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ARGENTINA | Tormenta impensada: trabalhadores da PepsiCo calaram reforma trabalhista de Macri

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 18 de julho de 2017 | Edição do dia

Numa situação difícil de ofensiva da agenda neoliberal “macrista” na Argentina, os trabalhadores de PepsiCo fizeram a luta de classes voltar ao primeiro plano da cena nacional. Nenhum ator político do regime pode pensar a campanha eleitoral que se aproxima sem calcular o “efeito PepsiCo”: a grande luta dos trabalhadores contra as demissões nessa multinacional se converteu para setores de massa num laboratório para saber como cada força política atua.

Os patrões estavam apreensivos com a resistência dos operários contra as demissões fraudulentas da PepsiCo; “Fizeram tudo errado”, diziam da multinacional ianque. Não porque a empresa havia colocado 600 famílias na rua, mas porque sua condução das demissões desencadeou um amplo repúdio da população aos ajustes e à repressão contra aqueles que lutam para preservar seus postos de trabalho.

Isto coincide com a apreensão do governo nacional às vésperas das eleições. “Pepsico fez tudo errado. Agora não sabemos como sair dessa”, dizia um alto funcionário de Macri ao Clarín. “Quando queremos mostrar proximidade, acabamos apoiando a repressão aos trabalhadores. É um verdadeiro problema,” anuncia outro funcionário macrista, referindo-se à brutal repressão para desalojar os trabalhadores que ocupavam a fábrica. Repressão que enfureceu o país.

Veja aqui: PepsiCo: primeiras reflexões sobre a primeira etapa de uma grande luta

O jornal Ámbito Económico, referência das finanças, redigiu artigo “Macrismo vs. Pepsico: hora de avaliar os danos” , em que considera que os gerentes de PepsiCo “deram um exemplo de como não se deve fazer as coisas”. “’Não podemos ser tão estúpidos’, lamentava-se um gerente da empresa. A fábrica tomada pelos ‘troskos’ [referência ao PTS, organização irmã do MRT], liberada sob gases lacrimogêneos. Uma corrosiva cadeia de virais contra o consumo dos produtos de PepsiCo envenenando as redes sociais. Trens conurbanos bloqueados e o centro da Cidade de Buenos Aires enlouquecido por sindicalistas que aderiam aos protestos. Seguramente, ao se tomar a decisão [de demitir] nos Estados Unidos, não s tinha ideia que ela seria conduzida dessa maneira na Argentina”.

Como culminação do “efeito PepsiCo”, Marcelo Cantón , editorialista do Clarín, principal jornal da burguesia argentina, assegurou que em função do conflito de PepsiCo, o Executivo de Macri “freou o anúncio da reforma trabalhista, que queria fazer antes das eleições”. E concluiu: “A reforma trabalhista deverá esperar um melhor momento. O forno não está para bolos, diriam as avós”.

Uma lição extremamente importante para nós brasileiros: os trabalhadores argentinos mostraram que é possível frear as reformas neoliberais se para isso estamos prontos a coloca em ação um combate sério.

O forno não está para bolos por dois motivos simples. O Governo Macri pretende mostrar-se forte para aplicar a agenda neoliberal, como a reforma trabalhista, mas por ora a única coisa estrutural que surge é sua debilidade para aplicá-la. Mas o principal é que a batalha de PepsiCo mostrou uma importante e decidida resistência operária, colocando no centro da cena pré-eleitoral o desemprego de massas e o problema dos fechamentos de fábrica, muito longe da imagem de “recuperação econômica” que o governo queria mostrar antes das eleições.

Nessa resistência, tem papel chave o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), que colocou decididamente todas as suas forças para que os trabalhadores vencessem a “tríplice aliança” da patronal, do governo e da burocracia sindical.
Os trabalhadores não aceitaram a traição da burocracia sindical do setor da Alimentação, dirigida por Rodolfo Daer, que quis entregar a luta desde o início.

Uma vez consumada a traição de Daer, os operários decidiram em Assembleia, no dia 26 de junho, entrar na fábrica para permanecer dentro dela em defesa de seus postos de trabalho e cuidar das máquinas, que se encontram em condições perfeitas para produzir. Desde então a fábrica se transformou em um centro de organização da luta. Inúmeras delegações de trabalhadores, estudantes, artistas, figuras de direitos humanos e intelectuais passaram pela fábrica para levar sua solidariedade. Os pronunciamentos de apoio cresceram dia após dia até transformar a luta da PepsiCo em uma causa popular.

A solidariedade da população se expressou no dia marcado para o despejo violento da fábrica pela polícia de Macri: junto a centenas de militantes do PTS, diversos setores de trabalhadores impediram que a reintegração ocorresse “às escuras” pela madrugada, obrigando a polícia a reprimir quando as redes de televisão já estavam no local e transmitiam ao vivo a ideologia do “país feliz” de Macri regada a bombas e gases.

Vídeo da repressão

Com a esquerda, a luta de classes voltou ao centro da cena política. Não à toa, os ministros do governo Macri, Patricia Bullrich e Jorge Triaca, condenaram a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, o grupo “de Lear, Donnelley e Kraft” em referência ao PTS que teve papel protagonista nessas duras “escolas de guerra” dos trabalhadores, dizendo que “As empresas cujas comissões internas são dirigidas pela FIT terminam fechadas”. Um ridículo desespero, mas a forma como a direita empresarial reconhece a presença da esquerda argentina.

No Brasil, essa experiência tem uma importância estratégica fundamental: para vencer os planos neoliberais do governo, é preciso organizar o combate. Não é possível vencer sem lutar, e é por isso que as centrais sindicais como a Força, a CUT e a CTB no Brasil não convocam greves e paralisações contra a reforma trabalhista: não querem derrotar a reforma trabalhista, e buscam impedir que os trabalhadores brasileiros derrubem o governo e suas reformas nefastas com seus próprios métodos (que ameaçam seus acordos com o governo e a patronal).

Se as centrais traidoras buscam manter seus acordos com o governo às custas do trabalho precário e a demissão de milhões, temos de adotar o exemplo dos trabalhadores de PepsiCo na Argentina: superemos as travas da burocracia dos sindicatos e organizemos a luta nos locais de trabalho, na luta por retomar os sindicatos como ferramentas da nossa luta (e não para os privilégios de cúpula).

A reforma trabalhista brasileira não é "um ataque qualquer": é uma reforma estratégica para precarizar a vida de milhões de trabalhadores e alterar a estrutura de acumulação capitalista a um regime de semi-escravidão. Devemos partir desse fato. É mentira, entretanto, que não podemos derrotá-la: os trabalhadores da PepsiCo mostram o caminho, passando por cima dos burocratas sindicais e auto-organizando sua luta com um programa para vencer, aglutinando distintos setores de trabalhadores a amplo apoio social.




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