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TRIBUNA ABERTA | Quem tem medo da educação pública? O Colégio Pedro II na luta contra o Escola Sem Partido

sábado 14 de outubro de 2017 | Edição do dia

Foto: facebook da Frente Nacional Escola Sem Mordaça

O Colégio Pedro II, destaque na oferta da educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada, passa por uma série de ataques de segmentos conservadores, reacionários e afins, em geral, ligados ao programa/agrupamento político Escola Sem Partido. O ESP se tornou um fenômeno educacional de extrema relevância na sociedade atual, não por seus méritos epistemológicos, acadêmicos ou científico, mas pela pretensão justamente de atingir diretamente a educação, especialmente a educação pública, atacando-a por meio da ofensiva aos professores, servidores, e também ao alunado. Mas o que é o ESP? por que um projeto que data de 2004 apenas há 2 anos foi obter algum tipo de repercussão no campo educacional? E por que o colégio Pedro II?

Bem, o Escola Sem Partido é uma iniciativa de setores de direita, com íntima vinculação ao capital, coordenados por Miguel Nagib, um advogado que era vinculado ao Instituto Millenium (principal difusor das ideias neoliberais no Brasil), que busca acabar com uma suposta “doutrinação esquerdista” nas escolas. Essa doutrinação teria como principais marcas os debates acerca dos direitos humanos, discussão acerca das desigualdades sociais e a “famigerada” discussão sobre a igualdade de gênero, denominada por esses setores de Ideologia de Gênero. Esse projeto parte da premissa que o papel da escola não é educar, mas instruir, e que o conhecimento por si só seria neutro e deveria ser transmitido enquanto tal, caso, não existindo isso, haveria uma doutrinação, na qual o professor estaria doutrinando os seus alunos de acordo com uma política partidária de esquerda (nunca de direita para o autor). O programa evolui para uma forte organização política que ganha eco nos setores mais reacionários da sociedade brasileira, tornando-se projeto de lei que circula em mais de 60 municípios, sendo aprovado em alguns, implicando em uma verdadeira cruzada contra os “professores”, buscando a criminalização dos mesmos, além de uma cruzada contra qualquer tipo de debate que possa tangenciar elementos relativos aos direitos humanos, como a igualdade de gênero e a questão LGBT.

A iniciativa do Escola Sem Partido ocorreu em 2004, mas só foi atingir tamanha repercussão em 2014, com sua apresentação na forma de Projeto de Lei pelo Vereador Bolsonaro no Rio de Janeiro. O que mudou de um tempo para outro que permitiu a tal projeto passar de motivos de chacotas nos debates educacionais para uma ameaça ao trabalho docente e à educação pública? Entendemos que a conjuntura vira a partir da crise estrutural do capitalismo que irrompe a partir de 2008, alcançado o seu ápice no Brasil em 2016, ano do golpe jurídico-político na presidenta Dilma Roussef.

Se compreendemos o capitalismo como um modo de produção da vida, que é produzido e reproduzido nas esferas macro e microssociais, possuindo toda uma sociabilidade (regras, valores, cultura, institucionalidade), ou seja, relações sociais de produção próprias à sua ordem, uma crise estrutural implica em uma crise também nessa sociabilidade. Essa crise que possui elementos materiais como o desemprego, diminuição do poder aquisitivo do conjunto da população, hiperendividamento da mesma, escalada da violência, cria uma base material para uma crise de hegemonia, uma crise dessa mesma sociabilidade, o descrédito nas instituições, a falta de esperança e expectativas sobretudo nos segmentos mais jovens e mais pauperizados. Esse processo, ao passo que possibilita uma rebeldia para com a ordem em vigor, possibilitando irrupções revolucionárias, revoltas antissistêmicas também engendra um solo fértil para o surgimento de ideias e ideais ultraconservadores, canalizando o ódio contra o rebaixamento das condições de vida como um ódio contra aqueles sujeitos que de alguma maneira subvertem a lógica do capital. Isso é feito com maestria pelos setores ligados ao capital que, ao não poderem admitir que a crise é sistêmica, devem buscar outras causas e culpados para a crise como uma crise “moral”, ou crise da família, ou crise da ética, corrupção, etc. Assim, em nome da retomada da “moral” capitalista, do rearranjo social ético, os sujeitos a serem perseguidos são exatamente aqueles que destoam da sociabilidade do capital: as negras e negros, em especial a juventude periférica e pauperizada que se torna uma ameaça aos sujeitos; à população LGBT, uma ameaça para a família nuclear tradicional que é a base do capital; aos direitos das mulheres, que por conta de sua emancipação, ainda que tacanha e limitada, representam mudanças fundamentais na estrutura familiar. Todos esses elementos associados à hábil conexão realizada pelos segmentos do capital da esquerda à corrupção, muito por conta da regressão da consciência imposta pelo governo de conciliação de classes do PT, formam uma base ideológica firme para a intensificação do conservadorismo na sociedade brasileira. Ainda somemos a isso a nossa herança colonial, o próprio patrimonialismo que é um elemento subjetivo fundamental da classe dominante brasileira, o seu superprivilegiamento com o aparelhamento do Estado, o que faz com que o conservadorismo no Brasil seja ainda mais intenso, faz com que os ataques desses setores reacionários ganhem ainda mais força, o que tem seu auge no processo de golpe ocorrido em 2016.

Esse é o cenário que faz com que o Escola Sem Partido, um dos elementos mais importantes, desse arcabouço conservador tenha tamanha inserção na população brasileira. Ao contrário do que se fala acerca do homem cordial brasileiro, nossa população ainda é extremamente misógina, machista, racista e LGBTfóbica, a tolerância passa longe das terras tupiniquins.

Diante disso, o ataque da educação é um desdobramento desse processo. Tendo em vista que ao longo dos 13 anos de governo PT, por conta do processo de regressão de consciência e apaziguamento/apassivamento da classe trabalhadora impingido pelo governo, a educação foi um dos poucos setores que conseguiu manter um caráter ainda mais combatido, sobretudo nos setores que conseguiram se desvincular da CUT, UNE e os demais braços do PT nos movimentos sociais. Podemos falar tranquilamente que os setores relativos à educação promoveram, ou foram vanguarda, das maiores e mais intensas greves do país nos últimos anos, especialmente no funcionalismo público. Fato esse intensificado pela retomada das lutas estudantis a partir do fenômeno das ocupações que recolocou o movimento secundarista no centro das lutas. Além disso, é também na educação, que aconteceram os maiores avanços relativos aos direitos humanos, como as cotas, a inclusão das discussões do racismo, machismo e LGBTfobia, possibilidade de inclusão do nome social da população LGBT. Dessa feita, a educação no país se torna uma ameaça à própria lógica de produção capitalista, tanto no que concerne à manutenção das taxas de lucro, quanto à reprodução de sua sociabilidade.

O Pedro II se encaixa nesse contexto justamente por ir além da defesa dos direitos humanos, sendo o marco fundamental do processo que desencadeia o processo persecutório o fim da distinção de sexo para a utilização de uniformes. Nesse momento, se inicia uma campanha odiosa e falaciosa em todos os segmentos reacionários e ligados a burguesia, incluindo a grande mídia que, vez ou outra, levanta alguma pauta identitária e afirma uma pretensa luta contra o preconceito. Como poderia dentro de todo esse cenário um colégio que é vanguarda na luta pelos direitos humanos, aliando a isso condições de trabalho e estudo acima da média nacional, resultados expressivos no ENEM? Para esses setores isso não é possível, então, se inicia uma grande campanha de ódio contra o Colégio que é aglutinada por parlamentares, como o Fernando Feriado do DEM, integrante do MBL, Sóstenes Cavalcante do Rio de Janeiro, segmentos religiosos como o pastor Malafaia, fora a mídia, como a própria Veja, além da perseguição implacável imposta pelo judiciário na figura do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro. O colégio é acusado de promover apologia à homossexualidade, ao uso de drogas, dentre outras mentiras absurdas, apenas por tocar na pauta relativa aos direitos humanos e à igualdade entre os sujeitos, formação crítica é taxada de doutrinação.

Com isso, o funcionalismo do colégio, incluindo servidoras e docentes, responsáveis e estudantes formam a Frente Escola Sem Mordaça com o intuito de combater todos esses ataques e dirimir esse clima policialesco que paira por sobre a escola. Não podemos admitir quaisquer tipos de interferências no processo de autonomia pedagógica, não devemos ser omissos diante da população que mais mata a população LGBT no mundo, por fim, é igualmente inconcebível a tentativa de destruir uma escola pública, gratuita e de qualidade. A nossa luta não é apenas uma luta por um colégio, mas todo um projeto nefasto de sociedade que pretende marginalizar, quando não eliminar, as minorias e intensificar a subordinação da classe trabalhadora aos imperativos de lucros da burguesia.
Lutar contra o Escola Sem Partido é lutar também contra a sociabilidade capitalista, contra as opressões e demais formas de violência!

POR UMA ESCOLA PÚBLICA, LAICA, GRATUITA E DE QUALIDADE SOCIALMENTE REFERENCIA NA E PARA A CLASSE TRABALHADORA.




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