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GUERRA NA SÍRIA | Que interesses defende a Rússia bombardeando o Estado Islâmico?

O Ministério da Defesa da Rússia confirmou nesta terça-feira que aviões russos bombardearam posições do Estado Islâmico na Síria. O Senado havia aprovado, no mesmo dia, o envio de tropas ao país árabe, depois da solicitação de Putin que atendeu ao pedido do ditador Bashar El-Assad.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 30 de setembro de 2015 | 23:54

Segundo o Ministério da Defesa, caças-bombardeiros russos iniciaram uma operação “antiterrorista” com base na capital iraquiana, Bagdá, que unifica Rússia, Irã e Iraque no ataque a posições do Estado Islâmico na Síria. Os objetivos dos bombardeios russos seriam “armamentos pesados, nós de comunicação, meios de transporte e arsenais de armas,” numa operação que segundo o Kremlin se refere “exclusivamente à força aérea russa”, descartando a utilização de tropas terrestres.

Vladimir Putin, que há poucos dias falou depois de uma ausência de 10 anos numa Assembléia da ONU, defendeu a legitimidade da intervenção militar russa na Síria por ter sido solicitada pelo sangrento ditador Assad. Ao contrário, a operação chefiada pelos EUA, França e Austrália, há mais de um ano em curso contra o Estado Islâmico, não conta nem com o mandato do Conselho de Segurança da ONU nem com a autorização do regime de Damasco.

O Senado russo aprovou o envio da força aérea a pedido de Putin, que atendeu à solicitação de ajuda militar do próprio Assad. Tudo indica que estas negociações já vinham acontecendo por algumas semanas, tendo em vista a política que veio tomando o governo sírio de reproduzir em rede nacional de rádio e televisão canções nacionalistas russas e uma campanha de beatificação de Putin como um “grande aliado nacional”.

Os interesses russos na Síria

Como viemos discutindo no Esquerda Diário, há mais de um ano do início da operação militar coordenada pelos Estados Unidos e seus aliados regionais, é visível a debilidade e o fracasso da estratégia militar norteamericana no território sírio contra o Estado Islâmico: os bombardeios aéreos da coalizão não debilitaram os fundamentalistas islâmicos. Pelo contrário, o EI vem ganhando posições crescentes para o centro da Síria e ameaçando a capital Damasco, uma das poucas regiões ainda nas mãos de Assad.

Em maio, o Estado Islâmico havia assumido o controle de duas cidades de importância estratégica: Ramadi, no coração sunita do Iraque, e Palmira, na rota para o leste da Síria, estendendo, assim, as fronteiras móveis do califado. Estas conquistas compensaram as perdas de Kobane (região curda do norte da Síria) e Tikrit no Iraque, e inauguraram uma nova fase na guerra. Cerca de 50% do território sírio e 30% do território iraquiano estão nas mãos do EI.

A perda dessas cidades multiplicou exponencialmente a catástrofe humanitária, com centenas de milhares de pessoas buscando fugir da violência do EI e dos bombardeios norte-americanos, sendo em grande medida o núcleo da crise migratória hoje na Europa.

Palmira, de maioria sunita, não é apenas famosa por seus tesouros arqueológicos, mas também por ser a sede de um dos centros de detenção e tortura mais brutais do regime sírio. Localizada no estado de Homs, um dos epicentros da rebelião contra Assad, estava ocupada pelas tropas governamentais. Diante do avanço do EI, os Estados Unidos viu-se diante do dilema concreto de cooperar com Al-Assad. Perante isso, optou pela não intervenção, diferente do que fez em Ramadi e, antes, em Kobane, onde apoiou com bombardeios aéreos.

A conquista da cidade histórica de Palmira, cujo acervo cultural é alvo do terrorismo reacionário do Estado Islâmico, abriu caminho para o litoral, praticamente cortando as linhas de comunicação entre Damasco e a cidade de Homs, segunda maior cidade do país.

É esse avanço que deixou Moscou com grandes preocupações. Homs fica muito próxima ao litoral sírio no Mediterrâneo, onde se situa a única base militar russa fora do seu território, na localidade de Tartüs. A Rússia considera esta posição irrenunciável. Segundo o The Economist, registros do Pentágono mostraram que nas últimas semanas a Rússia enviou 28 aviões de guerra para Latakia, a alguns quilômetros de Tartüs. Junto a estes caças SU-24 e SU-25, de última geração, estavam acompanhados sistemas anti-aéreos, aviões de transporte TU-155 e 2000 soldados, que serviriam para auxiliar o regime aliado de Assad que mantém as bases russas sob sua proteção.

Outra preocupação de Moscou é no âmbito econômico: boa parte do financiamento do Estado Islâmico provém da renda do petróleo, fonte energética chave das exportações russas. A presença dos jihadistas próximo ao Mediterrâneo ameaça uma zona de interesse chave, onde a Rússia quer construir o "Canal Turco", um gasoduto russo que entraria na Europa através da Grécia, e não da Ucrânia.

Os trunfos russos em meio ao fracasso estratégico norteamericano

Tanto militar como diplomaticamente, trata-se de triunfos importantes da Rússia sobre os Estados Unidos. Sob a alegação de uma luta comum contra a ameaça jihadista, Putin pode justificar o fortalecimento de sua presença militar no Oriente Médio e no Mediterrâneo (expandindo sua base naval). Politicamente, Putin mostrou na Assembléia da ONU ser um “parceiro vital” dos EUA contra o EI, enviando sinais de que esta aliança se dará sob a égide da proteção do regime ditatorial de Assad, um tremendo fator de instabilidade na região para a política de Obama.

Além disso, Putin assegurou uma nova conquista no Oriente Médio: as autoridades iraquianas anunciaram a criação de uma célula de coordenação em matéria de inteligência e segurança em Bagdá com a Rússia, o Irã e a Síria. Outro revés para Washington.

As mensagens de desagrado vieram rapidamente da Casa Branca. O Secretário de Defesa dos EUA, Ashton Carter, criticou a estratégia russa na Síria, dizendo que “os bombardeios provavelmente atingiram zonas sem presença do EI”, e que o objetivo russo de atacar o EI enquanto apóia o regime de Assad “só aumenta o risco de deterioração da guerra civil síria”, porque não busca uma solução política ao conflito.

O Ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, pediu investigação de Assad por “crimes de guerra”.

Apesar disso, por ora Putin faz retorno triunfal à diplomacia internacional, depois do isolamento surgido com a guerra na Ucrânia. Apesar das debilidades claras da Rússia, com uma forte crise econômica e com grande parte da população (69%) contrária à intervenção na Síria, a crise da política norte-americana no Oriente Médio permitiu que voltasse com força ao cenário diplomático regional e mundial e dá outro exemplo da decadência da hegemonia imperialista estadunidense, incapaz de provar-se como “força indispensável” na solução de conflitos internacionais.

Independência do imperialismo, da Rússia e da burguesia local

Um setor minoritário da esquerda internacional postula a defesa de Assad. Outro setor, pelo contrário, pedia a intervenção dos EUA. Ambas as posições são equivocadas. É evidente que a ditadura sanguinária de Assad não desempenha nenhum papel progressista. Lançou uma repressão brutal para acabar com as mobilizações iniciadas em 2011 que, como parte da primavera árabe, expressava o cansaço da população com a repressão e as condições de vida do país. Mas a intervenção militar chefiada pelos EUA é um disciplinamento pela direita imperialista contra qualquer tentativa de derrubada do regime que não seja uma “transição pactuada” que mantenha o capitalismo de pé.

Ainda que a perspectiva revolucionária dos trabalhadores independente do imperialismo, da Rússia e das frações burguesas locais pareça longínqua, é a única perspectiva real e progressista contra a barbárie na Síria.




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