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MÚSICA | Sia, para além de uma compositora de hits

Após aparecer no Grammy, cantando de costas para a platéia e com a pequena dançarina Maddie Ziegler dançando junto com a atriz Kristen Wiig a coreografia do clipe original da música “Chandelier”, Sia caiu no gosto geral; se antes já havia ganhado certa fama, a apresentação em uma das maiores premiações da industria musical foi o coroamento da cantora australiana.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

sexta-feira 1º de maio de 2015 | 00:00

Sia Kate Isabelle Furler, ou apenas Sia, é uma cantora e compositora australiana, nascida em uma cidade chamada Adelaide, em 1975; e que agora, com seu sexto álbum solo alcança o sucesso com os hits “Chandelier” e “Elastic Heart”. Mas a trajetória de Sia até o sucesso reconhecido passou por cinco discos solos, diversas composições para outras cantoras do mundo pop, participação em músicas do DJ francês, David Guetta, e a participação como vocalista do grupo inglês Zero 7.

O primeiro álbum solo de Sia é de 1997, intitulado OnlySee; porém apenas agora com o seu sexto disco, 1000 forms of fear, lançado em 2014, ela conseguiu atingir o estrelato. Antes disso ela já era queridinha nos bastidores do mundo pop como compositora de hits para outras cantoras, como Beyoncé, Rihanna e Christina Aguilera, para quem compôs grande parte do disco Bionic e por quem foi convidada a participar do reality show The Voice em 2011, quando sua voz passou a ser conhecida, deixando de ser para o grande público apenas compositora e passando a ser também intérprete de suas canções.

No mesmo ano ela gravou os vocais para as músicas de David Guetta, famoso DJ francês e dono de inúmeros hits. A música “Titanium” traz a voz de Sia cantando o verso “I am titanium (Eu sou titânio)” em uma letra que fala de um eu sujeito que não cai nem com tiros; esse conteúdo – de um personagem feminino forte - também será muito presente nas composições posteriores da cantora. A outra música que gravou com David Guetta foi “She Wolf”, que também já trazia um conteúdo em suas letras que se mostraria no seu disco de sucesso; o sentimento de ser despedaçado por um relacionamento.

No ano seguinte, 2012, gravou os vocais para a música “Wild ones”, do rapper Flo Rida; nesse mesmo ano compôs o hit “Diamonds” para Rihanna. A música composta para Rihanna foi e ainda é um dos principais hits da cantora – mesmo que hoje a duração de um hit seja tão efêmera, comparada ao que já significou ser um hit e ficar meses no top 10 das principais rádios. Sia já era uma compositora de hits, em outras palavras, se tornou uma geradora de lucros para a indústria musical.

Em 2013, quando Beyoncé lançou seu disco homônimo e que surpreendeu crítica e público com seu grande teor feminista, um dos hits intitulado “Pretty hurts” tinha mais uma vez como compositora Sia. A música fala sobre a obrigatoriedade de ser bonita seguindo os padrões impostos pela sociedade, colocando como personagem da canção uma menina que sonha em ser Miss – sonho ensinado pela mãe -, que segue buscando a beleza, dita perfeita, sempre sonhando em conquistar o próximo concurso, mas que carrega dores que a beleza não cura; pois, como a própria canção diz, a dor não é superficial como a aparência, a dor de não ser perfeita é mais profunda. A exigência de que as mulheres sejam perfeitas, que alimenta uma indústria inteira do mercado da beleza (que vai desde a venda de produtos de beleza até as inúmeras cirurgias plásticas), e que enfraquece as mulheres impedindo-as de lutar por suas vontades, cria feridas em cada mulher em diferentes níveis. Essas feridas, como a depressão, a bulimia e a anorexia foram representadas muito bem no clipe feito para essa música; feridas criadas pelo machismo aliado ao capitalismo, que sempre visa uma forma de lucro e de controle sobre os oprimidos. Essa composição, que era para ser de Katy Perry, mas que caiu nas mãos de Beyoncé, aponta uma visão feminista de Sia, que será enxergada em suas composições posteriores e no significado da coreografia dançada por Maddie Ziegler e Shia Labeouf no clipe da música “Elastic Heart”. Porém, torna-se impossível notar o quanto contraditório é uma música pop em uma indústria que cria cantoras que ditam padrões de beleza, e que muitas vezes detém seu sucesso baseado nisso e não no talento musical, a nível mundial tratar esse tema.

No seu sexto álbum lançado em 2014, que atingiu o topo da lista da Billboard, que ainda segue sendo um indicador de sucesso da indústria musical, as composições de Sia se alinharam com a sua voz e ela passou a ser reconhecida como cantora e compositora. Seu primeiro hit “Chandelier”, que conquistou o público primeiramente através do clipe que traz a jovem bailarina, Maddie Ziegler, de apenas 12 anos dançando por entre os cômodos de uma casa, lhe rendeu indicação a 4 grammys. A letra fala de uma menina que bebe e dança a noite na tentativa falha de esquecer as tristezas que sente, tentando mostrar a todos o quão forte e divertida ela é, escondendo suas dores e feridas – a distração de uma noite no copo sempre cheio de bebida evitando a manhã que chega lembrando todos os problemas cotidianos que nos dilaceram, e nos encontrando em caos e envergonhados. A canção encontrou uma representação perfeita na dança solitária de Maddie pelos cômodos vazios de um apartamento.

A segunda música do álbum, “Big grils cry”, foi a terceira música a ganhar clipe com Maddie Ziegler, encerrando assim uma espécie de trilogia formada por “Chandelier”, “Elastic heart” e “Big girls cry”. Mais uma canção que fala sobre uma garota forte, mas que mesmo assim se desaba em lágrimas solitária em seu apartamento, o mesmo no qual ela dançava sozinha, em “Chandelier”, buscando esquecer os problemas, agora os chora; como se criasse uma narrativa sobre o cotidiano dessa garota e as noites em que ela tenta esquecer suas dores festejando e as noites em que se entrega a eles na solidão da sua casa. E mais uma vez fica o encantamento com Maddie, que consegue dançar apenas com as suas mãos e expressão facial.

A terceira, “Burn the pages”, mostra o eu lírico dando força a uma outra menina para superar o fim de um relacionamento. A superação dolorosa depois do fim de um relacionamento voltará a ser tema da música seguinte, “Eye of the needle”. As músicas que tratam de relacionamento sempre trarão o tom de algo doloroso e difícil, como a “Hostage” – quase um pop rock -, onde a cantora se diz “refém” do sentimento que sente pelo outro; isso se repetirá em “Straight for the knife” – uma das músicas mais lentas e menos pop do disco - em que ela chega a aludir a um suicídio pelas dores e tristezas de amar um homem que a faz chorar. De fundo, em suas composições o homem sempre aparece em uma posição prestigiada em um relacionamento, com a mulher sendo menina, menor que o homem e tendo uma dependência que lhe causa tristezas, como na canção “Fair game” – que é quase como se Sia estivesse apenas recitando a letra sobre uma base eletrônica.

A oitava canção do disco, “Elastic Heart”, ganhou videoclipe com Maddie Ziegler e Shia Labeouf (mais conhecido como o ator do filme Transformers) dançando uma coreografia que se confunde em uma luta dentro de uma jaula. A letra traz a voz de alguém que se diz muito forte, mas frente a alguém que mesmo assim pode ferí-lo, porém não o verá desmoronar. Assim que o clipe foi lançado surgiu a polêmica de que a dança entre Shia e Maddy seria uma alusão a pedofilia, pela pouca idade da bailarina – observando o clipe chega-se a conclusão de que essa polêmica é um exagero tendo em vista que nenhum dos passos da coreografia alude a algo além de carinho e briga. Sia respondeu a essa polêmica em seu twitter dizendo que tanto o ator quanto a bailarina representavam a mesma pessoa, e a coreografia era uma luta interna, uma tentativa de alguém tentar tirar a si mesmo de dentro de uma jaula. Devido ao teor feminista que aparece nas músicas de Sia algumas pessoas também viram a coreografia como a tentativa da menina libertar o homem do machismo, que seria a jaula que o aprisiona, e da qual ele não consegue escapar ao fim.

A música seguinte, “Free the animal”, traz de novo o amor violento e opressor como mote, mas agora a violência é exercida por ambas as partes – uma das músicas mais experimentais, lembrando a música pop indie, que surgiu na Inglaterra em meado dos anos 2000. “Fire meet gasoline”, ultima música a ganhar clipe, também fala de uma paixão que causa dor e levará a uma morte, mas que mesmo assim o sujeito se encaminha a ela irracionalmente. A música que traz o verso “Burn with me tonight (Queime comigo essa noite)” ganhou clipe com a super modelo Heide Klum de lingerie incendiando uma casa, e vestindo ao final a peruca loira chanel, que ilustra a capa do disco 1000 forms of fear, e se tornou marca registrada de Sia.

As duas músicas que encerram o disco, “Cellophane” – que se inicia com a voz solo de Sai, sendo uma das músicas que mais mostra seu potencial vocal - e “Dressed in black”, já trazem o amor como algo salvador, sendo a segunda muito mais otimista nesse aspecto.

Sia é a nova queridinha do mundo da música pop, mas fica a pergunta do quanto isso se deve a um certo mercantilismo do feminismo, quando vemos que muitas meninas reivindicam as músicas dela por ela colocar a mulher se afirmando forte mesmo com suas fraquezas e reconhecendo as dores de relacionamentos doentios causadas pelo peso social que perpassa principalmente a forma que elas foram educadas a se relacionarem. Ainda assim, e também por isso, Sia é, além de uma geradora de hits, uma boa novidade a música, que ainda se alimenta de cantoras que se firmam apenas sobre sua aparência física – por isso é tão significativo uma cantora de 40 anos se apresentando de costas ao público e dependendo apenas da sua música e da arte de uma coreografia para agradar uma plateia, como fez no grammy -, e muito pouco na qualidade musical; e é indiscutível que suas músicas atingiram para além de um nicho do mercado, que é a juventude frequentadora de baladas, e conseguiu chegar até setores que se colocam muito avessos à música pop.




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