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INTERNACIONAL | Sudão é sacudido por novos protestos

Os protestos que percorrem o país norte-africano exigem do Governo de Transição as reformas políticas que prometem avançar para a “democracia”, enquanto a situação económica e social piora a cada dia.

quarta-feira 26 de agosto de 2020 | Edição do dia

Pouco mais de um ano se passou desde o acordo que estabeleceu o atual Governo de Transição composto pelo exército e pelos líderes da Alianza para la Libertad y el Cambio (ALC) (Aliança pela Liberdade e Mudança) com a perspectiva de realizar eleições nacionais em 2022. As expectativas das massas sudanesas, que sofreram repressões sangrentas com centenas de mortos e feridos, foram depositados naquele acordo e na possibilidade de obter um governo civil que responda às demandas econômicas e políticas levantadas ao longo do processo de revoltas que derrubou os 30 anos de tirania do Brigadeiro Omar al-Bashir.

Apesar de mais de um ano ter se passado desde a queda de al-Bashir, os pilares fundamentais de seu regime seguem de pé. Embora o acordo entre a ALC e o Exército tenha servido para contornar institucionalmente um processo que rememorava a Primavera Árabe, as manifestações no Sudão mais uma vez inundaram as ruas. A lentidão das reformas políticas prometidas revela aos sudaneses que esta esperada “democracia” não virá sozinha.

Embora demandas históricas como a proibição da mutilação genital feminina (que ainda é praticada) tenham sido cumpridas, muitas não se concretizaram, entre elas o pedido de “justiça contra os responsáveis pelo assassinato de centenas de manifestantes”. Mas, principalmente, os profundos problemas estruturais do país, agravados pelas imposições do FMI e pelas sanções dos Estados Unidos, continuam sem solução.

Além disso, o regime baseado na Lei Islâmica continua quase intacto, razão pela qual as mulheres continuam a ser punidas com pena de morte por terem relações sexuais "extraconjugais" consensuais, mesmo que nas manifestações de 2019 as mulheres representavam mais de 50% do movimento.

Envolvidos em bandeiras sudanesas e gritando consignas que pedem por mais reformas, os manifestantes estão nas ruas desde segunda-feira, 17 de agosto, o aniversário de um ano do Acordo de Transição. Os protestos acontecem em frente à sede do gabinete na capital Cartum. Entre outras coisas, os manifestantes exigem a eleição de um órgão legislativo, exigiram a dissolução das Forças Armadas regulares e irregulares (ainda existem órgãos paramilitares operando no país), que todas as empresas estejam sob o controle do Ministério da Fazenda, a realização imediata de uma conferência econômica e reestruturação da Aliança pela Liberdade e Mudança.
As manifestações foram reprimidas com gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha, deixando dezenas de feridos e presos. Diante disso, a Associação Profissional Sudanesa (APS), entidade que congrega sindicatos e partidos de esquerda e liberais, alertou que as alternativas para intensificar os protestos estão sujeitas às intervenções das forças repressivas. As ações que estão sendo realizadas, bem como as que ainda serão, são discutidas por meio das Coordenações dos Comitês de Resistência, que se autodenominam "pilares e protetores da revolução".

Para esta terça-feira, 25, está programada uma greve de bancários estatais em Cartum para exigir uma reforma do sistema bancário devido à corrupção.
Por outro lado, milhares de habitantes da região sul protestam há um mês por uma melhor infraestrutura, serviços básicos como água e luz, e pela demissão de todos os funcionários vinculados ao antigo regime. Ao mesmo tempo, foram exigidas melhorias para os hospitais sitiados sem abastecimento de água, eletricidade ou profissionais da saúde.

Há também conflitos tribais no país que se aprofundaram com os ataques racistas de árabes-muçulmanos promovidos por Omar al-Bashir - o Sudão tem grande maioria árabe muçulmana - contra a população "negra". Essas divisões étnico-religiosas têm sido usadas pelo governo para monopolizar os recursos naturais e impor formas de controle social. Entre as demandas dos Comitês de Resistência, estão a aceleração das negociações de paz nessas regiões onde operam as milícias paraestatais Janjaweed , armadas pelo antigo regime, que continuam a realizar matanças sangrentas contra a população Masalite.

Os comitês de resistência nasceram há mais de 10 anos, mas tiveram um lugar de destaque no processo que derrubou al-Bashir. Desconfiam profundamente da “ala militar” do governo que mantém sua própria agenda, embora seja apoiada pela “ala civil”. Um exemplo disso é o avanço rumo à paz com Israel a partir dos Emirados Árabes Unidos, fiéis aliados do Exército sudanês. A “ala civil”, representada pela ALC, além de apoiar os militares, não avançou na solução de nenhum problema estrutural do país, enquanto 10 milhões de pessoas enfrentam a escassez de alimentos e o aumento acelerado de preços, que se agrava com as restrições pela Covid-19, enquanto uma contração de 8,1% do PIB é esperada para este ano de acordo com o The Economist. Pelo contrário, a ALC está avançando no estabelecimento de novos elos com o imperialismo (nesta terça-feira Mike Pompeo visitará o Sudão) e um plano de intervenção da ONU para desenvolver a economia.

Os ativistas organizados nos Comitês de Resistência dos quais participam os trabalhadores do APS, exigem que a ALC resgate os “princípios da revolução” colocando contra a parede o primeiro-ministro Abdallah Hamdok, que neste dia 22 de agosto disse que estaria disposto a renunciar do cargo se o povo sudanês o pedisse. Mas para isso será imprescindível que consigam impor uma agenda própria que rompa com a ALC, que o acordo com o Exército seja retirado e as Forças Armadas sejam desmanteladas - como eles exigem - e se rompa com qualquer relação com o imperialismo norte-americano e seus parceiros regionais como Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Esses novos protestos estão dando um impulso renovado à luta de classes no país africano, mostrando que o processo de 2019 continua de pé.




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