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TEORIA | Sobre o impedimento da prática humana: Como a alienação é o assassinato da criação

O homem é obrigado, na sociedade pós-capitalista, a manufaturar além de sua necessidade, e é impedido de criar de acordo com sua vontade. O fenômeno da alienação existe de forma a limitar, a cima de tudo, a prática humana.

quarta-feira 15 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

No último artigo vimos que o homem tem suas necessidades básicas mercantilizadas, e que essa mercantilização implica no seu retorno às condições mais animais, assim como também implica na limitação de sua capacidade de transformação do mundo. Foi citado que:

“[...] o homem (trabalhador) só se sente como [ser] livre e ativo em suas funções animais, comer, beber e procriar [...], e em suas funções humanas só [se sente] como animal. O animal se torna humano, e o humano animal.” - Manuscritos econômico-filosóficos, de Karl Marx.

Tal citação é, sem sombra de dúvida, uma das mais célebres quando se tratando do fenômeno da alienação. O homem, escravizado por suas necessidades, é obrigado a trabalhar a maior parte de sua vida ao invés de fazer o que lhe mais agrade, seja o que for. Além disso, ele não se vê no que produz, não entende que aquela massa de comodidades industriais foi produzida sim por sua força. Para ele, o fim de seu trabalho contínuo não o pertence, e sim aquele que – supostamente – detém os meios de produção, sejam estes uma fábrica, uma máquina ou um solo.

E seria o pensamento do trabalhador alienado compreensível? É claro que sim! Exercitando um trabalho repetitivo como girar uma manivela, apertar um botão, ler as mesmas tabelas, atender os mesmos tipos de telefonemas; ele não se realiza através do exercício de sua força.

Mesmo em sociedades primitivas; ou pré-capitalistas, a escravidão pelas necessidades não era tão intensa quanto nos dias de hoje; como explicitado pelo autor Ernest Mandel:

“[O] trabalho não era visto como uma obrigação imposta por um fator exterior, principalmente por ser menos intenso, bem menos exaustivo do que sob o capitalismo hoje. Se conformava mais de perto com os ritmos do organismo humano, assim como os ritmos da natureza.” - An Introduction to Marxist Economic Theory

A escravidão das necessidades, então, era associada à condição animal do homem. Mesmo que trocasse suas comodidades (alimentos, roupas, etc.) com seus vizinhos, não trabalhava em função do excedente, como é feito hoje em dia. O trabalhador, afinal, é obrigado a produzir muito mais do que precisa – e muito mais do que toda sua comunidade precisa – em troca de uma remuneração que supostamente garante o suprimento de suas necessidades animais. Ao invés de produzir apenas o que precisava, e talvez um pouco mais, é obrigado a produzir quantidades colossais para gerar lucro ao seu patrão.

O que isso implica de fato, no entanto? No último artigo, vimos que o homem decide transformar o mundo ao seu redor a partir de novas necessidades que encontra em sua vivência, muito vezes sendo elas subjetivas. Mas se é obrigado a trabalhar a maior parte de seu dia (bem mais que oito horas diárias para a maior parte dos brasileiros) em algo que não aprecia, chega em sua casa esgotado, e incapaz de criar ou entender aquilo que lhe aprece; seja arte, ciência...

E o trabalho explorado não apenas rouba a possibilidade de transformação do homem; como também algo qual ele jamais poderá ter novamente: O tempo. Passa mais de um terço de sua vida produzindo em excesso não para si e nem para seus semelhantes; para em função do lucro daquele que emprega e escraviza suas forças tanto de forma objetiva, ao lhe pagar um salário que é a menor fração possível de seu lucro, como também subjetivamente, ao fazê-lo acreditar que todo aquele excedente não o pertence.

No entanto, o questionamento se faz consequente; e válido: Já há como permitir que o homem trabalhe menos? Existem condições objetivas que permitam que o homem desenvolva seu potencial de criação e transformação do mundo ao invés de servir um patrão em troca de subsistência?

A própria FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) já afirma que o mundo produz alimento o suficiente para suprir a fome no mundo. Sobre moradia? Em 2015, foi inaugurado no Rio de Janeiro um campo de golfe de 58,5 mil metros quadrados em função dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016. É evidente que, pelo menos nos dias de hoje, já existem condições materiais para que as necessidades mais básicas do homem (moradia e alimentação) sejam supridas.

O trabalhador é de fato o dono daquilo que produz, tanto as comodidades como os excedentes produzidos. É necessário, para que ele possa voltar-se a usar seu tempo como lhe convém; avançar naquilo que gosta e fazer história, que ele entenda que a única forma é tomando de volta aquilo que lhe pertence: Todo o tempo que passou alienadamente servindo quem nunca lhe viu como humano.


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