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PABLO IGLESIAS | Podemos e a impotência estratégica

As pesquisas das últimas semanas têm colocado um teto ao crescimento meteórico do novo partido liderado por Pablo Iglesias. É neste marco que afloram os primeiros sintomas de crise da sua estratégia política.

Diego LotitoMadri | @diegolotito

domingo 26 de abril de 2015 | Edição do dia

Alguns dias atrás Pablo Iglesias publicava um artigo no “publico.es” com o sugestivo título “A centralidade não é o centro”. Uma referência direta ao que, até agora, tem sido um dos lemas (e objetivos) fundamentais da nova formação: ocupar “a centralidade do tabuleiro”, superando – desde seu ponto de vista – a estreita divisão entre “direita e esquerda”.

Com uma linguagem muito cuidadosa, o artigo é uma manifestação da crise política que passa o Podemos. Inquieto pelo fato evidente de que a opção de ocupar a “centralidade política” tornou-se uma localização de “centro” total (como “centro ideológico”), Iglesias vem a defender que o projeto do Podemos não é a “regeneração democrática” do regime (alternância das elites), mas a expressão de um “projeto político de irrupção plebeia”. Assim chama a “assumir sem complexos” o estilo “irreverente” do início, porque funciona bem com a “defesa do Estado de bem-estar e os direitos sociais” e leva a disputa política a um terreno mais “favorável”.

Depois de um ano de existência, apenas agora podemos dizer que está se abrindo um verdadeiro debate estratégico no Podemos. Ainda que isto não aconteça por bons motivos, como a busca consciente de elevar o nível do debate ao terreno dos grandes objetivos e os meios para consegui-los, mas porque a hipótese com a qual Iglesias, Errejón e cia. remaram até agora está naufragando. A ilusão de chegar ao governo “em um só ato”, mediante uma combinação de campanha midiática, discurso anticorrupção e um morno programa de reformas, acabou.

A sobrevivência do PSOE, apesar de sua lenta agonia, e a irrupção de Ciudadanos, expressões de duas constelações políticas (a centro-direita e a centro-esquerda) a quem se dirigiu exclusivamente o discurso político do Podemos, são as causas.
Mas a crise vem de outro fenômeno, derivado de seu estancamento eleitoral. O fato de que há “setores políticos” no Podemos – como os chama Iglesias -, cuja estratégia é precisamente construir um novo “centro ideológico” para disputar a base eleitoral com a direita liberal de Ciudadanos. Uma estratégia que ao passar do discurso à política pode terminar nada menos que em pactos com o PSOE.

“Para estes setores, parece que a centralidade se identifica com discursos que buscam um trato mais amável por parte dos meios de comunicação e com uma imagem de respeitabilidade fundamentada em não amedrontar nem as elites econômicas, nem uma maioria social basicamente conservadora, tímida e relutante a mudanças”, disse Iglesias, para chegar a conclusão de que, nesse terreno, Podemos “tem tudo a perder”. E tem razão, porque por esta via o Podemos vem perdendo tanto pela direita como pela esquerda.

Nas entrelinhas, o artigo é um tiro pro alto do seu número dois, Iñigo Errejón, arquiteto da campanha e gerador do discurso que deu lugar ao “momento populista” do Podemos e que hoje começa a mostrar seus limites. Segundo um artigo de El Confidencial, nos últimos dias Errejón inclusive havia apresentado um programa tão “ao centro” que foi rechaçado por Iglesias.

É preciso dizer que esta aparição de Pablo Iglesias contrasta com seus respeitáveis gestos dos últimos meses para o Rei Felipe, o Papa Francisco, Barack Obama, os empresários, os militares. Agora propõe retomar o discurso “irreverente”, mas o problema é que a mudança no discurso não basta.

A crise prematura da “história” do Podemos é produto da inconsistência da sua estratégia, não da sua capacidade discursiva. Ainda que se dê conta da supervalorização que tem feito os líderes do Podemos (incluído Pablo Iglesias) dos efeitos que podem gerar os discursos políticos na realidade. Neste caso, como em tantos outros, não há pior armadilha do que aquela que prepara contra si mesmo.

Para Iglesias “a centralidade está marcada pelo que assinalava (o ex presidente socialista) Zapatero; um projeto econômico redistributivo frente ao dogmatismo da austeridade”, quer dizer, ocupar o espaço eleitoral deixado pelo “esgotamento dos partidos social democratas realmente existentes”, apropriando-se do seu discurso e seu programa.

Podemos se encontra longe de representar “um projeto político de irrupção plebeia”. Porque para expressar esse tipo de construção política, os “plebeus”, os setores mais explorados da classe trabalhadora (as amplas camadas de assalariados, precarizados, imigrantes, etc.) e a juventude, deveriam ver-se representados nele. Algo que dificilmente pode suceder com uma formação que tem buscado como interlocutor a “cidadania” e a “gente”, que em terminologia sociológica não é outra coisa que um apelo às classes medias. Uma opção que, diga-se de passagem, é congruente com a constituição de um novo “centro ideológico” que tanto preocupa agora a Pablo Iglesias.

A tensão gerada pela queda nas pesquisas levou Pablo Iglesias a repensar o discurso, mas não a estratégia. Esta segue sendo a infrutífera busca de transformações políticas e econômicas sem a intervenção da classe trabalhadora como sujeito político, mas mediante a ficção do “autogoverno dos cidadãos” no marco das instituições da democracia liberal.

É justamente esta ilusão o que condena o Podemos (e Pablo Iglesias) à impotência estratégica, ao mesmo tempo que contribui a desarmar política e organizativamente os trabalhadores e setores populares.

Porque, como dizíamos em outro artigo, “sem colocar em movimento forças sociais e materiais que enfrentem o establishment, mudem a relação de forças e preparem o ‘momento de ruptura’, somente ficarão os ‘acordos’ com os poderes reais do capitalismo para fazer ‘o que se pode’.” Neste ponto, pode ser que Iñigo Errejón seja mais “realista” que seu companheiro e amigo Pablo Iglesias.

Falar de soberania, democracia, direitos sociais, sem colocar a necessidade de por em movimento as forças sociais e os instrumentos que possam operar como um poder alternativo ao dos capitalistas, não é mais que discurso vazio.
O que faz falta são forças sociais e materiais em movimento, que sejam a base não somente da denúncia aos culpados da crise e suas políticas, mas que permita atacar contra eles e seus privilégios. E, sobretudo, que desafie a miséria do possível. Somente assim pode-se abrir passagem a uma verdadeira “irrupção plebeia”.




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