×

51 ANOS DO GOLPE MILITAR | Professor da Unicamp contesta título entregue pela universidade a torturador da ditadura

A Universidade Estadual de Campinas, nascida no bojo político do golpe, se revela como uma das herdeiras desse período repressivo, do teu estatuto até as honrarias a ditadores.

quarta-feira 1º de abril de 2015 | 00:01

A Universidade Estadual de Campinas, nascida no bojo político do golpe, se revela como uma das herdeiras desse período repressivo, do teu estatuto até as honrarias a ditadores. Para discutir sobre esse tema, Tatiane Lima, coordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Humanas da Unicamp e correspondente do Palavra Operária, entrevistou o professor aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humana da Unicamp e membro da Comissão Nacional da Verdade, Caio Toledo.

Houve uma movimentação na Unicamp no ano passado pela retirada do título de Doutor Honoris Causa concedido pela universidade ao ditador Coronel Jarbas Passarinho. Em votação no Conselho Universitário, a revogação foi barrada. Conte pra nós como foi esse processo?

Caio Toledo: Cinquenta anos após o golpe de 1964, quatro congregações da UNICAMP (Faculdade de Educação, Instituto de Arte, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Instituto de Estudos da Linguagem) solicitaram ao atual Conselho Universitário da Unicamp (CONSU) que revogasse o título de Doutor Honoris Causa concedido pela Universidade ao Coronel Jarbas Passarinho; argumentou-se que a atuação política do coronel Passarinho – como Ministro do Trabalho e Previdência Social e Ministro da Educação e Cultura – teria sido nefasta para a cultura e a educação brasileiras. Sob a inteira responsabilidade do ex-Ministro, poderiam ser citados alguns fatos ominosos: a aprovação do draconiano AI 5 que aposentou compulsoriamente pesquisadores e docentes; o decreto 477 que puniu estudantes; o desmantelamento do ensino público e o apoio à privatização das universidades; a punição a sindicalistas; a difusão das Assessorias de Segurança e Investigação nas universidades etc. Foi também ressaltado que, até o momento presente, Passarinho jamais teria feito qualquer reparo autocrítico sobre sua trajetória política e ideológica; ou seja, hoje, o coronel continua justificando o arbítrio e o terror de Estado representados pela ditadura militar (1964-1985).

A votação do CONSU não revogou o título pela diferença de apenas um voto; como o regimento interno do Conselho exigia 2/3 do total de 75 membros – ou seja, 50 votos –, a solicitação não foi aprovada, pois obteve 49 votos (docentes, funcionários e estudantes) enquanto 20 docentes (10 contra e 10 abstenções) se opuseram à revogação do título.

Uma Nota da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” da Universidade – tornada pública antes da reunião do CONSU – argumentou que a revogação do título por parte do Conselho Universitário significaria o reconhecimento de que a Universidade Estadual de Campinas estaria se associando às iniciativas que – no plano simbólico – questionar alguns dos infaustos legados da ditadura militar. No entanto, 20 docentes do Conselho Universitário preferiram afirmar que a Unicamp deve continuar homenageando um ativo membro da ditadura militar, numa evidente negação das iniciativas e esforços de ponderáveis setores democráticos do país.

A Comissão Nacional da Verdade indicou em suas "Conclusões e recomendações" a revogação de todos os títulos contemplados a autores de "graves violações dos direitos humanos". Há uma enorme contradição aí para a Universidade, não?

Caio Toledo: De plena concordância com a observação acima: trata-se de uma enorme contradição e total desrespeito às mulheres e homens que, na luta pela redemocratização do país, foram presos, torturados, continuam desaparecidos etc. por força do terror de Estado vigente no pós-1964. Lembre-se que estudantes, docentes e funcionários – membros da comunidade acadêmica na Unicamp – sofreram prisões e violências físicas e morais durante o regime militar.

A manutenção da honraria ao Coronel Jarbas Passarinho ignora e colide, de forma acintosa, com uma das recomendações do Relatório Final da CNV que afirma: “Cassar as honrarias que tenham sido concedidas a agentes públicos ou particulares associados a esse quadro de graves violações (...)”. (Parte V, item 28: “Preservação da Memória das graves violações de direitos humanos”).

Como entidade pública – que se afirma democrática e espaço do pensamento crítico e humanista –, até quando a Unicamp manterá esta imerecida e insultuosa homenagem a um político e ideólogo da ditadura militar?

No ano passado, nós organizamos uma atividade sobre essa questão pelo Centro Acadêmico das Ciências Humanas da Unicamp, CACH, você estava lá. Sabemos que também há na Unicamp um painel que busca lembrar as origens da universidade, no qual o ditador Castelo Branco é homenageado. Como rearticular essa questão em toda a comunidade acadêmica?

Caio Toledo: A rigor, o Painel, erigido em 2013, busca homenagear o ex-reitor Zeferino Vaz; no entanto, de forma enviesada, celebra a presença do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco que, em 1966, compareceu ao nosso campus a fim de lançar a pedra fundamental da Universidade. Enquanto livros, artigos, dissertações, teses etc., escritos por docentes e pesquisadores da Unicamp – bem como as conclusões do Relatório Final da CNV –, se referem ao Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco como o primeiro ditador do regime de 1964, os idealizadores do Painel da Reitoria – com plena anuência das mais altas autoridades da Unicamp – resolveram celebrar a presença no campus do “Senhor Presidente da República”. Aqui também vale a indagação: até quando a Unicamp, por meio de um Painel, continuará denominando um militar golpista de legítimo Presidente da República?

O Jarbas Passarinho, ainda hoje homenageado pela Unicamp, é justamente o responsável pelo AI 5, decreto 477, que curiosamente é análogo ao estatuto interno da Universidade. Como varrer Jarbas e seu legado?

Caio Toledo: A meu ver, as entidades e instâncias democráticas do campus – DCE, Centros estudantis das distintas unidades de ensino, associações de pós-graduandos, Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp, Adunicamp, Diretores de unidades e suas respectivas congregações – deveriam se articular na direção de propor ao CONSU que reexamine o polêmico tema da concessão do título ao Coronel Passarinho.

Amplos debates sobre o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade deveriam ser organizados por estas instâncias e entidades a fim de que assunto – na ainda frágil cultura democrática existente no país – não seja esquecido ou sepultado. Folhetos, artigos em seus boletins e jornais, ampla utilização do facebook contribuam para questionar os diferentes legados da ditadura – no plano simbólico e dos estatutos disciplinares, de natureza autoritária, ainda vigentes na Unicamp.

Como membro da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” da Unicamp tenho a expectativa de que aprovemos sugestões no sentido de que a Unicamp concretize as Recomendações democratizantes do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade. No entanto, apenas a ampla mobilização das entidades democráticas da Unicamp – por meio de ações unificadas (onde estejam banidos todos e quaisquer sectarismos – poderá ser bem sucedida no combate aos legados da ditadura militar.


*Publicado originalmente aqui




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias