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GREVE NA USP | Por que estudantes devem lutar ao lado dos trabalhadores?

Estudantes de Letras da USP desocuparam o prédio na segunda-feira para garantir que não houvesse corte de salário dos funcionários da FFLCH em greve. A atitude surpreendeu a muitos, que não entendem o porquê de os estudantes terem como pauta prioritária a defesa dos salários.

Flávia ToledoSão Paulo

quinta-feira 30 de junho de 2016 | Edição do dia

Já estamos em greve na USP há um mês e meio. Ocupamos o prédio da Letras na noite anterior ao início da greve dos funcionários da universidade, e desde as primeiras horas contamos com seu apoio incondicional pra nossa luta. A ocupação foi um instrumento importante nessa greve. Serviu para espalhar a mobilização por muitos setores de estudantes e para gerar novas perspectivas para a luta que se dá nas três estaduais paulistas nesse momento. Foi seguida por ocupações na História e Geografia, ECA, Veterinária, no espaço de Vivência do DCE…

Mas a Reitoria da USP, intransigente e desrespeitosa com as 3 categorias que estão em greve, além de não comparecer às negociações oficiais se utilizou de métodos repressivos logo no primeiro mês de greve. Anunciou que cortaria o ponto dos funcionários em greve, trabalhadores de dezenas de unidades de ensino, da Prefeitura do Campus, dos bandejões, do Hospital Universitário. Da nossa parte, tivemos de ler todo tipo de notas ofensivas a respeito dos nossos métodos de luta e da nossa mobilização. Nos chamaram de violentos, agressivos, intransigentes. Nós, que desde o início pedimos “Negocia, Zago!”, buscamos os professores para dialogarmos, fizemos de tudo para manter o nosso prédio vivo com diversas atividades.

Desde que soubemos da ameaça de corte de ponto nos colocamos ao lado dos trabalhadores. Repudiamos a ação da Reitoria e acompanhamos os trabalhadores em seus piquetes e ações exigindo que seu direito de greve fosse respeitado. Fomos até o Professor Diretor da FFLCH Sérgio Adorno, especialista em “direitos humanos”, para cobrar que não se tentasse coagir os trabalhadores a saírem de sua greve pelo estômago. Até que na sexta-feira passada nós fomos chantageados.

Em reunião de negociação com os trabalhadores da FFLCH (nós não fomos chamados), os chefes de departamento da faculdade e a direção, com 7 votos a 6, propuseram um acordo: se todos os prédios da FFLCH fossem desobstruídos, inclusive a Letras, não haveria corte de ponto. Nenhum dos 7 votos a favor da proposta foi de chefes de departamento da Letras. E os trabalhadores se viram com metade de uma vitória na mão. Eles tirariam seus piquetes, mas a ocupação era de nossa responsabilidade. Foi definida nos fóruns estudantis, e só uma assembleia nossa poderia desocupar o prédio. Fomos informados pelos trabalhadores, cientes do desrespeito dessa proposta por parte da direção que sequer nos procurou para nos notificar, que tínhamos um prazo curto, até 10h da manhã dessa segunda-feira, para entregar o prédio, condição para que dezenas de famílias não tivessem seu sustento cortado.

Sim, a proposta foi absurda. Não nos chamaram pra negociar, não nos notificaram oficialmente e tentaram, com esse movimento, nos colocar contra os trabalhadores. Mas o que eles não calcularam foi que isso só poderia nos unir mais na nossa luta. Quiseram nos testar, ver até onde estávamos dispostos a ir pela reivindicação dos trabalhadores. E mostraram que de fato não sabem o que é lutar em defesa da educação e da saúde públicas.

Fizemos nossa assembleia, chamada em caráter emergencial, e durante a sua realização fomos chamados às pressas para uma negociação. A direção queria alterar o acordo de sexta, mudar os seus termos, dizer que não poderíamos inviabilizar de qualquer maneira as aulas, que deveríamos “respeitar o direito de não fazer greve”. Traduzindo, queriam nos coagir a acabar com nossa greve para que os trabalhadores não tivessem seu salário cortado. Os funcionários disseram não e foram em ato até a nossa assembleia, declarando seu apoio. Eu e uma companheira fomos até a Administração para negociar.

Quebramos a intransigência da diretoria com uma postura de princípio muito correta: estamos juntos, estudantes e trabalhadores, na luta em defesa da universidade. Não estávamos pensando em desocupar por uma pauta “deles”, mas por uma pauta nossa. E não sairíamos de greve. Foi uma hora e meia de reunião em que fizemos a diretoria recuar na alteração dos termos do acordo: o não corte de salário estava condicionado à desobstrução do acesso ao prédio, e não ao fim de nossa greve. E mais: entregando o prédio em boas condições, teríamos garantia de não punição a nenhum estudante, marcamos uma reunião oficial de negociação com a diretoria para debater a pauta específica dos estudantes abarcando toda a faculdade, e nós não obstruiríamos as salas de aula partindo do acordo de que nenhum professor daria qualquer atividade acadêmica até a negociação de sexta-feira próxima por orientação explícita dos chefes de departamento da Letras. Um posicionamento fundamental, que expressa, por meio da pressão da nossa luta, que a diretoria é obrigada a respeitar a greve das três categorias.

Desocupamos de cabeça erguida e firmamos uma aliança fortíssima com os trabalhadores da faculdade e com um setor importante de professores. Garantimos que não se cortassem os salários e conseguimos uma negociação. Mas por que a questão do salário é pauta nossa? O que temos a ver com tudo isso? Por que batemos tanto na tecla da unidade entre estudantes e trabalhadores?

Vivemos numa sociedade capitalista. Os trabalhadores só têm uma coisa que lhes pertence: a sua força de trabalho. E essa força de trabalho tem um preço, o salário, que permite que o trabalhador sobreviva: compre comida, água, teto, roupa, remédios. Sem o seu salário, não há como sobreviver. Não há outra maneira. Se você não detém nenhum meio de produção, ou seja, se você não for um burguês, é só vendendo a sua força de trabalho que você pode ter acesso ao mínimo de que precisa pra viver.

E se a sua força de trabalho é tudo o que você tem, é aí que reside a sua capacidade de luta. Somos atacados diariamente, temos nossos corpos destruídos pelo trabalho precário, nos arrancam suor, lágrima e sangue para garantir um lucro cada vez maior às custas da nossa vida cada vez pior. Logo, só parando o trabalho é possível garantir melhoria de vida. Por isso a greve, por isso a recusa total de que se cortem os salários quando estamos lutando para poder trabalhar, estudar e viver com dignidade.

Nossa greve é uma resistência. A universidade pública está sendo desmontada, assim como o conjunto da educação num país que acaba de passar por um golpe. A saúde está sendo atacada, e do nosso lado estão destruindo um hospital fundamental pra região oeste. Somos servidos nos restaurantes universitários por trabalhadores doentes, na sua maioria negros, submetidos a jornadas exaustivas e desumanas de trabalho. E estamos cercados de corrupção e de um produtivismo acadêmico que afasta cada vez mais a universidade pública de sua função – serve apenas a alguns poucos, e se recusa a atender e incorporar a população pobre, negra e trabalhadora que a sustenta.

Quem movimenta a universidade são os trabalhadores e estudantes. Se há alguém inútil aqui é a burocracia acadêmica e o reitorado. Quem faz a USP ser o que é são exatamente aqueles que se deparam cotidianamente com as suas contradições. Defender a USP, defender a educação e a saúde públicas, gratuitas e de qualidade pra todos é defender quem a faz permanecer de pé. Não à toa os funcionários gritam junto conosco por cotas raciais, por permanência, por mais professores. E não poderíamos deixar de gritar junto com eles pelo respeito à organização sindical e pelo direito ao salário. Não é um grande feito, é na verdade o mínimo. É questão de princípio.

Defender os trabalhadores da USP é nos defender. Porque eles são nossos companheiros de luta em defesa da educação e da saúde. Lutamos juntos e nos defendemos mutuamente. É isso que as burocracias não entendem. Não entendem porque não lutam, porque não pensam em defender nada além de seus próprios interesses mesquinhos e egoístas. E por isso acharam que atrelar ainda mais as nossas pautas e a nossa mobilização criaria rusgas entre a gente e geraria atritos. Pelo contrário: serviu como uma prova concreta dessa nova tradição que construímos na Letras, que agora se espalha pela FFLCH e será vista por toda a USP, que é a de unidade profunda entre estudantes e trabalhadores. Uma unidade que não se quebra.

Nós, da Faísca – Anticapitalista e Revolucionária, que compomos a atual gestão do Centro Acadêmico da Letras, tradicionalmente cantamos uma palavra de ordem que diz “Aliança revolucionária é da juventude com a classe operária”. E é. Nessa segunda-feira os estudantes e trabalhadores perceberam isso. E para seu desespero, a burocracia universitária e o Governo do Estado também.




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