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Esse texto, escrito logo após a morte de Fidel Castro, marca o antes e o depois da Revolução Cubana. Os debates em meio à angústia do povo cubano devem levar os lutadores sociais a refletir profundamente quais lições extrair do legado da revolução cubana e dos enormes erros calcados pela direção castrista.

segunda-feira 12 de agosto de 2019 | Edição do dia

tradução: Letícia Parks
texto original: Acerca del castrismo y la revolucion cubana

O imperialismo e a contrarrevolução em Miami celebram a morte de Fidel e se preparam para tentar submeter a Revolução. A defesa irrestrita das conquistas da Revolução de 1959 estão na ordem do dia.

Nesse contexto, tentamos fundamentar caracterizações históricas e revisitar o legado da revolução cubana para as novas gerações de lutadores.

O movimento de 26 de julho e seu programa democrático burguês

Os defensores do castrismo se opõe a essa caracterização de Fidel Castro e do 26M. Antes o assalto à Moncada em 1953, Fidel Castro era um dirigente estudantil do Partido Ortodoxo cujo lema era “vergonha contra dinheiro” e seu símbolo era uma vassoura. Ou seja, um programa de honestidade na gestão pública. Assim escreve Ernesto Che Guevara em uma carta a Ernesto Sábato: “Fidel Castro era um aspirante a deputado por um partido burguês, tão burguês e tão respeitável como poderia ser o partido radical na Argentina; que seguia o legado de um líder desaparecido, Eduardo Chibás, de características que poderíamos achar parecidas com as do próprio Yrigoyen; e nós, que o seguíamos, éramos um grupo de homens com pouca preparação política, somente uma dose de boa vontade e um honraria ingênua. Era assim que vínhamos gritando: “no ano de 56 seremos heróis ou mártires”. Um pouco antes havíamos gritado, ou dito de melhor forma, Fidel teria gritado: “vergonha contra dinheiro””.

O objetivo declarado do 26M sempre foi a restituição da Constituição de 1940 e colocar limites às pretensões norte-americanas sobre Cuba. No transcurso da luta, nos relata Che Guevara, levantaram a reforma agrária para ganhar assim uma base de massa camponesa e de trabalhadores rurais.

Em 1958, o 26M firma o chamado Pacto de Caracas com as forças de oposição. O assinam Fidel Castro, Movimento 26 de julho; Carlos Prío Socarrás, Organização Autêntica; E. Rodríguez Loeche, Directorio Revolucionario; David Salvador, Orlando Blanco, Pascasio Lineras, Lauro Blanco, José M. Aguilera, Ángel Cofiño, Unidad Obrera; Manuel A. De Varona, Partido Cubano Revolucionário (A); Lincoln Rodón, Partido Democrata; José Puente y Omar Fernández, Federação de Estudantes da Universidade; capitão Gabino Rodríguez Villaverde, ex oficial do exército; Justo Carrillo Hernández, Grupo Montecristo; Ángles María Santos Buch, Movimento de Resistência Cívica, e doutor José Miró Cardona, coordenador secretario geral.

Entre seus objetivos declarados, o primeiro é a “estratégia comum de luta para derrotar a tirania mediante a insurreição armada, reforçando em um prazo mínimo a todas as frentes de combate, armando os milhares de cubanos que estão dispostos a combater pela liberdade. Mobilização popular de todas as forças operárias, cívicas, profissionais, econômicas e para culminar o esforço cívico em uma grande greve geral, e o bélico em uma ação armada conjuntamente com todo o país. Deste empenho comum, Cuba surgirá livre e se evitará nova e dolorosa efusão de sangue das melhores reservas da Pátria. A vitória será possível sempre, mas mais tardia se não coordenar as atividades das forças oposicionistas”.

Segundo: “Conduzir o país, à queda do tirano, mediante um breve governo provisório, a sua normalidade, canalizando-o pelo procedimento constitucional do povo cubano”.

Terceiro: “Programa mínimo de governo que garanta o castigo aos culpados, a ordem, a paz, a liberdade e o progresso econômico, social e institucional do povo cubano”. O papel agregava ainda um pedido “ao Governo dos Estados Unidos que cesse toda ajuda bélica e de qualquer ordem ao ditador, reafirmamos nossa postura de defesa da soberania nacional e a tradição civilista e republicana de Cuba”. Também incluia um chamado aos militares que se levantem contra Fulgencio Batista: “Aos militares dizemos que chegou o momento de que neguem seu apoio à tirania; que confiamos neles, que sabemos que há homens dignos nas forças armadas e que se no passado centenas de oficiais, classes e soldados pagaram com a vida, a prisão, a extradição ou a retirada de seu amor à liberdade e sua oposição à tirania, muitos seguem nessa posição. Esta não é uma guerra contra as forças armadas da República, mas conta Batista, único obstáculo da paz, que desejam, almejam e necessitam todos os cubanos, civis e militares”.

Esse pacto chega a institucionalizar-se no primeiro governo revolucionário encabeçado por Manuel Urrutia, que era ex presidente da Corte Suprema e José Miró Cardona. Ambos serão expulsos do poder por uma mobilização de massas em apoio a Fidel Castro e o Exército Rebelde e em pouco tempo passarão ao bando da contrarrevolução.

A revolução a contra golpe

Essa definição incomoda os defensores do castrismo porque nega que a vitória da revolução socialista tenha sido consequência de um plano estratégico e desnuda que foi produto de circustâncias extraordinárias. Foi Che Guevara quem cunhouesta definição para explicar que a radicalização da revolução foi produto dos golpes e contragolpes com os quais o imperialismo tentava quebrar o processo e as medidas defensivas do governo revolucionário, que por sua vez se encontrava empurrado pelo movimento de massas.

O imperialismo e a burguesia começaram a romper com o governo revolucionário por dois pontos essencialmente: a reforma agrária, que desatou a ocupação massiva de terras pelo campesinato e os tribunais populares que aziam justiça e fusilavam os representantes de Batista.

Recordemos que os guerrilheiros de Sierra Maestra conduziram, junto ao movimento de massas, um golpe mortal às forças armadas do regime batistiano nas batalhas das Villas e de Santa Clara. O exército burguês foi derrotado, ficando como única força armada o Exército Rebelde, que pouco a pouco ia adquirindo o caráter de uma milícia de operários e camponeses. Frente à invasão na Bahía Cochinos, em abril de 1961, um milhão de operários e camponenes se amaram em defesa da revolução.

Foi essa situação excepcional de oposição violenta do imperialismo (que desde então leva a cabo um bloqueio criminoso), de derrota das forças armadas burguesas e mobilização revolucionária de operários e camponenes, que empurrou o governo revolucionário a tomar medidas de defesa da Revolucção que a deram um caráter socialista.

Uma direção pequeno-burguesa

O marxismo exige fazer uma definição de classe dos movimentos políticos, para o qual tem em conta centralmente dois elementos: sua direção e sua política.

Fidel Castro e o 26m em em sua origem uma direção pequeno-burguesa, já que seus objetivos estavam limitados a um programa nacionalista e democrático. Além disso, porque sua política não era organizar de maneira indepentende o movimento de massas, e sim uma Frente Cívica Revolucionária (o Pacto de Caracas), que para além da intecionalidade de seus dirigentes era um tipo de Frente Popular de colaboração de classes.

Como se disse, vai ser a dinâmica dos acontecimentos que empurram o castrismo em direção a posições socialistas.

O 26M é filho de uma tradição da pequeno-burguesia cubana radicalizada que se remonta à experiência de José Martí e do guiterismo e da Joven Cuba, uma organização nacionalista de esquerda que nos anos 1930 praticou a luta armada contra Batista. Uma tradição que se expressa na tendencia da pequeno-burguesia de dirimir seu conflito com o Estado mediante a busca da insurreição armada.

Entretanto, na época das revoluções burguesas, a pequeno-burguesia foi incapaz de levar adiante um programa próprio. As tentativas de levantar um programa intermediário entre a burguesia e a classe trabalhadores se comprovaram uma impossibilidade absoluta. Uma vez que a pequeno-burguesia toma o poder, assume o programa da burguesia afogando a revolução e o programa proletário e se transforma rapidamente em bonapartista.

Bonapartismo

A revolução cubana foi uma excepcionalidade histórica na América Latina que demonstra esta regra geral. Chegada ao poder por uma insurreição plebéia de operários e camponeses, teve que romper com a burguesia para levar adiante seu programa democrático de repartição das terras e conquista da independência nacional. Teve que tomar medidas socilialistas para defender a revolução dos ataques do imperialismo. E o fez transformando-se, pouco a pouco, em bonapartista em detrimento da organização democrática de trabalhadores e camponeses como base do novo estado operário. Por esse motivo, o Estado operário cubano teve uma origem deformada desde os seus primeiros dias.

A política do castrismo depois da mobilização revolucionária que aniquilou os gusanos na Playa Girón, vai sendo a de controlar o movimento de massas e de estreitar a aliança com os estalinismos locais e a URSS. A influência do Kremlin será decisiva para burocratizar a revolução. E levará a um regime repressivo que perseguirá opositores políticos e homossexuais em nome de uma moral burocrática burguesa e patriarcal.

Os sindicatos serão colocados sob a liderança de Lázaro Peña, que provinha do stalinista PSP (que na década de 1940 participou do governo de Batista), ainda contra o rechaço dos operários que haviam votado massivamente a lista do 26M contra os comunistas. Dos 163 delegados do X Congresso da Central de Trabalhadores Cubanos, só 3 eram do PSP. Fidel, antes de exaltá-lo, quase sempre o denunciava por sua cumplicidade com Batista: “Que moral tem, por sua vez, o senhor Batista para falar de comunismo se foi candidato presidencial do Partido Comunista nas eleições de 1940, se suas paródias eleitorais se abrigaram sob a foice e o martelo, se por ai circulam as fotos junto a Blas Roca e Lázaro Peña, se meia dúzia de seus atuais ministros e colaboradores de confiança foram membros destacados do Partido Comunista?”.

Em 1962 Fidel ordena a dissolução de todas as tendências revolucionárias dentro do Partido Unido da Revolução Socialista, que em 1965 se transformará no Partido Comunista de Cuba. Os trotskistas cubanos são detidos a partir de 1962 e em 1965 sua organização, o POR, é obrigada a se dissolver.

Castrismo e guevarismo

Para muitos, o guevarismo constituiu uma alternativa revolucionária ao castrismo. Certamente o guevarismo foi uma ala à esquerda clara da revolução cubana que se opôs à influência stalisnista em torno da política econômica, o realismo socialista e a coexistência pacífica com o imperialismo.

Ainda assim, Guevara nunca se considerou uma tendência a parte do castrismo, mas sim soldado do mesmo. Como tal, preferiu renunciar à luta dentro de Cuba antes de levar suas diferenças até o final, com a esperança de que a extensão da revolução desse novas forças à Cuba revolucionária.

Na política econômica, Che, que ocupou o Ministério da Indústria, era partidário de um plano centralizado por ramos da produção que desse origem, como mínimo, a uma indústria que garantisse o consumo básico da população cubana. Essa orientação foi derrotada e Fidel apoiou o intercâmbio, que Guevara denunciava como desigual, de açúcar por petrólos e insumos básicos com os soviéticos. Dessa forma, a expropriação da burguesia permitiu um desenvolvimento espetacular da saúde, da educação e dos recursos humanos, impediu também o desenvolvimento integral das forças produtivas, fazendo de Cuba um país dependente do monocultivo de açúcar, causa estrutural do atraso cubano.

No terreno da coexistência pacífica, Che propôs estender a revolução sob a consígna de “Um, dois, três, muitos Vietnãs”, e denunciou os soviéticos pela sua política conservadora frente ao Vietnã e os movimentos antiimperialistas. Sob a influência de Che, o castrismo lançou a OLAS (Organização Latinoamericana de Solidariedade) que buscava exportar a guerrilha como método revolucionário no Continente. Nesse sentido, o castro-guevarismo quis deslocar o internacionalismo proletário, que busca a organização independente de operários e camponeses em uma Internacional revolucionária para derrotar o capital e o imperialismo, pela criação artifical de exércitos guerrilheiros separados das massas. Essa estratégia conduziu Guevara à derrota, e na Bolívia deixou nas mãos do PCB (Partido Comunista Boliviano) a organização do apoio operário e mineiro aos guerrilheiros, sendo traídos pelo mesmo.

O problema é que a oposição de Guevara ao stalinismo se fez por uma matiz comum com o castrismo, que considerava o bonapartismo (ainda que em chave revolucionária) e o partido único como condições essenciais à revolução.

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A revolução cubana foi um raio no céu sereno?

Os defensores do castrismo consideram que Fidel não teve mais alternativas a não ser a aliança com os soviéticos, porque Cuba se encontrava só no mundo. Entretanto, a revolução cubana foi a antecipação de um período revolucionário mais geral, que ganhou o continente e o mundo ao final dos anos 1960 e começo dos anos 1970.

Em 1965 houve um levantamento popular na República Dominicana que foi sufocado por 40 mil marinheiros enviados pela Casa Branca. Em 1968 teve lugar o Maio francês e a Primavera de Praga, que foi condenada por Fidel Castro, que preferiu apoiar o massacre do Exército Vermelho frente às reivindicações de uma democracia socialista dos manifestantes. Em 1969 se deu o Cordobazo. Em 1971 tomou lugar a Assembleia Popular na Bolivia e a vitória da Unidade Popular chilena que desarmou os operários, camponeses e soldados que armavam contra a reação, com o apoio do castrismo. Em 1979 foi a vitória da revolução sandinista.

Cuba não estava só, o castrismo optou por sua vez somar-se à política de Kremlin e por apaziguar os processos revolucionário onde tinha influência. Optou por apoiar-se na burocracia contra-revolucionária que oprimia seu povo e por não ser um farol para a mobilização das massas.

Defender a revolução

A figura de Fidel Castro está intimamente associada com a Revolução Cubana. Nesse sentido, a crítica histórica do castrismo constitui um ponto nodal para fundamentar uma defesa da Revolução Cubana, que ponha em primeiro plano uma perspectiva anticapitalista, de oposição à burocracia privilegiada e às políticas restauracionistas, pela liberdade dos partidos defensores das conquistas revolucionárias de 1959 e pelo governo dos conselhos de operários, camponeses e soldados. Uma crítica dessa natureza gera o rechaço aberto dos defensores da burocracia, que concebem que a revolução deve reger um pensamento único e que deve-se idolatrar as lideranças sem gerar nenhum tipo de fissuras. É uma postura calcada em quem antes de 1989 sustentava que criticar os regimes stalinistas do chamado “socialismo real” era fazer o jogo da contrarrevolução. Assim, encobriam os monstruosos crimes dos dirigentes burocráticos contra seus povos, sem impedir que esses mesmos dirigentes estimulassem a restauração dando origem a uma nova oligarquia capitalista. Dessa forma, ao invés de defender a revolução, o que fazem é afogar todo debate democrático e limitar o papel das massas à obediência cega aos dirigentes. Se liquida a iniciativa independente de trabalhadores e camponeses, que vem em risco suas conquistas por um imperialismo que ameaça ser mais agressivo e uma burocracia que estimula políticas restauradoras de relações capitalistas.




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