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LULA E O PT | Retomar Trotsky contra os vulgarismos no combate à ultradireita

Qual a verdadeira concepção da unidade para ação contra a ultradireita, para Trotsky?

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

domingo 8 de abril de 2018 | Edição do dia

Todo o debate político no país gira ao redor da prisão de Lula, continuidade do golpe institucional levada a cabo de maneira completamente arbitrária pelo autoritarismo judiciário. Essa demonstração cínica de uma das maiores instituições coercitivas do Estado, e em primeiro lugar do STF que desde o início promoveu o golpe institucional, marca uma atmosfera envenenada pela prepotência de procuradores, juízes e magistrados que tem sinal verde para perseguir trabalhadores que não contam com a popularidade de Lula, sem ter qualquer fundamento jurídico sério.

Os atos promovidos pela direita, a chantagem sobre o STF feita pelo comandante general do Exército, Eduardo Villas Boas, e o atentado prévio à caravana de Lula e sua prisão, dão fruto a distintas concepções sobre os rumos do país em meio à polarização política e social que se incrementa.

Em boa medida, a ausência de expressões concretas de repúdio e luta contra as investidas dos golpistas, nos locais de trabalho, se deve pela decisão consciente do PT em fugir como da peste da luta de classes.

Ver aqui: Por que as massas não saíram às ruas contra a prisão de Lula?

Às portas do fascismo, ou da libido eleitoral do PT?

Após o repudiável atentado de um setor da ultradireita contra a caravana de Lula no Paraná, a direção do PT moveu seu aparato para disseminar a idéia de uma suposta “ofensiva fascista no país”. Essa idéia, que não resiste ao primeiro exame teórico e político sério, encontra terreno fértil para crescer, à luz do brutal assassinato de Marielle, de responsabilidade dos golpistas. Assim disposta, esta agitação sobre o “avanço do fascismo” tem um objetivo claro, para não dizer dois. Em primeiro lugar, serve para ocultar a responsabilidade do PT em fortalecer a direita e abrir caminho ao golpe institucional, que o próprio Lula perdoou, freando através dos sindicatos que dirige qualquer alternativa independente dos trabalhadores na luta de classes. Em segundo lugar, como esclareceu o intelectual petista Emir Sader, gerar uma atmosfera de medo capaz de convencer de que a única maneira de evitar o endurecimento do regime e os “arrebatamentos fascistas” é a “liderança de Lula”, ou seja, seu triunfo eleitoral.

Lamentavelmente, grande parte da esquerda faz coro com esta idéia exclusivamente funcional ao PT. O PSOL, que através da Fundação Lauro Campos já havia assinado em fevereiro um Manifesto vergonhoso com o PT, e com partidos burgueses como o PDT de Kátia Abreu e o PSB, agora elegeu dar sustentação a essa falsa agitação petista. Seu candidato presidencial, Guilherme Boulos, aumenta junto a Manuela D’Ávila do PCdoB o coro sobre a inexistente “ofensiva fascista”, em palanques eleitorais e em postagens no Facebook.

A contracara sectária dessa posição é a da esquerda golpista, exemplarmente sintetizada no PSTU. Para este, negar a existência do fascismo é apenas a antesala para negar o fato concreto do golpe institucional e naturalizar o autoritarismo judiciário, cujos métodos liberais reacionários e anti-operários seguem sendo para o PSTU a melhor maneira para acertar as contas com o PT.

Para repudiar o detestável atentado da ultradireita, não é necessário lançar frases banais sobre um fenômeno político com contornos bem delineados e com funções bastante específicas, como o fascismo. O marxismo revolucionário sempre se caracterizou pela precisão teórica dos conceitos e a científica diferenciação dos regimes políticos. Confundir todas as coisas com a régua do desespero – ou pior, do oportunismo – serve apenas para justificar concessões de princípio ou atuações equivocadas.

Quando trata de definir o fascismo, o teórico e dirigente revolucionário Leon Trotsky diz, sobre sua origem e função, que:

"A essência e o papel do fascismo consistem em liquidar completamente todas as organizações operárias e através de sua atomização impedir que ressurjam. Na sociedade capitalista desenvolvida, não é possível alcançar este objetivo apenas por meios policiais. A única maneira de consegui-lo consiste em opor diretamente à pressão do proletariado – quando esta se debilita – a pressão das massas pequeno burguesas desesperadas. É este sistema particular de reação capitalista o que entrou para a história sob o nome de fascismo". (“E Agora?”) .

O fascismo nasce da união do desespero das classes médias e da política terrorista do grande capital, que impulsiona estes setores arruinados da pequena burguesia a considerarem que a razão de sua ruína é a luta de classe dos trabalhadores. Trata-se da resposta contrarrevolucionária (posterior ou preventiva) ante a revolução proletária, mirando em especial as instituições do movimento operário. Como viemos discutindo neste Esquerda Diário, o mínimo rigor teórico revela que não existe ofensiva fascista nenhuma no Brasil (exceto nas fantasias eleitorais do PT, e de quem cede a ele), e sim execráveis atos da ultra-direita que precisam ser combatidos imediata e energicamente.

E aqui se abre um debate urgente, porque quanto mais o PT grita sobre a suposta “ofensiva fascista”, mais pisoteia a questão de como encarar seriamente um desafio da ultradireita? Ainda que não nos enfrentemos com um movimento fascista, as considerações políticas de Trotsky na década de 1930 são sumamente importantes para definir com precisão como combater estas manifestações ainda isoladas.

“Frente antifascista” ou unidade para ação de massas na luta?

O “filho bastardo” da idéia da ofensiva fascista é tristemente célebre “frente antifascista”. Agora, como no século XX, esta consigna é um conceito vazio, que esconde um bloco diplomático entre diferentes direções sobre uma plataforma política comum e imprecisa, que não obriga ninguém a ação alguma. Na década de 1930, Trotsky denunciava que, sob a bandeira da “frente antifascista”, o stalinismo instituiu uma frente de colaboração de classes com a burguesia republicana na França e na Espanha, as chamadas “Frentes Populares”, destruindo estes enormes processos revolucionários [1].

A unidade de ação é um debate fundamental para os revolucionários. Hoje, entretanto, a última coisa que se discute é uma unidade de ação por objetivos práticos e precisos na luta de classes (o que o marxismo da III Internacional denominou como a tática da frente única operária). Em nome da “frente antifascista”, o que se debate é a união de uma porção de candidatos em cima de um palanque, ou de sindicalistas no topo de um carro de som, por fora da luta de classes. Essa concepção da “unidade da esquerda” leva a marca do pacifismo petista e sua subordinação à institucionalidade burguesas.

Quando Trotsky encara o problema do combate à ultradireita, a unidade para a ação é concreta como o aço. Criticando os stalinistas na Alemanha, que boicotavam a frente única operária com os trabalhadores socialdemocratas, diz:

Não compreendem a diferença que existe entre um acordo parlamentar e um acordo para a luta por meio da greve ou em defesa das imprensas operárias. Os acordos eleitorais e os compromissos parlamentares celebrados entre o partido revolucionário e a socialdemocracia costumam servir, regra geral, aos reformistas. Acordos práticos para a ação de massas, pelos fins concretos da luta, servem sempre aos revolucionários

E conclui

Nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou os dirigentes sindicais alemães, nenhuma publicação, nenhuma bandeira comum! Marchar separados e golpear juntos! É necessário e suficiente colocar-se de acordo unicamente em como golpear, quem golpear, e quando golpear!” [2]

Ao contrário de manifestos diplomáticos, textos no Facebook e showmícios, para Trotsky a ação na luta de classes é o "centro" desde onde todas as outras táticas devem estar subordinadas. O acordo se resume a: quem golpear, como golpear e quando golpear.

Desta maneira, diferencia-se taxativamente uma frente diplomática de colaboração de classes (ou “frente antifascista”), da tática poderosa da frente única operária, a mais ampla unidade por objetivos práticos de ação na luta de classes.

A frente única operária

A tática da frente única operária, elaborada no III Congresso da Internacional Comunista, consistia na proposta dos comunistas a todas as organizações operárias, tanto os sindicatos como os partidos políticos (inclusive as organizações reformistas, como a socialdemocracia), de impulsionar a resistência comum contra os ataques do capital, ou de sua fração de ultra-direita.

Implica acordos com os reformistas como aliados circunstanciais, com o objetivo de unificar as fileiras operárias para lutas parciais em comum (aspecto tático). Por outro lado, como objetivo principal, a ampliação da influência dos partidos revolucionários como produto da experiência em comum (ou do seu rechaço pelas direções reformistas), no sentido de ganhar a maioria dos trabalhadores para a tomada do poder (aspecto estratégico) [3].

Henrique Canary, do MAIS/PSOL tem uma leitura própria da tática de frente única. Pode-se defender qualquer coisa no mundo; desde que não se atribua um pensamento a quem não tem responsabilidade por ele.

Vale a pena lembrar que esta política de delimitação absoluta com os reformistas já havia sido condenada pelo III Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1921, no qual se definiu pela atuação em conjunto, sob certas condições, com os partidos da social-democracia internacional”.

A luta da Internacional Comunista, dirigida por Lênin e Trotsky, para garantir a necessária unidade das massas trabalhadoras na ação contra a ofensiva dos capitalistas, andava lado a lado com a necessidade de delimitar-se integralmente das correntes reformistas do movimento operário. Frente única, para os marxistas, sempre foi sinônimo da completa liberdade de crítica entre os aliados na ação.

Na Alemanha dos 30, Trotsky não critica apenas o sectarismo dos stalinistas em não convocarem os trabalhadores socialdemocratas numa luta comum contra os fascistas. Critica os mesmos stalinistas que, a 5 de março de 1933, fazem uma ultimato desesperado de frente única com a socialdemocracia prometendo abster-se de criticar os reformistas durante todo o período da luta! [4] Isso equivalia a abandonar a utilização da unidade concreta na ação para fortalecer os revolucionários em detrimento dos reformistas.

Uma unidade de ação real no Brasil envolveria direções das organizações de massas do movimento operário dispostas a lutar. Entretanto, manifestações em formato de palanque não são uma unidade de ação real, por mais que a direção do PSOL, correntes como o MAIS e a candidatura de Guilherme Boulos insistam que se trata apenas de uma “frente contra os ataques”. A ausência da crítica à conciliação de classes do PT vai no sentido contrário à tarefa de influenciar os trabalhadores, as mulheres e a juventude no curso da luta.

O programa de ação deve ser puramente prático, puramente concreto, sem nenhuma exigência artificial, sem nenhum condicionamento. [...] Sobre esta base, e por meio do exemplo prático, é necessário atrair os operários socialdemocratas e criticar seus chefes que, inevitavelmente, servirão para por freio ao movimento. Só por esta via é possível a vitória. Mas é preciso querê-la.” [5]

O “esquecimento” deste fator – a crítica da estratégia reformista do capitalismo e da conciliação de classes – crucial para a unidade de ação, explica a unidade acrítica do MAIS com Lula e a conversão da frente única na unidade de todos sob as asas do PT. Cada um faz o que pode. Quando em nome da “frente antifascista” as fronteiras de classe começam a desaparecer, então não se trata mais de unidade de ação, se trata de uma frente política e programática.

É preciso chegar a um acordo sobre quem, como e quando golpear na luta de classes

Trata-se imediatamente de organizar reuniões de base e assembléias democráticas em cada fábrica, cada local de trabalho e estudo, em que os trabalhadores possam assumir em suas mãos a luta contra a prisão arbitrária de Lula e o direito de votar em quem quiser, por justiça a Marielle e contra as reformas dos golpistas.

Por que o PSOL não toma a iniciativa de exigir um acordo simples: quem golpear, como golpear e quando golpear, começando por dar exemplo nos lugares onde tem peso? Por que preferem atos eleitorais ao invés da luta prática? Esta escolha é a continuidade da assinatura de um Manifesto cuja principal razão é a defesa da propriedade privada dos capitalistas à maneira do PT.

A clareza teórico-política é fundamental para atuar com precisão. E isto é o que não vemos em grande parte da esquerda. Somente mantendo a luta de classes no eixo de todas as atividades se poderá construir um pólo anti-burocrático e combativo que exija das grandes centrais sindicais como a CUT e a CTB um plano de luta concreto para colocar o movimento de massas em cena.

Só assim é possível tirar as lições da conciliação de classes petista para erguer uma alternativa política dos trabalhadores, com independência de classe, que tenha como programa e estratégia acabar com esta sociedade de exploração e opressão.

Notas

[1] Leon Trotsky. "A democracia burguesa e a luta contra o fascismo", 13 de janeiro de 1936.

[2] Leon Trotsky. "Por uma frente única operária contra o fascismo: carta a um operário comunista", 8 de dezembro de 1931

[3] Emilio Albamonte e Matías Maiello, "Estratégia socialista e Arte Militar".

[4] Leon Trotsky. "A catástrofe alemã:a responsabilidade da direção", 28 de maio de 1933.

[5] Leon Trotsky. "Por uma frente única operária contra o fascismo: carta a um operário comunista"


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