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TENSÕES EM MEIO A TRÉGUA | STF e militares: farpas que escondem que junto a Bolsonaro são responsáveis pelos mais de 75 mil mortos da crise sanitária

Bolsonaro se prepara para até meados de agosto retirar o militar Eduardo Pazuello do cargo de ministro da saúde, que ocupa interinamente há dois meses. Essa informação percorre os corredores do Planalto, em meio às trocas de farpas entre Gilmar Mendes e as Forças Armadas. Enquanto isso a crise sanitária já arrancou mais de 74 mil vidas no país, sem contar as milhares de mortes não notificadas, e têm custado diariamente muito aos trabalhadores e à população negra e pobre. Essa crise é usada como retórica para as disputas entre os poderes, mas a verdade é que todos eles têm as mãos sujas de sangue, se aproveitam da crise para atacar direitos elementares e dão de ombros para dezenas de milhares de vidas mais que poderão ser ceifadas até que seja de fato controlada a pandemia.

quinta-feira 16 de julho de 2020 | Edição do dia

O comentário de Gilmar Mendes no último sábado, 11, de que a imagem das Forças Armadas está se tornando “péssima” pela associação do Exército às políticas do governo Bolsonaro em relação à crise sanitária, classificadas por ele como “genocídio”, abriu uma série de respostas e tensões junto ao alto escalão dos militares, dentro e fora do governo, com Bolsonaro em quarentena buscando mediar e acalmar os ânimos.

O ministro da defesa, Fernando Azevedo, também militar, ingressou com uma representação na Procuradoria Geral da República (PGR) nesta terça, 14, através de parecer de consultoria jurídica que aponta crime contra a honra previsto no Código Penal, com menção ao artigo 23 da Lei de Segurança Nacional (LSN), que afirma que constitui crime incitar a animosidade entre as Forças Armadas, e com citação também do Código Penal Militar, que pode recair sobre civis em alguns casos.

Gilmar se apoiou no fato de que o governo Bolsonaro veio se militarizando cada vez mais — somente na pasta da saúde são 20 militares, sendo que destes 14 estão ainda na ativa — para cutucar as Forças Armadas em relação às políticas negacionistas e de minimização da pandemia por parte do governo Bolsonaro. Ao desferir seu comentário buscou se mostrar crítico dessa prática e se posicionar ao lado de setores que, segundo seu próprio juízo, se preocupam e buscam soluções para a imensa crise sanitária no país.

Entre estes setores “preocupados” está o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), mas que nada fez para destoar da política de não racionalização do tratamento à pandemia, como a garantia de testes massivos para organizar o isolamento social ou outras medidas básicas que até hoje não são levadas a frente nem mesmo nos estados e municípios que seu partido governa, em Goiás, Tocantins e Mato Grosso. Daí já é possível ver que entre esses dois setores, de um lado Bolsonaro e os militares, de outro Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e setores da ordem que são oposição, só há uma instrumentalização da crise, seja negando e a ferro e fogo, seja demagogicamente afirmando que se importa, mas ambos satisfazendo os interesses mais assassinos e exploradores do capital nacional e internacional.

De sábado para cá Gilmar buscou se explicar, dizendo que o uso do termo “genocídio” foi “meramente acadêmico”, mas os militares acharam insuficientes as explicações e o próprio vice-presidente, general Mourão declarou que seria melhor se retratar por essa “pesada na barra”. O próprio Bolsonaro, enfermo de Covid-19 após tanto minimizar a doença e as normas sanitárias de prevenção ao contágio, teve que atuar para que acontecesse uma ligação entre Pazuello e Gilmar para verificar a possibilidade de algum entendimento sem maiores tensões na frágil conjuntura de trégua que veio se sustentando após a prisão de Queiroz na casa de seu advogado e, em especial os temores frente ao levante negro nos EUA que se espalhou pelo mundo e no Brasil teve seus impactos, sendo a luta dos entregadores por App uma de suas expressões mais chamativas.

Entre os próprios militares do Exército há um descontentamento com a presença de Pazuello no cargo de ministro interino e uma pressão para que ele passe para a reserva, algo semelhante com a reação em relação ao militar Luiz Eduardo Ramos, que somente agora se aposentou mesmo há longo tempo no cargo de ministro da Secretaria de Governo — e ser um dos mais ativos na direção deste, como bem se viu na reunião-show de horrores dos ministros de Bolsonaro.

No tocante a Gilmar, assim como, do outro lado da disputa, em carta o alto escalão das Forças Armadas apoiou Azevedo, também setores opositores a Bolsonaro e setores juristas saíram em sua defesa. Um desses apoios se mostra através da carta do grupo de juristas Prerrogativas, que se postulou como crítico da ratificação dos acordos individuais que o STF fez na MP 936, mas que saiu comemorando junto aos sindicatos do PT e PCdoB a resolução final dessa medida que, camuflada de proteção aos empregos, serve para assegurar as demissões e reduções salariais em meio a essa crise brutal que vivemos. E também vale destacar que nem o STF e nem os demais setores entre os fatores de poder que se opõem ao negacionismo de Bolsonaro, como grande parte dos parlamentares dirigidos por Maia no Congresso, os governadores oposicionistas, como Dino, Dória ou Witzel e, também, a rede Globo, nenhum destes questionou a MP ou mesmo o novo ato administrativo do governo que também permite uma recontratação com salários e direitos reduzidos em menos de 90 dias.

Esse rebaixamento nos direitos dos trabalhadores é levado a cabo em meio a pandemia, como pretexto ou discussão de “excepcionalidade”, mas que há tempos vem sendo o fator de unidade entre governo e oposicionistas da ordem para agradar os grandes empresários que almejam assegurar seus lucros em meio à crise.

No que diz respeito à pandemia de Covid-19, que se coloca como principal contexto das disputas, tampouco Gilmar, os militares ou quaisquer outros setores que governam ou manipulam a opinião pública estão tomando as medidas necessárias. Estão todos unidos para assegurar uma abertura, que assim como foram as quarentenas, não garante nem a vida nem a recuperação do emprego e da renda, em meio à curvas crescentes e altíssimo número de mortos diariamente. Não asseguraram desde o início um reforço ao SUS, com contratações, equipamentos de proteção adequados e suficientes, afastamento do grupo de risco, além de uma incorporação dos hospitais e laboratórios privados ao setor público, como mínimo após tantos anos de lucro em cima desse direito elementar.

Ao invés disso, quando muito, apostaram em isolamentos irracionais para alguns setores da população, enquanto setores essenciais e outros, maioria precários, que não foram liberados seguiram com centenas de milhares de trabalhadores expostos à contaminação, sem testes massivos e com uma série de redução de direitos. No marco das mais de 74 mil mortes registradas no país, com especialistas sérios mostrando quase diariamente que a subnotificação provavelmente já levou o Brasil a mais de cem mil mortos, fica esse cenários de disputas demagógicas que somente escondem as mãos sujas de sangue de ambos setores beligerantes.

Dezenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas e centenas de milhares de infecções também, se o que regesse as políticas dos governos, respaldados pela Justiça, não fosse a sede de lucro. Somente os trabalhadores e os setores mais oprimidos, que estão pagando com a vida enquanto permitem que tudo siga funcionando, somente a nossa classe poderá dar uma resposta realmente de fundo a esse cenário caótico.

Essa saída não é a espera passiva das eleições, enquanto aceita os ataques brutais colocados, como o PT e PCdoB, pela via de seus governos e sindicatos tentam defender. Não. A saída só pode ser a derrubada de Bolsonaro e Mourão, pela força organizada dos trabalhadores, com seus setores negros e mais precarizados a frente, para assegurar uma Assembleia Constituinte que seja livre e soberana, arrancada com uma ampla unidade da nossa classe e dos oprimidos numa frente da luta de classes, nas mobilizações como as de entregadores e não em acordos de gabinete com golpistas, como se mostrou na Frente Ampla que até mesmo Temer e Alckmin tiveram espaço.




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