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DEBATE | Podemos, o parlamento e a luta de classes

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

quinta-feira 3 de novembro de 2016 | Edição do dia

Nas últimas semanas Pablo Iglesias tem efetuado um notório giro político discursivo, prometendo voltar a um "Podemos das origens" para colocar "medo nos poderosos", retomando boa parte da simbologia e coordenadas discursivas que a esquerda tanto demonstrava pelo menos há poucos meses atrás, dizendo que é necessário combinar a presença no parlamento com a presença nas ruas para construir "um movimento popular".

Isto tem levado muito setores da esquerda espanhola, como ativistas e trabalhadores a questão, se estamos frente a uma mudança significativa na orientação do Podemos, depois de quase dois anos persistindo no "giro ao centro" e na transformação da "máquina eleitoral". Ou se, pelo contrário, trata-se de uma nova manobra programática de Iglesias, um novo "vai e vem", mais nas palavras do que na prática, de acordo com a arte do discurso, no qual Iglesias é um verdadeiro profissional.

Em primeiro lugar, está claro que Iglesias busca recuperar parte dos setores que nesses últimos dois anos, desencantaram-se com o Podemos, que de tanto girar sua política ao centro, havia se transformado em uma força completamente adaptada ao status quo institucional, depois de uma campanha eleitoral que buscava copiar os passos do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), com a estratégia dos "sorrisos" e a moderação para "não colocar medo". Uma estratégia que fracassou no 26J, abrindo um debate no Podemos sobre qual rumo seguir.

Continuando, teve a tentativa de buscar um acordo com o PSOE para conseguir um "governo progressista", alternativa que foi barrada pela recusa dos burocratas que se dizem socialistas do PSOE, que apoiados nos grupos PRISA e IBEX35, efetuaram um "golpe de mão" e deram um passo ao governo em minoria do PP, apoiando a "grande coalizão". Havendo ficado o Podemos localizado com oposição, reabre-se o debate sobre qual deve ser o seu papel para o próximo período.

Neste contexto que ocorre, entre trapaças e acusações, as eleições internas do partido vermelho, onde Inglesias enfrenta a ala radical e institucionalista de Errejón, que quer levar até o fim, o princípio laclausiano do Podemos como "significante vazio", para surfar sem contradições no espaço da centro-esquerda. A ala de Errejón vem ocupando importantes posições de poder dentro do Podemos e nas instituições estatais, disputando a direção da organização em lutas fracionais aberta como já ocorreu em Madrid.

Uma militante do Anticapitalistas definiu esse recente redirecionamento de Inglesias como um "giro maoista", que se apoiava em setores descontentes dentro do partido para encabeçar "um acerto de contas intra-burocrático". É necessário dizer que apesar desta definição, Anticapitalistas vieram a fechar um novo acordo com Pablo Iglesias, permitindo ao "grande timoneiro" localizar-se e contar com novas forças para a luta interna do Podemos.

Mesmo assim, o resultado da primeira fase das eleições primárias no Podemos de Madrid tem sido favoráveis para os errejonistas que ganharam nove de 10 eleições frente ao bloco Iglesias/Anticapitalistas. A organização está partida ao meio, a relação de forças é instável, e não estão seguras as posições. Estas são algumas das motivações políticas internas.

Ao mesmo tempo, o giro discursivo de Iglesias expressa também uma intenção de localização frente ao novo período político que se abre, buscando aumentar o volume do Podemos no Parlamento e nas ruas, tentando fortalecer a relação externa com a população. O Podemos teve sua construção como um fenômeno midiático essencialmente eleitoral, hoje a sua relação orgânica com os movimentos sociais e sindicatos está muito debilitada.

Frente a um novo governo conservador que buscará impor novos ajustes e ataques a classe trabalhadora, abre-se a possibilidade de um estouro da luta de classes, algo que já tinha se prenunciado na mobilização do 290ut em Madrid e a greve estudantil nessa mesma semana. Porém, o Podemos não tem força nos movimentos sociais nem nos sindicatos para pretender dirigir nas ruas os apitaços ("golpe de apito"), como observou Emmanuel Rodriguez em um artigo recente.

Governo e Parlamento. "cavar trincheiras" para o assalto ao castelo

Em uma longa entrevista ao Eldiario.es, Iglesias sustenta: "Pode-se mudar muitas coisas a partir do governo. No Parlamento, não. No governo. Eu prefiro governar. (...). Para que todo mundo entenda: uma decisão majoritária no Parlamento não converte-se automaticamente em uma lei que deve ser aplicada. Inclusive se aprovamos leis, o governo conta com muitos mecanismos para limitar a capacidade legislativa do Parlamento."

O novo axioma que Iglesias defende, é que quando o Podemos se encontra na oposição, corresponde a "cavar trincheiras na sociedade civil" se localizando a esquerda. Porém chegando ao governo ("assalto ao castelo"), é lógica - para Iglesias - moderação do programa, conceder, administrar algumas mudanças "nas estreitas margens do possível".

Uma ideia que fica explicita na mesma entrevista, quando reconhece que, sim se havia formado um governo "progressista" com o PSOE, o Podemos se "arriscava" a decepcionar, se arriscando "nas estreitas margens do governo, tendo que dividi-lo com o PSOE e dando a ele a Presidência, nos colocaram na situação de não poder cumprir muitos elementos de nosso programa. Nós arriscamos num processo de integração que seguramente reforçou o PSOE, e nos debilitamos. Já estamos dispostos a correr tal risco porque isso significa mudar coisas em nosso país."

Do discurso a realidade; os municípios da mudança

Atualmente o Podemos não é só uma força de "oposição" em escala estatal no Parlamento, senão que forma parte do governo nas principais cidades espanholas, como Madrid, Zaragoza e Barcelona, junto com as candidaturas cidadãs, esquerda unida e outras forças. E é justamente dali, onde governam, onde se cumpre mais plenamente o axioma de Pablo Iglesias: Os discursos radicais para as tribunas, porém uma vez no governo, moderação, moderação e mais moderação.

Em mais de um ano e meio de governo, tem mostrado que não vão além de grandes medidas cosméticas, sem resolver nenhuma das demandas sociais democráticas pendentes, cedendo a cada passo frente a pressões das empresas, dos bancos e da direita tradicional.

Convertidos em "gestores" da ordem capitalista nas grandes metrópoles espanholas, eles deixaram estacionadas as demandas de re- municipalização dos serviços públicos ou o não pagamento da ilegítima dívida. Em troca, despejam centros sociais e perseguem imigrantes, como tem ocorrido em Madrid e Barcelona, ou se enfrentam com os trabalhadores do metrô em greve. Finalmente, palavras a parte merece o papel do Podemos em algumas Comunidades Autônomas, comprometidos como uma peça do regime para "deixar governar" o PSOE. Sobre essa questão Inglesias tem assegurado em outra entrevista que é partidário de introduzir "garantias parar que as políticas progressistas sejam aplicadas", no entanto que dependerá das direções autônomas se mantém os acordos com o PSOE ou não.

Reforma ou ruptura?

"Porém nossa práxis é modesta, temos que ser modestos", disse Iglesias. "O famoso debate ’ Reforma ou Revolução’, creio que não é um debate da esquerda espanhola, nem do espaço político do Podemos Unidos nem de nada neste momento. Eu creio que isso faz parte da história do breve século XX de Eric Hobsbawm. Creio que honestamente temos que dizer que há elementos culturais em quem temos que haver rupturas e buscar esses assaltos com doces metáforas e ser consciente que nosso programa é o que é".

Descartando por completo o horizonte da "ruptura revolucionária", a Iglesias não há outra opção que não seja se conformar nas estreitas margens da miséria do possível. Os discursos radicais não são mais que doces metáforas, para conquistar auditórios, porém sua prática real nos lugares onde o Podemos chegou ao governo esconde-se por trás da prática reformista socialdemocrata do século XX.

Entre o Parlamento e a luta de classes, Pablo Iglesias está disposto a flertar retoricamente com esta última, se isso permite fortalecer suas posições institucionais, assim preparando para a conquista do "castelo". Uma prática na qual o dirigente do Podemos tornou-se um especialista, mesclando um discurso socialdemocrata com um radical, de acordo com suas conveniências, como demonstra este instrutivo vídeo produzido por Canarias Semanal. Por de trás destas metáforas seu programa segue sendo o que é: dirigir com um pouco de rosto humana a ordem do Estado capitalista.

Tradução:Alexandre Tubman




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