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RACISMO NA UNIVERSIDADE | "Somos vítimas sim, do Estado Racista em que vivemos"

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

quarta-feira 21 de outubro de 2015 | 07:10

Nos últimos dias tem causado polêmica nas redes sociais uma a chamada “Carta resposta a invasão da USP”. Que apresenta uma imagem seguida de um texto no qual se fala sobre uma suposta “vitimização dos negros” a respeito do racismo. Na imagem está a primeira mulher negra a ir para o espaço em contraposição a uma foto em que o coletivo Ocupação Preta da USP está em uma sala de aula fazendo uma de suas intervenções, discutindo a necessidade da implementação das cotas raciais na universidade mais elitista e racista do país, a USP.

A autora do texto começa dizendo que “Eu não te devo a alma, eu não te devo nada!”, como uma resposta a uma colocação feita pela militante do coletivo. Diz que sua família não roubou nada da família dela e que muito provavelmente nenhuma outra família o fez também. Contudo essa interpretação, que leva para o lado pessoal e individual, não é capaz de perceber que a escravização de milhares de africanos não foi um problema só dos negros, não foi uma mazela apenas daqueles que foram escravizados e sim umas das piores coisas de toda a humanidade. Não é uma responsabilidade individual o fato de que o racismo persiste até os dias de hoje, mas sim pelo fato de que o racismo surgiu em base a um sistema que se perpetua até hoje, sendo o racismo um fenômeno tipicamente capitalista (http://www.esquerdadiario.com.br/Escravidao-racismo-e-capitalismo)

Realmente a escravidão aconteceu e acontece por vezes, contudo a escravização pela cor da pele surgiu para atender as necessidades do sistema capitalista nascente. Para continuar tamanha monstruosidade era preciso uma justificativa e a cor da pele foi usada como argumento de que negros eram seres inferiores, similares a animais e que por isso podiam ser tratados de tal forma.

Definitivamente não “somos todos indivíduos pertencentes a uma sociedade em que todos, absolutamente todos tem a liberdade de seguir seu caminho e decidir sua história, cada um com a sua vivência e suas barreiras a serem ultrapassadas”. Como podemos ter a tão falada liberdade se a grande maioria da população para conseguir sobreviver é explorada e oprimida por uma minoria que detém o capital e os meios de produção? Como podemos ser livres se alguns são vitimas fáceis do gatilho da polícia? Se a educação que deveria ser um direito a todos se torna quase que um privilégio de uma minoria que consegue furar o filtro social do vestibular?

É verdade que alguns negros também traficavam seus irmãos e o faziam porque foram submetidos a ideologia do opressor. Assim como hoje vários negros não defendem nossos interesses. Porque vivemos em uma sociedade de classes e apesar de todos os negros sofrerem com o racismo alguns acabam reproduzindo-o contra seus próprios irmãos de cor, porque fazem parte ou estão submetidos à ideologia da classe dominante, que é intrinsecamente racista, machista, lgbtfóbica e opressora.

Vivemos em uma suposta democracia racial que tenta mascarar as contradições sociais dizendo que no Brasil todos têm oportunidades iguais e com isso esconde o que foram os 400 anos de escravidão. Mas a verdade é que ainda sentimos na pele o que foram todos esses anos cujo nosso povo foi escravizado e todos os homens e mulheres do planeta perderam um pouco daquilo que se considera humanidade.

Ou por acaso é mera coincidência que a maioria dos negros ocupam os piores postos de trabalhos, aqueles pior remunerados e mais precários? É por simples acaso que a maioria dos garis, dos terceirizados, das auxiliares de serviços gerais, das domésticas são negros e negras? Arrancamos da burguesia o nosso “direito a liberdade” e acabamos com a escravidão, contudo não podemos nos libertar plenamente das correntes do racismo enquanto vivermos sob o regime capitalista. E se hoje os negros são a maioria da classe trabalhadora explorada e precarizada foi porque durante séculos fomos escravizados e por que ainda persiste uma ideologia racista que legitima tudo isso, escondida debaixo da suposta democracia racial.

Meritocracia foi algo que a burguesia criou para parecer democrática, para dizer que se você não passa no vestibular é porque não se esforçou o suficiente. Fingir que é um problema individual, escondendo dessa forma que o problema não é o Alckmin que fecha e precariza cada vez mais nossas escolas, a Dilma que corta milhões da educação pública ou que aquilo que deveria ser um direito de toda a população se torna um mérito dos “melhores”. Escondendo dessa forma as contradições sociais que hoje concretamente impedem que um jovem negro da periferia possa continuar na escola e posteriormente entrar na faculdade, mas que fazem dele alvo fácil para ser morto pelas mãos da polícia ou ser preso, reduzindo a maioridade penal e aumentando o tempo das penas de internação.

E para tentar legitimar esse discurso de que se não conseguimos “vencer na vida” é porque temos “preguiça de levantar a manga”, usam alguns exemplos de negros que conseguiram alcançar grandes feitos para justificar que todos temos condições iguais. Mas esquecem dos Amarildos, das Cíceras, das Claúdias, DGs, e tantos outros mortos pelo racismo institucional do Estado, esquecem-se dos milhares de negros que são apenas números nas estatísticas de assassinados pela polícia, de terceirizados explorados, de desempregados em meio a crise.

E sim temos que engolir nosso choro por todos os nossos mortos, engolir nosso choro ao nos darmos conta do que foi a escravização de nosso povo. E engolimos todo dia nosso choro quanto nos levantamos para ir ao trabalho, para ir a escolas ou a faculdade. Engolimos todo dia nosso choro pelo que fizeram e ainda fazem com nosso povo. E transformamos o choro em ódio de classe, em ódio de um sistema que usou a cor da nossa pele como álibi para justificar sua exploração e opressão. E a cada dia vamos continuar nossa luta, seja por cotas, pelo fim do vestibular, pelo fim da terceirização ou por justiça para todos os assassinados pelas mãos da polícia. Lutaremos todos os dias, assim como Zumbi, Dandara e tantos outros, contra o racismo sobre nosso povo, mas também contra esse sistema capitalista, que escondido debaixo de uma suposta democracia racial tenta mascarar o racismo estrutural, a opressão e exploração de milhares mundo a fora.

"A burguesia nos deve até a Alma"




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