*] A primeira divisão ocorreu imediatamente após o congresso de Clermont Ferrand: o líder da minoria, Gabriel Cudenet, demitiu-se, com grande repercussão. Nos anos seguintes, o Partido Radical foi dividido em dois entre os adversários da abertura à esquerda, com Emile Roche, e seus partidários, os "jovens radicais" de Pierre Cot e Jean Zay. Este último, no entanto, depois de ter se abstido no Parlamento, iria aprovar no Congresso a participação radical no governo Doumergue.

[10*] No dia 9 de outubro de 1934, durante uma reunião de coordenação dos partidos Socialista e Comunista, o dirigente do PC Maurice Thorez propôs "ampliar" a unidade com vistas a constituir "a aliança das classes médias com a classe operária".

[11*] Os dirigentes dos partidos Social-Democratas da Alemanha (Wels) e da Áustria (Otto Bauer) tinham chamado os trabalhadores a "exigir" aos governos Brüning e Dollfuss o desarmamento dos grupos nazistas. Mais tarde, depois da oferta do deputado Ybarnégary, da Cruz de Fogo, de dissolver os grupos armados de sua organização, Blum, e depois Thorez, propuseram igualmente dissolver os "grupos de proteção" de seus partidos.

[12*] O giro provocado pela proposta de Thorez no comitê de coordenação de 9 de outubro foi seguido pela reunião de Bullier, no dia 10, onde ele defendeu um "vasto agrupamento popular". A partir de 22 de outubro, Cachin, no L’Humanité, retoma sistematicamente nos seus títulos a expressão "Frente Popular", a qual Maurice Thorez, em 24 de outubro, em Nantes, precisa que deve englobar "os grupos de radicais hostis à reação". A Frente Popular será finalmente constituída com os Radicais e na base de seu programa.


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