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A 100 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA | Quando os oprimidos criaram a história

A partir de um debate com o historiador Richard Pipes, que pretende ocultar a Revolução Russa, o protagonismo das massas e suas conquistas.

segunda-feira 20 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Recentemente, o diário espanhol El País dedicou um dossiê de sua seção cultural Babelia para debater o centenário da Revolução Russa. Ali, o historiador polaco-estadunidense de 93 anos, Richard Pipes, defendeu uma série de ataques que são verdadeiros lugares-comuns de todos seus inimigos públicos, tanto para desprestigiá-la, distorcê-la ou simplesmente escondê-la.

Diante da pergunta do jornalista acerca de qual é a importância da Revolução Russa em seu centenário, Pipes respondeu que “foi um dos acontecimentos mais trágicos do século XX. Não houve absolutamente nada de positivo nem grandioso naquele acontecimento”. E, ao finalizar a entrevista, sustentou, entre outras coisas, a suposta afeição do povo russo aos líderes autocratas.

Devido à publicação próxima das Edições IPS, História da Revolução Russa de León Trotski, da coleção Obras escolhidas, abordaremos algumas das chaves da discussão. Qual é o objetivo de historiadores e jornalistas com declarações desse tipo? Que aspectos dos acontecimentos históricos pretendem ocultar?

Anos manchando a revolução

Richard Pipes foi um dos historiadores referência em que, ao calor da restauração conservadora e da implementação do neoliberalismo nos 80 e 90, editou livros volumosos sobre a Revolução Russa, repletos de falsidades e ocultações.

Contudo, suas colocações não eram inocentes: pretendiam fundamentar o suposto “fim dos grandes relatos” e o “fim da história”, buscando convencer que não há alternativas ao capitalismo liberal e que toda tentativa de luta e emancipação termina em um despotismo. Seus esforços buscavam impedir que as novas gerações conheçam o verdadeiro conteúdo e os alcances mundiais da revolução que em 2017 celebra seu centenário.

O historiador na entrevista reconhece haver sido empregado do ex-presidente dos EUA, Ronald Reagan, e da CIA. Em sua infatigável intenção de desprestigiar a revolução, localiza-se como um dos apologistas do capitalismo, justo em momentos em que o sistema semeia todo tipo de misérias, desigualdade, contaminação ambiental e pobreza extrema para as massas ao redor do globo.

Quando as massas rompem a passividade, voa tudo pelos ares

A Revolução Russa teve fatos históricos categóricos, impossíveis de ocultar. Um deles foi a participação ativa, comprometida e apaixonada das massas operárias e camponesas naqueles acontecimentos.

No prólogo a sua obra monumental, Trotski começa definindo os traços característicos das revoluções. Diz que em tempos normais, o Estado, seja monárquico ou democrático, está por cima da nação; a história corre a cargo dos especialistas nesse ofício: os monarcas, os ministros, os burocratas, os parlamentares, os jornalistas. Mas nos momentos decisivos, quando a ordem estabelecida se faz insuportável para as massas, estas rompem as barreiras que as separam do palanque político, derrubam seus representantes tradicionais e, com sua intervenção, criam um ponto de partida para o novo regime”. (Prólogo. Edição digital)

Isso foi exatamente o que ocorreu na Revolução Russa de 1917. Diante das terríveis penúrias que sofriam em razão da Primeira Guerra Mundial, a fome atroz que açoitava o campo e as cidades e a degradação constante das condições de vida, as massas russas derrubaram o muro que as separava da história, enfrentaram a opressão, a exploração e os representantes das ditas infâmias: primeiro o czarismo e em seguida o governo provisório. Organizaram-se em sovietes de operários camponeses e soldados – retomando uma tradição que remontava a 1905 – e se intrometeram em cheio na política: discutiam, intervinham, participavam, opinavam, votavam e decidiam. Por isso Trotski aponta que “pelos sovietes se sentiam atraídos os elementos mais ativos que havia nas massas, e é sabido que nos períodos revolucionários a atividade é o que triunfa; por isso, ao crescer a cada dia a atividade das massas, o fundamento de sustentação dos sovietes se alargava constantemente. Era a única base real sobre a qual se cimentava a revolução.” (Cap. 12)

Justamente esse protagonismo das massas é o que permite a Trotski definir a revolução: “A história das revoluções é para nós, acima de tudo, a história da irrupção violenta das massas no governo de seus próprios destinos” (Prólogo)

Ao tomar as rédias de seu próprio destino, ao passar “de objeto de exploração a sujeito de sua própria libertação”, nas palavras de Marx, ao aparecer de maneira explosiva e violenta em cena, as massas fazem com que o regime político voe pelos ares e não deixam pedra sobre pedra, transformando a sociedade capitalista e suas relações de produção.

Nas revoluções em geral e na russa em particular, como destaca Trotski, “As classes oprimidas criam a histórias nas fábricas, nos quartéis, nos campos, nas ruas da cidade” (Prólogo)

Transformando a vida de milhões

Outros dos fatos impossíveis de negar, salvo mediante mentiras ou ocultações interessadas, foram as conquistas da revolução.

Logo após a insurreição operária organizada pelo Partido Bolchevique, em 25 de Outubro de 1917, ocorreu o II Congresso Pan-russo dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados que proclamou a dissolução do Governo Provisório e a tomada do poder pelos sovietes, instaurando um Governo Operário e Camponês. Em seguida, aprovaram-se por unanimidade seus decisivos primeiros decretos: aquele que dava início às negociações de Paz, democrática “imediata, sem anexações nem indenizações”. E o que se referia à propriedade da terra, colocando que “a grande propriedade sobre o solo é declarada imediatamente abolida sem nenhuma indenização” já que “A terra não pode ser vendida nem comprada (...) passa a ser da nação e seus produtos serão revertidos por aqueles que nela trabalhem” (Decreto sobre a terra. Citado em Edward Carr, A revolução russa de Lenin a Stálin – 1917-1923

A ansiada paz após tremendos horrores e sofrimentos depois de anos guerra mundial foi uma das demandas mais sentidas pelas massas russas que viam como os distintos governos a adiavam, prometiam e não cumpriam. O fim do latifúndio, da propriedade privada e a divisão da terra (cuja grande parte era da nobreza e da Igreja russa) explica a adesão incondicional de milhões de camponeses à revolução e sua aliança com os operários, o que leva a que na guerra civil desatada um ano depois, milhões se alistem no Exército Vermelho para defendê-la com a vida.

Nos primeiros 5 anos da revolução, foram expropriados fábricas, escritórios, minas, ferrovias, e nacionalizados bancos, passando a ser propriedade do Estado operário e camponês. Além disso, muitos dos direitos democráticos elementares que nos países capitalistas tardaram anos a serem reconhecidos, o matrimônio civil, o direito ao divórcio, ao aborto livre e gratuito, a dispor de creches populares, lavanderias e restaurantes públicos, e muitas outas.

Todas essas conquistas que constituíram uma mudança completa na vida de milhões de pessoas foram a alma da revolução, seu motor e sua razão de ser.

Não se pode ocultar a história

Pipes oculta e distorce os fatos da Revolução Russa. Mas o reconhecimento e a valorização dos acontecimentos excede amplamente a interpretação, e por isso não apenas os retratam os próprios protagonistas bolcheviques que escreveram a história, como Lenin e Trotski, mas também historiadores não marxistas, como Edward Carr, entre outros.

Tanto o imenso protagonismo como as profundas conquistas da revolução demonstram que, muito longe de serem manipuladas por “gênios malignos” ou líderes autocratas, as massas russas em 1917, dirigidas pelo Partido Bolchevique, tomaram o destino em suas mãos para iniciar o caminho de libertar a sociedade de toda exploração e opressão. Essa constitui uma das principais lições para comemorá-la no presente.

Tradução: Vitória Camargo




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