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ENTREVISTA | Ricardo Antunes: "O governo Temer é destrutivo e somente as lutas sociais podem devolvê-lo ao pântano da história"

Publicamos entrevista com o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes realizada por Gilson Dantas, médico e sociólogo, professor da Universidade de Brasília.

quinta-feira 20 de outubro de 2016 | Edição do dia

ED — O ex-deputado Eduardo Cunha foi preso ontem; que significado isso pode ter na conjuntura? E que cenários se pode imaginar a partir daí?

Ricardo Antunes: A prisão do Cunha é emblemática em muitas direções. No ponto mais importante, o Cunha é há muito tempo uma figura chave no PMDB, tem relação direta com o alto comando deste partido, do qual era figura de ponta; basta ver o peso que teve na Câmara dos Deputados; e sua prisão simboliza que, em dado momento desse processo, ele poderá delatar, o que é única alternativa para ele não morrer na prisão e para diminuir os riscos da prisão da sua família.

Cunha é um homem raivoso, e quem ele considera que saiu do esquema dele, ele tritura. Quando Dilma deixou de ser aliada do Cunha e não o apoiou para presidente da Câmara dos Deputados, o resultado foi que ele se tornou figura central para o impeachment da Dilma. Hoje, o problema é que ele conhece todos os segredos do PMDB e ao mesmo tempo ele está furioso, inclusive conhece o Temer, os acordos com caixa dois, verbas espúrias, coisas que passavam pelo Cunha. Ele tinha dezenas de deputados que dependiam dele, quantas negociatas não fez com governo e com o próprio Temer? A viagem do Temer do Japão para cá não deve estar nada tranquila para ele; os ministros expostos já são muitos. Há quanto tempo o Temer é presidente nacional do PMDB? Ninguém é presidente nacional do PMDB e fica impune dentro disso. A crise é profunda e pode ser o começo do fim de um governo que subiu pela via golpista e ilegítima.

ED - Nas últimas eleições o PT sofreu ampla derrota e, no entanto, o PSOL não cresceu na mesma proporção; como você vê este desencontro?

O golpe que depôs a Dilma não foi apenas contra o PT, é evidente para mim que esse golpe foi um rearranjo das classes dominantes num momento de crise econômica, social e política profunda. E há no cenário mundial, latino-americano e mundial, uma crise muito virulenta. Lembrando do Florestan Fernandes e fazendo aqui uso livre dele, podemos falar em contrarrevolução burguesa preventiva de amplitude global. Você tem as direitas duras, veja a própria Inglaterra saindo da Europa unida, através de um movimento capitaneado pela direita nacionalista e xenófoba, temos uma extrema direita muito forte na França, na Áustria, além da Itália. Este cenário vem contaminando muito de 2014 para cá, você lembra a ofensiva da direita nas manifestações contra a Dilma e que são, de fato, contra a esquerda, os socialistas os comunistas.

O desgaste do PT no plano eleitoral é uma tragédia, a incapacidade do PT em se legitimar, e ter fracassado nesse projeto, é entendida pela massa conservadora das classes médias e até por setores da população que são manipulados todos os dias pela mídia, televisiva, no sentido de que o PT é esquerda, a esquerda foi um horror, e isso contaminou toda a esquerda, o PT, o PCB, o PSTU, afetou toda a esquerda, na base do "votemos contra a esquerda"; sem falar que o PSOL também tem dificuldades, veja agora no Rio, Porto Alegre, duas cidades em que o PSOL vai bem, onde conseguiu pegar algum espaço, e veja que a Luciana Genro conseguia pontuar com níveis altos, com alguns segundos na TV, daí é excluída do debate, Erundina foi excluída do debate, 11 segundos não dá; veja no Rio, onde Freixo tem todo o centro e a direita e até setores da centro-esquerda que não votam nele e entram na campanha pró-Crivella; só em Belém do Pará é que o Edmilson tem mais chance; ainda que no Rio não sabemos o resultado, e no Rio de Janeiro é claro que temos a militância.

Na minha condição, como alguém que é militante do PSOL, e que ajuda como pode, não me surpreende que se veja o momento como adverso para a esquerda, que precisa preparar no médio e longo prazo novos líderes populares, nos movimentos sociais, menos ação parlamentar; o PSOL paga também um pouco o preço de um certo parlamentarismo, precisamos nos fortalecer nas lutas extraparlamentares, sociais, sindicais; o PSOL tem procurado avançar, mas esse terreno está muito aberto a partir da crise visceral do PT; é muito importante conquistar espaço não só nas eleições, mas na lutas sociais.

As eleições só passam a ter significado positivo e resultam em vitórias substanciais quando a luta e o envolvimento dos partidos nas lutas sociais sejam o mais importante; e, por fim, é importante entender que há um sentimento anti-partido muito forte; e o conjunto dessas coisas é que explica a dificuldade que o PSOL e demais partidos à esquerda do PT tiveram nessas eleições.

ED - O que o PSOL e a esquerda deveriam fazer para não repetir os erros do PT, por exemplo, alianças espúrias [como fez Haddad em São Paulo], alianças com a burguesia?

Primeiro a pergunta: o foco do PSOL é ter mais vereadores e mais parlamentares ou o foco é organizar as lutas sociais? Um não exclui o outro, mas tenho que ter claro o objetivo principal. Se eu organizo lutas sociais, lutas sindicais, lutas das periferias, lutas da classe trabalhadora, lutas dos negros, mulheres, dos homossexuais, terei como consequência a eleição de vereadores e parlamentares engajados nessas lutas. Mas esta eleição de vereadores e parlamentares não é prioridade, é consequência importante. A luta prioritária não se decide no parlamento. Se houvesse hoje no Brasil um movimento devastador contra esse parlamento, como tivemos em 2013, ele não teria feito nada do que fez [dos ataques atuais], porque esse parlamento é um bando quase completo, de prevalência pantanosa, é um parlamento que toma medidas cada dia piores.

Em 2013, quando se tomou as entradas aqui no congresso nacional em Brasília os parlamentares estavam com medo, não tomaram nenhuma medida. É preciso que voltem as lutas sociais, e o PSOL tem que priorizar isso.

Quais são alguns dos maiores equívocos do PT, portanto? Primeiro, ganhar eleição a qualquer preço, o que significa fazer aliança com qualquer um para ter mais espaço na TV. O PT foi fagocitado por forças que ele criou como seus aliados, nunca se pode esquecer que o Temer foi escolhido para ser homem de confiança do PT. E o esquema Temer, o esquema Cunha e do PMDB, toda essa massa de partidos do pântano que votaram no impeachment da Dilma, exceção dos Democratas – ironia completa, “democratas” - e PSDB, todos os demais passaram pelo PT, essa coisa de fazer aliança deus e o diabo na era do inferno leva a essa era de trevas que estamos vivendo.

É muito mais digno perder uma eleição com coerência e com uma proposta séria, do que mistificar ou fazer propostas para ganhar eleições e depois não se cumpre, ou é falso. O PSOL tem que ter como princípio a coragem de defender seus valores e seus princípios, e depois, em um dado momento da história, esta será um pouco mais generosa para nós. O momento agora é de resistência e de luta. Quando nós falamos em contrarrevolução não é brincadeira, cada dia mais esse parlamento traz medidas para destroçar conquistas sociais diretos populares, conquistados nos últimos quarenta ou cinquenta anos. Temos que resistir para dar depois um salto mais adiante.

ED - O Temer encontrará dificuldades para consumar o golpe até o fim? Qual a natureza dessas dificuldades?

São grandes dificuldades. Primeiro porque o projeto é tão destrutivo em um país que já tem 12 milhões de desempregados, sendo o índice real superior a isso, e somando mais subemprego, desalento, chega a 30 milhões, e isso em um contexto onde a força de trabalho gira em torno dos cento e poucos milhões. É uma situação onde fábricas e empresas fecham a cada dia. As classes médias, conservadoras, que deram base social para a deposição do governo Dilma, não têm nenhum encanto pelo governo Temer. E mais, ele nasce de um golpe, o que significa carregar uma natural ilegitimidade. Se o Cunha avançar na delação, muitos ministros do Temer serão perseguidos pela Lava a Jato.

Mas a verdadeira pedra no sapato do governo Temer são as lutas sociais. Havendo movimentos e desgastes do governo temer, pela via dos “fora Temer”, e na percepção de que seu projeto é amplamente destrutivo para todas as classes populares, é isso que pode colocar areia na engrenagem que já não anda bem, que nasce da ilegitimidade. Alguém tem ilusão que as medidas do Meirelles vão deixar de aprofundar a crise econômica? Elas vão aprofundar a dependência em relação ao capital financeiro, elas vão levar adiante aquele ajuste selvagem. As ideias que norteiam o governo Temer, tipo rebaixar o nível salarial das camadas trabalhadoras de modo brutal, destruir os direitos trabalhistas, daí a terceirização geral, com os PLs [antigo 4330] que cria terceirização geral e retoma a escravidão moderna no Brasil, a prevalência do negociado pelo legislado [onde a patronal pode arrebentar a legislação com negociações de fundo de quintal, ilegítimas], o negociado acaba destruindo a legislação existente no que ela tenha de positivo. E a reforma da previdência: se você tem desemprego hoje atingindo milhões de pessoas e se você aumentar o tempo de trabalho vai aumentar o desemprego! Uma medida plausível hoje seria a redução da jornada de trabalho e do tempo longevo do trabalho. O governo Temer é destrutivo e somente as lutas sociais podem devolvê-lo ao lugar de onde ele nunca deveria ter saído, do pântano da história.




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