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VENEZUELA | Quase 20 anos de chavismo: a Venezuela tão ou ainda mais dependente do imperialismo

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quinta-feira 7 de setembro de 2017 | Edição do dia

Já faz quase 20 anos que Hugo Chávez entrava triunfante no Palácio de Miraflores. Com toda altivez de um militar que cavalgava uma imensa insatisfação social e um igualmente imenso vazio de representação de esquerda, jurava patriotismo desafiando “a Constituição moribunda” da “democracia dos ricos” do regime do Punto Fijo golpeado mortalmente pela imensa rebelião conhecida como “Caracazo”. Depois de frustrado o golpe de 2002, apoiado pelo Rei de Espanha e por George W.Bush e frustradas também outras táticas de deposição, o país se vê presa novamente do imperialismo. Graças às políticas do chavismo o país está em posição mais frágil perante o imperialismo passadas quase duas décadas do chavismo no poder.

A águia e sua sede de ouro negro e dominação geopolítica

A Venezuela tem uma das maiores reservas de petróleo no mundo. Diferente do Brasil, com óleo extraído das profundezas do Oceano Atlântico, jorra a poucos metros de profundidade no Lago Maracaibo e reservas incontáveis de óleo pesado se encontram no Rio Orinoco, mais próxima ao grande mercado consumidor dos EUA sempre esteve na mira das petroleiras americanas.

Já na década de 20 Rockfeller e sua Standard Oil dominavam a economia e a política Venezuela, a Creole Oil Company, subsidiária da gigante mundial era a maior produtora de petróleo do mundo. Golpes, governos títeres, influência cultural vem desde então.

Os Rockfeller em sua fazenda na Venezuela. Fonte: Revista Time

O petróleo desempenha há algumas décadas um papel fundamental na política externa norte-americana, não importando se os governos são democratas ou republicanos é dada importância decisiva para controlar esse recurso que se encontra em maior abudância em semicolônias do que nos países centrais.

Dessa importância para o imperialismo decorre uma especial pressão a governos bonapartistas sui generis em países ricos nesse produto. Se apoiando no imperialismo contra as massas, governos que favorecem o imperialismo aberta e completamente, ou por outro lado, governos que buscam algum nível de mobilização das massas contra o imperialismo para favorecer as fracas burguesias nacionais a terem maior margem de manobra no plano internacional. Chávez assumiu alguns traços de um bonapartismo sui generis de esquerda como este acima descrito.

Aproveitando-se do boom das commodities e aumento do preço do petróleo pode fazer isso com um grau de enfrentamento menor do que foi um governo Cardenas no México nos anos 30. Politicamente é notável como o “enfrentamento” de Chavez com o imperialismo americano (nunca com o imperialismo em geral) foi maior nos governo Bush do que nos governo Obama e nem falar agora com Trump que Maduro buscou (sem sucesso) tentar se tornar um interlocutor durante a campanha.

Além de petróleo a Venezuela oferece uma das “chaves” para o controle do Caribe, região estratégica para os EUA como seu “pátio traseiro”. Assim se entende as bravatas de Trump que “não descarta uma opção militar para a Venezuela” (descartadas prontamente por seu Estado Maior), aumento das sanções ao passo que poupa as negociações de petróleo dessas medidas. A pressão é sob o povo venezuelano, mas não sobre o ouro negro, pressão para mudar a correlação de forças a favor da pró-imperialista MUD e para conseguir maiores nacos sobre a renda do petróleo.

Toda e qualquer intervenção militar yankee deve ser prontamente rechaçada e nos colocarmos do lado da nação oprimida contra a agressão do amo do norte caso Trump avance das palavras à ação. Mas esse apoio não pode se confundir a um apoio político ao chavismo e a Maduro pois até mesmo para se enfrentar com o imperialismo é preciso superar os limites colocados por esse regime. Como buscamos mostrar nesse artigo, quase 20 anos no poder colocaram a Venezuela em posição igual ou pior frente a chantagem e ameaça yankee.

Apesar da retórica e algum avanço na apropriação da renda do petróleo a Venezuela depois de duas décadas de um governo nacionalista está igualmente ou até mesmo mais dependente do imperialismo.

A essa ideia “herege”, baseada especialmente em uma análise da economia venezuelana dedicamos o artigo. A dependência do imperialismo se expressa também no isolamento geopolítico, na maior primarização da economia e uma situação que beira a catástrofe econômica. Cada iniciativa dos trabalhadores de “irem além” foi cerceada. O resultado deplorável se sente hoje.

A Venezuela antes do chavismo

A burguesia venezuelana é dona de uma proeza mundial. Rivaliza com a brasileira em seu reacionarismo e racismo. “Dona” ou “sócia” menor dos EUA em uma das maiores reservas mundiais de petróleo. Com essa riqueza ímpar tinha como hábito as viagens semanais a Miami para “passear”. Ostentava como objetos de desejo mundial suas mil e uma “miss universo”, e um padrão de beleza imposto como esporte pátrio (a final da Miss Universo rivaliza com as finais do campeonato de beisebol em audiência na TV). Um padrão de beleza que retrata a herança dessa burguesia com uma magreza inalcançável e um tanto embranquecida para sua população majoritariamente negra e morocha como dizem no nosso país vizinho. A burguesia em suas urbanizaciones nobres do vale caraquenho temiam (e temem) a descida dos morros, como sua contraparte carioca.

Um país cheio de terras férteis, dominada por latifúndios improdutivos, ostentava (e ainda ostenta) uma característica muito particular para a América Latina: era dependente de importações de comida, até mesmo de hortaliças. Um regime supostamente democrático que ostentava uma alternância de poder entre dois partidos que se completavam como os republicanos e democratas nos EUA, ou como alas públicas de um PRI mexicano. A população na fome, no desemprego, e os ricos passeando em Miami, La Margarida, Aruba.

Em 1989 depois de anos de queda no preço do petróleo a burguesia apelou para um ajuste neoliberal brutal que foi respondido com o “Caracazo”. Uma imensa rebelião popular que deixou mais de 3mil mortos e que mesmo com tamanho banho de sangue não estancou a hemorragia de um regime podre. Várias tentativas de golpe de estado (uma delas liderada por Chávez) e um ascenso operário de uma década precederão a eleição de 1998 vencida por “El Comandante”. Um vazio brutal de esquerda começava a ser preenchido sob liderança do oficial paraquedista.

Saiba mais: Caracazo, o morro desceu em todo país, uma imensa revolta contra o neoliberalismo

Em 1999, ano da posse de Chávez o país rico em petróleo exibia uma taxa de pobreza “brasileira” de 49,4%, em 2010 era de 27,8%. Essa expressiva redução foi, no entanto quase 10% menor que a ocorrida com Lula no Brasil, ou mesmo menor do que a promovida por governos de direita no Peru. Ou seja, foi parte de um ciclo no continente, independente das “cores” que assumiam os governos que emergiram da crise do neoliberalismo no continente (dados da CEPAL).

Agora em 2017 a pobreza volta a crescer. O salário mínimo defasado por uma galopante inflação de dar inveja em Collor (da ordem de 1.000%). Enquanto isso os salários recebem reajustes da ordem de 40 a 60%. O caos na economia, produto da corrupção da boliburguesia chavista a cargo das estatais (em grande parte militares, que estimativas dão conta de controlarem cerca de 40% do PIB via controle de portos e estatais) e por um desabastecimento produzido pela elite esquálida que quer voltar ao poder em benefício próprio e com formas ainda mais favoráveis ao imperialismo.

Fila para distribuição de bolsas de comida da CLAP, em La Guatira, Estado Vargas, Região Metropolitana de Caracas

Nessa combinação catastrófica uma parcela crescente da população depende de sacos de comida distribuídas nos Centros Locais de Abastecimento (CLAP).

Tal como antes de 1999, a comida é invariavelmente importada e isso as estatizações de Chávez não mudaram um átomo, o país está tão ou mais dependente do imperialismo do ponto de vista estrutural, até mesmo para se alimentar. A boliburguesia chavista tem um projeto de país (e privilégios) que não muda o caráter rentista de sua “irmã” mais velha zifrina e esquálida. Coisa que uma parcela da esquerda brasileira se recusa a ver.

Renda do petróleo e aumento da dependência externa

Para além do discurso e da retórica, a principal medida nacionalista do regime Chavista foi avançar sobre o controle de uma parcela maior da renda do petróleo. A estatal PDVSA passou a ser a operadora em diversos campos que eram operados por empresas estrangeiras, e diversas áreas da produção de petróleo foram estatizadas. Essas estatizações, no entanto, foram compensadas a preço de mercado (ou acima dele) e a mesmas empresas imperialistas voltaram como “sócias” da PDVSA nos campos. Desse modo vários campos do Orinoco tem parceiras chinesas, russas, e claro que também francesas e ianques.

Esse controle de parte maior da renda do petróleo permitiu em anos de aumento do preço do barril a realização de diversas medidas distributivas em áreas como moradia e outros programas sociais, no entanto, como mostramos, o nível de redução da pobreza esteve igual ao ciclo de todo o continente.

Tudo “corria bem” enquanto o petróleo subia, mas quando o preço começou a cair, os programas sociais começaram a sofrer cortes e a dívida externa deu um salto monstruoso agravando o já imenso déficit fiscal. Isso porque a economia está cada vez mais primarizada depois de duas décadas de “socialismo do século XXI”.

Depois de duas décadas a principal receita do Estado (96%) segue sendo as exportações de petróleo. A indústria como um todo, em que pese as nacionalizações, diminui seu peso no PIB e agricultura está abaixo de metade do que era em 2008, auge do preço do petróleo e da estabilidade chavista. Compilamos abaixo dados de produção agrícola e sua porcentagem no consumo interno:

elaboração própria a partir de dados da Fedeagro, uma CNA venezuelana: http://www.fedeagro.org/detalle3.asp?id=2828

É evidente que parte desses dados tem a mão dos golpistas da burguesia venezuelana e seus repetidos locautes abertos ou disfarçados, mas a atuação consciente do chavismo sempre foi de buscar a conciliação de classes enquanto explorava retoricamente uma polarização política. Foi assim que as refinarias controladas pelos trabalhadores depois do golpe em 2002 foram devolvidas aos gerentes, fábricas ocupadas reprimidas (como a Mitsubishi), é assim que não se arranca o latifúndio porque o que se quer é um tal de “socialismo com empresários”.

O resultado atual é produto da orientação estratégica do chavismo.

É assim que passadas duas décadas o legado do chavismo não foi de aproveitar o boom do preço do petróleo para que o país estivesse menos semi-colonial do ponto de vista da economia do que era. Pelo contrário está mais e mais dependente do petróleo.

A relação do preço do barril com a crise social e econômica Venezuelana é completa. O preço do barril é cada vez menos “soberano” da Venezuela e ditado mais e mais pelo imperialismo, as determinações políticas do cartel da OPEP já importam menos pois a produção de petróleo avançou muito em países que não são parte do cartel. Desse modo agora a Rússia, México, Brasil e a produção americana de shale gas ocupam espaços maiores do mercado mundial.

O preço do barril West Texas Intermediate, a referência no mercado americano, principal comprador do cru venezuelano caiu de 110 dólares em setembro de 2013 para cerca de 42 no dia hoje (os dados são da agência Bloomberg):

Acompanhando essa situação, a dívida da Venezuela deu um salto, justamente quando caiu o preço do barril. Saltando de um patamar histórico abaixo de 40 bilhões para imensos 140 bilhões hoje em dia.

Elaboração própria a partir de dados da CEPAL, pode-se acessar a base de dados em: [http://interwp.cepal.org/sisgen/ConsultaIntegrada.asp?idIndicador=1694&idioma=e ->http://interwp.cepal.org/sisgen/ConsultaIntegrada.asp?idIndicador=1694&idioma=e )

Esse salto no endividamento externo faz com que o país gaste somente neste ano de 2017, 17 bilhões de dólares em serviço da dívida, aumentando um imenso déficit do país. A Venezuela tem receitas da ordem de 95 bilhões de dólares, e gastos da ordem de 228 bilhões de dólares, corroendo suas reservas internacionais que exigem sempre novos empréstimos a juros cada vez mais altos, e conter todos gastos externos para garantir o pagamento dessa dívida. As receitas eram mais condizentes com os gastos quando a principal fonte de receitas, o petróleo (96%) estava no dobro do preço atual, agora toda essa riqueza esta submetida à dívida enquanto há fome e gente morrendo por falta de importação de medicamentos (que o país cada vez produz menos).

Uma situação insustentável que demanda mais e mais endividamento, corte nos gastos e aumentar as parcerias com o imperialismo. Essa situação dramática levou Maduro a atacar os salários logo quando assumiu o governo, gerando uma perda de confiança nas bases chavistas, situação que tem tentando ser explorada desde então pela oposição burguesa da Mesa de Unidad Democratica (MUD).

Algumas conclusões

As bases frágeis em que se encontra hoje a Venezuela não são unicamente produto da ação yankee ou de uma burguesia esquálida e zifirina e seu boicote ativo, mas, sobremaneira, dos limites colocados pelo chavismo. O combate ao salto da colonização de nosso país vizinho ao norte passaria por um apoio militar caso a bravata de Trump vire algo mais do que é até agora, uma bravata. Mas mesmo naquele caso passaria por uma política independente do madurismo e chavismo. Mais ainda hoje quando não está dado que quem conduzirá a maior colonização do país serão os lacaios da MUD ou um chavismo mais autoritário e decante que busca se manter no poder com uma combinação de autoritarismo, crescente poder dos militares e negociações (secretas) via UNASUL com "interlocutores" tão pró-imperialistas como um Temer ou Macri.

Até mesmo para a “completa independência bolivariana”, até mesmo para obter maiores margens frente ao imperialismo, é preciso batalhar pela independência de classe e isso não é um momento separado na luta de classes. É uma necessidade agora, em meio a tamanha crise política, econômica e social. O drama atual, une essas considerações econômicas e sociais com uma imensa crise política.

A luta pela independência de classe, ou seja para desmascarar a burguesia "democrática" e "nacionalista", em sua expressão máxima em nossos tempos (bolivariana) é uma condição para despertar as forças da classes trabalhadora contra o imperialismo e a burguesia nativa em toda suas expressões.

O país sofre. O país que sofre é proletário, negro, morocho e pobre, para colocar os imensos recursos do país a serviço de sua maioria é preciso aprender como quase 20 anos de chavismo fizeram da Venezuela tão ou mais dependente. A luta para realizar uma plena independência da Venezuela passa por unir uma resposta a imensa crise social com uma posição independete dos lacaios imperialistas da MUD mas também do chavismo e da boliburguesia que o apoia.




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