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QUE OCORRE NA ESQUERDA FRANCESA? | Por que o Novo Partido Anticapitalista francês está expulsando sua ala esquerda?

O Novo Partido Anticapitalista (NPA) na França está em crise, com a antiga maioria que ainda é sua direção em uma manobra de expulsão da sua principal oposição à esquerda, a Corrente Comunista Revolucionária. Isso tem muita importância para a esquerda internacional, mas não é necessariamente de fácil compreensão. Aqui apresentamos uma breve introdução sobre o NPA, respondendo às perguntas mais frequentes.

quinta-feira 10 de junho de 2021 | Edição do dia

O que está acontecendo no Novo Partido Anticapitalista na França?

As eleições presidenciais francesas acontecerão em abril do próximo ano. Existe uma polarização entre a direita neoliberal do atual presidente Emmanuel Macron e a extrema-direita de Marine Le Pen.

Por muitos anos, a “extrema esquerda”, como é chamada na França, tem sido capaz de apresentar seus próprios presidenciáveis, apesar de muitos obstáculos anti-democráticos.

O Novo Partido Anticapitalista (NPA) deve definir seu candidato, caso tenha um, na sua próxima conferência.

Mas na preparação para esta conferência, a direção do NPA (ex-maioria) está expulsando a principal oposição de esquerda. A Corrente Comunista Revolucionária (CCR), cuja ata de exclusão é assinada por 300 militantes do NPA (um terço dos atuais 1.000 membros ativos da organização) convoca à fundação de uma nova organização e lança a candidatura de Anasse Kazib, ferroviário de origem imigrante e sindicalista da SudRail.

O que é o NPA?

O Novo Partido Anticapitalista foi fundado em 2009. Foi fundado por uma organização anterior, a Liga Comunista Revolucionária (LCR). A LCR, que emergiu do movimento de 1968, já foi a maior organização trotskista na França e no mundo. Foi também a principal seção do Secretariado Unificado pela Quarta Internacional, uma tendência dirigida por Ernest Mandel.

A LCR teve alguns sucessos eleitorais importantes nos anos 2000. Seu candidato, o jovem trabalhador dos correios Olivier Besancenot, recebeu 1.2 milhões de votos em 2002 e 1.5 milhões de votos em 2007.

Nos anos 1990, a LCR começou a se distanciar do legado trotskista, declarou que a “era da revolução de outubro” havia terminado. Uma estratégia rumo a uma greve geral insurrecional e a ditadura do proletariado foi declarada irrelevante. No lugar disso, os dirigentes da LCR propunham uma estratégia para expandir a democracia burguesa até que o capitalismo não fosse mais possível.

Este giro teórico, combinado a sucessos eleitorais, convenceu a direção a fundar um novo partido. O Novo Partido Anticapitalista deveria juntar anticapitalistas de todos os tons, sem nenhuma estratégia comum além da oposição ao capitalismo, como definia Daniel Bensaid: “perder na substância, para ganhar na superfície” . O NPA, pelo cálculo, conseguiria ocupar todo o espectro político que havia sido abandonado pela social democracia e pelo stalinismo. No começo, até 9.000 pessoas se registraram como membros do NPA.

O NPA conseguiu ser reconhecido como uma força nacional. Mas com a falta de um programa e estratégia claros, não conseguiu intervir de forma coerente nos processos da luta de classes que regularmente sacudiram a França. Sem uma delimitação clara das forças reformistas que utilizavam uma retórica anticapitalista, o NPA esteve sob pressão constante de formações maiores. Isso se tornou especialmente agudo quando o ex ministro social democrata Jean-Luc Mélenchon lançou uma nova formação, primeiro a Frente de Esquerda e agora a França Insubmissa. Como um chauvinista típico, Mélenchon combina demandas sociais progressivas com políticas racistas contra imigrantes e a defesa do imperialismo francês.

O NPA viveu uma série de rupturas, com membros se somando à formação de Mélenchon. Durante o curso dos anos, o NPA não apenas se estagnou, mas declinou. Enquanto a antiga LCR tinha até 3.000 membros e o NPA algum dia falou de 9.000, agora são apenas por volta de 1.000.

O que é a CCR?

A Corrente Comunista Revolucionária é um grupo da ala esquerda do NPA. Os ativistas que formam a CCR tem sido parte do NPA desde a sua fundação. A CCR e seus antecessores nunca fizeram qualquer tipo de segredo ao redor da sua diferença fundamental com o “novo anticapitalismo" do partido. Eles sempre expressaram sua defesa de abandonar os princípios fundadores pouco claros do NPA e relançar o partido em uma base revolucionária e da classe operária.

A CCR publica o jornal online Révolution Permanente que tem se transformado em uma importante voz da extrema esquerda na França, recebendo milhões de visitas por mês. Observadores independentes o chamam de “jornal militante em ascensão" e foi elogiado pelo New Left Review e o International Socialism Journal.

Mas a CCR não só faz coberturas. Também foi capaz de dirigir importantes movimentos de greve, incluída a última greve na refinaria Total em Grandpuits. Quando os chefes tentaram fechar a fábrica como parte de um suposta “transição ecológica”, militantes revolucionários foram capazes de dirigir uma greve que unificou trabalhadores do petróleo com movimentos ambientalistas, por uma transição sob controle da classe trabalhadora.

Em experiência similar, militantes da CCR construíram assembleias de trabalhadores de base entre motoristas de ônibus, ferroviários e metroviários durante a greve contra a reforma da previdência, assim obrigando a burocracia a manter a greve até muito depois de quando queriam capitular.

Por que existe hoje um conflito no NPA?

O NPA está se preparando para realizar uma conferência que definirá seu candidato presidencial, caso decida apresentar um. Um congresso do NPA é esperado há muito tempo e já foi adiado múltiplas vezes.

A direção do NPA orienta rumo a uma aliança com o partido de Mélenchon. Já existem acordos entre o NPA e LFI em duas regiões francesas para as eleições regionais. O debate chave da conferência nacional seria debater se o candidato do NPA e o conteúdo político da candidatura seria em ruptura ou não com esta aliança com a LFI como propõe a ex-maioria, nos marcos da grande pressão de voto útil de um possível segundo turno entre Macron-Le Pen.

Por vezes, a direção é chamada de “a maioria”. Mas na realidade, agora, parece que uma maioria evidente de membros do NPA são opostos a essa frente política com reformistas.

É certo que para impedir com que a ala esquerda imponha sua linha em uma conferência democraticamente eleita, a ex-maioria decidiu dividir a organização.

O pretexto para a divisão é a “pré-candidatura” de Anasse Kazib, um ferroviário de origem marroquina e membro do NPA e da CCR. Kazib é uma figura conhecida no movimento operário francês. Ele fez aparições numerosas na tv para debater com políticos burgueses. Ele cumpriu um papel importante nas assembleias de greve de trabalhadores e dirigiu contingentes trabalhadores no movimento dos coletes amarelos.

No 1º de Maio, Kazib e a CCR anunciaram que gostariam que ele fosse o candidato presidencial do NPA. Até então, nenhum outro membro do NPA havia anunciado que queria cumprir este papel. Kazib e a CCR apresentaram a sua pré-candidatura em uma reunião da direção, depois debateram a questão com diferentes grupos da ala esquerda do partido e depois fizeram o anúncio público.

A atual direção afirma que este anúncio foi algum tipo de quebra da democracia interna, enquanto os acordos com a LFI nas duas regiões nunca foram debatidos internamente, nem votados em nenhum organismo partidário, ou seja, a ex-maioria levou adiante estes acordo por fora de toda a instância partidária.

Quem é a ala esquerda do NPA?

O NPA e a LCR antes disso, sempre permitiram liberdade de tendência e de grupos. Até mesmo antes da sua fundação, numerosos grupos se somaram ao NPA. Hoje, grupos da ala esquerda incluem:

  •  Anticapitalismo & Revolução (A&R), que emergiu da antiga juventude da velha LCR. A&R tem conexões com Ação Socialista e Ressurgência Socialista nos Estados Unidos, assim como com outros grupos da ala esquerda do Secretariado Unificado.
  •  L’Étincelle (A faísca). Este grupo é chamado de “Fração do Lutte Ouvrière" (FLO) porque foram um dia uma fração opositora dentro de um outro partido de extrema esquerda, Lutte Ouvrière (Luta Operária). Eles foram expulsos do LO em 2008 e se somaram ao NPA, tem relação com o Speak Out Now nos Estados Unidos.
  •  Democracia Revolucionária (DR) já era um grupo de oposição dentro da LCR, eram originalmente parte do LO.

    Existem também alguns outros grupos na esquerda do NPA, estes são os mais importantes, apesar que não tão grandes quanto a CCR.

    Como a esquerda está reagindo ao divisionismo da ex-maioria?

    Pra sermos diretos: Nada bem. A&R, FLO e outros grupos de esquerda tem repetidamente enfatizado que são contrários a alianças com o partido de Mélenchon. Na realidade, uma maioria evidente entre os membros do NPA parece ser oposta a estas frentes.

    Mas ao invés de Anasse Kazib, eles queriam que o NPA tivesse um candidato presidencial “unitário”, como Philippe Poutou. Poutou foi candidato do NPA duas vezes e cumpriu um importante papel como operário anticapitalista na política nacional.

    No momento, no entanto, Poutou está pessoalmente envolvido nas alianças regionais com o partido de Mélenchon. Assim, a maioria dos membros do NPA apoiam a esquerda, eles podem nomear alguém que é da ala direita minoritária?

    A ala esquerda do NPA, com a CCR inclusa, tem forças para tomar a direção do partido no próximo congresso. E é precisamos por isso que a ex-maioria está fazendo esta manobra preventiva de expulsão.

    Até agora, A&R e FLO se opuseram a passos da ex-maioria que excluem membros da CCR de assembleias da pré-conferência, mas eles ainda não se posicionaram abertamente contra o que são concretamente expulsões.

    Estes grupos tem dito há anos que defendem uma reorientação revolucionária. Mas quando uma oportunidade concreta se apresenta, eles fortalecem a ala direita do partido e permitem a decapitação da principal oposição de esquerda à ex-maioria.

    Uma carta aberta de Rob Lyons, que tem sido membro do Secretariado Unificado pela Quarta Internacional por mais de 50 anos, chama os grupos da esquerda do NPA a se levantarem pela direção e batalharem pelos próprios princípios.

    Por que tudo isso é importante?

    O NPA pode parecer distante. A extrema esquerda francesa não é debatida no Brasil, mas suas batalhas podem ajudar muito para pensar a necessidade de construir uma esquerda revolucionária no Brasil. Além do que, o Secretariado Unificado tem relação com quatro correntes do PSOL, Insurgência, Subverta, Comuna e o MES como membro observador, isso não é nem um pouco distante.

    Mas o NPA não é importante somente pela sua longa tradição. O partido foi um teste piloto para a estratégia de construir partidos “amplos de esquerda”. Os dirigentes do Secretariado Unificado formularam a hipótese de que os revolucionários poderiam conquistar influência de massas diluindo seu programa, substituindo o marxismo revolucionário com um anticapitalismo deliberadamente vago.

    A capitulação do NPA ao reformismo nas eleições regionais mostra os limites de tal estratégia. O Secretariado Unificado, em mais de dez anos desde a fundação do NPA, já foi longe demais nesta estrada. Apoiou o Syriza logo antes de assumirem o governo grevo e ao Podemos até este se transformar no sócio jr do governo imperialista espanhol.

    Mas ao passo que estratégias de “esquerda ampla” falem, nós também vemos os esboços de uma nova tendência internacional que representa o melhor do que a LCR e outras tradições trotskistas defendiam. Isso não é limitado à CCR, mas é formada por uma nova geração de trabalhadores comunistas militantes.

    Nós podemos ver a mesma coisa nos Estados Unidos: ao passo que grandes setores da esquerda capitulam ao Partido Democrata, nós também vemos iniciativas para reagrupar os revolucionários socialistas em base à independência de classe. A mesma coisa está acontecendo no México e no Chile, e mais notavelmente na Argentina, onde um polo trotskista tem sido capaz de se estabelecer como força nacional e ganhar mais de um milhão de votos. No Brasil de Bolsonaro, Mourão e militares, a batalha por uma organização revolucionária é mais urgente do que nunca.

    Nós apresentamos um manifesto que busca dar voz a esta tendência revolucionária de trabalhadores e jovens emergente. Nós acreditamos que os revolucionários ao redordo mundo precisam se unificam em base à independência das forças burguesas e reformistas, e das lições dos principais processos da luta de classes.

    Onde posso ler mais?

    O Comitê de Redação do Revolution Permanente escreveu o seguinte artigo: Independência ou colaboração de classes? Duas políticas no trotskismo francês

    Você também pode encontrar a carta dos militantes da CCR aos militantes do NPA: NPA na França: rumo à exclusão, sem voto nem congresso, da segunda maior tendência do partido

    Diana Assunção, dirigente do MRT, organização irmã da CCR aqui no Brasil, escreveu o artigoA esquerda brasileira diante da crise terminal do NPA e os partidos amplose participou junto com André Barbieri da edição do Podcast Internacional do Esquerda Diário sobre o mesmo tema, que pode ser encontrado em todas as plataformas de streaming.

    Bom, tenho mais perguntas...

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