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Pode-se reestabelecer a hegemonia dos EUA?

Scott Cooper

Pode-se reestabelecer a hegemonia dos EUA?

Scott Cooper

[Desde Boston] Joe Biden quer que o imperialismo estadunidense volte aos seus “business as usual” mas as condições mudaram.

25 de maio de 2017. Faz 4 meses que o Donald Trump fez seu juramento e estava na sua primeira viagem presidencial no exterior. Nesse dia, numa reunião formal dos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), pediu para gastar mais dinheiro em segurança e se recusou a apoiar o artigo 5 do tratado de 1949, que define um ataque armado a qualquer membro como um ataque a todos e promete uma resposta coletiva.

O primeiro ministro de Montenegro, Dusko Markovic, também esteve presente; a adesão oficial do seu país entraria em vigor duas semanas depois. A simples presencia de Montenegro irritou o presidente russo Vladimir Putin. Como o Wall Street Journal escreveu 3 três anos antes:

Moscou criticou as anteriores ampliações que deslocaram as fronteiras orientais da OTAN às de Rússia e tentou forçar às ex-repúblicas soviéticas a voltar a sua esfera de influência geopolítica.

Após os protestos que levaram a estreitar os vínculos entre ocidente e a Ucrânia, que levaram à destruição do presidente Viktor Yanukoych em fevereiro, Rússia anexou Criméia e expressou seu apoio aos separatistas no leste da Ucrânia.

Esse mês, um membro da câmara baixa do parlamento russo, o nacionalista Mikhail Degtyarev, disse que Montenegro poderia se converter em “um objetivo legitimo dos mísseis russos” se aderia à aliança.

No momento da foto grupal dos líderes reunidos, Trump se abriu caminho na frente empurrando Markovic. Foi o “empurrão visto no mundo todo”. O presidente dos EUA arrumou seu paletó, ergueu a cabeça, o que gerou memes o retratando como o ditador italiano Benito Mussolini.

O comportamento do Trump esse dia em Bruxelas foi muito mais grosso do que qualquer coisa vista por um presidente dos EUA. Mas certamente não foi pouco característico do imperialismo dos EUA. –que impõe condições a outros países há décadas.

A administração de Joe Niden enfrente um reto maior do que desfazer o assédio do Trump a seus aliados. Deve superar uma situação internacional anterior a Trump e que piorou desde a crise econômica mundial que começou em 2008. Trump exagerou as coisas, adicionando novos elementos a uma crise que ele não criou. Seu gosto por “quebrar as normas”, o caos e o unilateralismo desperdiçaram quatro anos durante os quais o imperialismo estadunidense poderia ter tomado medidas mais deliberadas para assegurar sua posição.

A situação global do imperialismo estadunidense

O 23 de novembro, quatro analistas da direitista Hoover Institution e o American Enterprise Institute- incluindo o General Jim Mattis, que foi secretário de defesa de Trump – publicaram um artigo na revista Foreign Affairs sobre a importância dos aliados para os Estados Unidos. Advertindo que “o mundo não está ficando mais seguro” em meio a “um ambiente internacional de crescente desordem global”, afirma

O simples fortalecimento do exército dos Estados Unidos não é suficiente; assim como também não é suficiente a tarefa ainda mais urgente de fortalecer a diplomacia dos Estados Unidos e outros elementos civis do poder nacional. A melhora na segurança nacional deve começar com a verdade fundamental de que os Estados Unidos não pode se proteger nem aos seus interesses sem a ajuda de outros. O compromisso internacional permite a Estados Unidos ver e atual a distância, na medida que as ameaças se acumulam, antes de esperar a que tomem proporções que, em última instância, as tornam mais custosas e mais perigosas de derrotar.

Esse transtorno global é anterior a 2017. Desde 2008, o imperialismo estadunidense viu seu domínio global debilitado pelas mudanças de alianças e o ascenso da China no mercado mundial. Trump piorou a situação ao abrir mão das instituições internacionais que Estados Unidos estabeleceu depois da Segunda Guerra Mundial e que “possui” desde então, fazendo com que se ausentem de cumprir seu papel mantendo a outros países presos a um sistema construído para consolidar os interesses do imperialismo estadunidense. Se se adiciona uma recessão mundial em desenvolvimento e uma pandemia que forçou câmbios massivos na forma de fazer negócios no mundo todo, a receita é um desastre.

China terá que ser o centro da politica internacional de Biden [1]. A relação entre Estados Unidos e China é cada vez mais conflitiva, com tarifas, a guerra comercial, a retorica antichina (especialmente ao redor das causas da COVID-19), as controvérsias jurisdicionais no Mar da China Meridional, e assim, o qual levanta preocupações sobre a possiblidade de um conflito armado. No entanto, esses dois países dependem fortemente um do outro, China como primeiro exportador mundial e Estados Unidos como líder mundial na compra.

Logo antes das eleições desse ano, o New York Times publicou um artigo de opinião de Paul Krugman, o economista ganhador do Prêmio Nobel, no qual comemora que “uma administração Biden provavelmente fará o possível para restaurar o papel tradicional dos Estados Unidos no mundo” seguindo novamente as normas comerciais, retornando aos tratados e resolvendo as diferenças com os aliados. Cheio de orgulho patriótico, Krugman deixa bem claro qual é a questão: “Durante quase 70 anos, EUA teve um papel especial no mundo, um que nenhuma nação teve antes. (...) o domínio estadunidense representava uma nova forma de super-potência hegemônica”. Krugman anela a estabilidade dos “Trinta anos dourados” da pós-guerra, quando a economia dos EUA estava no caminho ascendente quase constante, impulsionada em grande medida pela sua capacidade de manobrar no mundo todo para apoiar os interesses do capital. Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations (CFR-Conselho de Relações Exteriores), escreveu sobre os mesmos temas depois do dia das eleições [3 de novembro, NdT]. O CFR tem sido durante muito tempo o órgão assessor da política exterior mais importante do congresso dos Estados Unidos e das administrações presidenciais (exceto a de Trump). Advertiu que não deve se culpar o Trump de todos os problemas:

Muito estava em jogo muito antes do Trump e persistirão muito depois dele deixar o Salão Oval: uma China em ascensão e mais certeira, uma Rússia disposta a usar a força militar e as capacidades cibernéticas para avançar nos seus objetivos, uma Corea do Norte com crescentes capacidades nucleares e de mísseis balísticos, um Irã comprometido a levar a frente uma estratégia imperialista num Oriente Médio turbulento, o avanço do câmbio climático, governos débeis e ineficazes em grande parte do mundo em desenvolvimento, uma crise de refugiados em curso. Simplesmente reverter o que Trump fez ou não fez, ainda que seja bem-vindo na maioria dos casos, não resolverá o problema.

O reestabelecimentos dos vínculos com os aliados, o reembolso ou a reincorporação às instituições e aos acordos internacionais, a renovação do compromisso com o artigo 5 e as tropas estadunidenses posicionadas em lugares estratégicos do mundo irão ajudar a acalmar as coisas, mas só o suficiente como para fazer espaço para retomar as tarefas mais difíceis que estão por vir.

Seguramente os aliados dos EUA estão tremendamente aliviados pela vitória do Biden. Há muito tempo que cansaram das intimidações, as ameaças e a retirada unilateral das tropas de Trump e o cancelamento dos acordos da era Obama. O jornal britânico The Economist espera que a administração de Biden deixe de tratar a União Europeia como um “inimigo” do comercio, ou a suas próprias forças localizadas na Coreia do Sul como um escudo de proteção. No lugar da intenção destrutiva de Donald Trump, [Biden] estenderá a mão, trabalhando em colaboração nas crises mundiais, do coronavírus até o câmbio climático.

O imperialismo de EUA novamente em jogo

Muitos outros estão pedindo aos gritos que Estados Unidos retome seu papel histórico – e dando conselhos específicos, especialmente na revista do CFR, Foreign Affairs. Em junho, Michèle A. Flournoy – que acredita-se é a principal candidata à secretaria de defesa no gabinete de Biden- escreveu sobre a agudização das tensões entre os Estados Unidos e a China num artigo intitulado “Como prevenir uma guerra na Ásia”.

O ressurgimento da competência entre Estados Unidos e China coloca uma série de desafios para os encarregados de formular políticas –relacionados com o comercio e a economia, a tecnologia, a influencia mundial e mais- mas nenhum é mais importante do que a redução do risco de guerra. Lamentavelmente, devido a combinação singularmente perigosa da crescente assertividade e força militar chinesa e a erosão da dissuasão estadunidense, esse risco é maior do que foi durante décadas e está em crescimento.

A premissa, é claro, é que a China começaria uma guerra. O imperialismo estadunidense sempre culpa aos seus adversários pela escalada nas tensões, independentemente da verdade; durante a Guerra Fria, cada “escalada” de armas soviéticas era na realidade uma resposta à ação dos Estados Unidos. As recomendações de Flournoy centram-se na “dissuasão” e, essencialmente, não faz nada diferente do que já se fazia anteriormente. Ao explicar com grande especificidade o posicionamento estratégico e o armamento necessário para recuperar o domínio de Estados Unidos no jogo da dissuasão, não há dúvidas de que Flournoy represente o pensamento do próprio Biden.

China, no entanto, é só uma peça de um quebra-cabeças global. Steven A. Cook defende um enfoque renovado no Oriente Médio, que “ainda é importante para os Estados Unidos” a pesar do “novo consenso [que] formado entre as elites da política exterior de Estados Unidos”, segundo o qual seria “hora de que Washington reconheça que já não tem mais interesses vitais na região e reduza enormemente suas ambições, reduza suas forças e tal vez inclusive finalize à era das ‘guerras intermináveis” se retirando do Oriente Médio por completo”. O que “poderia parecer convincente”, no entanto, “não é uma política sólida... Em vez de utilizar o poder dos Estados Unidos para reaver a região... Os responsáveis políticos devem adotar o objetivo mais realista e realizável de estabelecer e preservar a estabilidade”.

Com que fim? Para devolver a região às condições que o imperialismo procurou quando apoiou pela primeira vez a criação do estado de Israel: não foi a ideia dar aos judeus uma “pátria” protetora, mas usar Israel como fachada para colocar uma polícia imperialista na região. O imperialismo queria ter certeza que os estados árabes – e sua riqueza petrolífera- fossem controláveis, pelo que criou um inimigo das massas árabes que iria distrair a atenção dos seus próprios regimes repressivos. Esse foi sempre o projeto, inclusive quando Estados Unidos apoiava uma solução de dois estados para a questão da Palestina.

Depois tem as relações com a Europa. A “oportunidade de Biden de reparar os danos” causados por Trump, escreve Maksym Eristavi, “está na Europa central e Oriental”. Ele advoga para “cumprir um papel construtivo no continente” com “uma política exterior menos centrada nas rivalidades das grandes potências e mais nos valores democráticos”. Mas o objetivo, logicamente, é de avançar na dominação dos EUA consolidando aos governos amigos de “Ocidente” e expulsando aos que começam virar o olhar para o “Leste” e para Rússia. Se hoje a tática é apoiar a “democracia”, a conveniência fará que amanhã mude se as condições mudam.

Os desafios de cada região tem implicações globais, como se revelaria numa discussão completa sobre América Latina, África, Índia, Coreia do Norte, e as muitas outras partes do mundo onde o imperialismo estadunidense tem um trabalho sério a fazer. Mas um olhar da situação de algumas das principais instituições internacionais deve estar para completar o quadro.

As instituições internacionais num ponto de ruptura

No Foreign Affairs, Haass, detalha uma sequencia para restaurar a hegemonia global dos Estados Unidos: “primeiro, um momento para reparar, depois um momento para construir”. Começa com conseguir que a COVID-19 seja “contido em casa” para logo passar rapidamente pra esfera internacional.

A administração [de Joe Biden, NdT] pode sublinhar que o multilateralismo voltou, não como um favor a outros, mas porque é do interesse dos Estados Unidos. Além da OMS, um lugar óbvio para começar seria, o tratado climático de Paris (que, segundo informações, Biden planeja se reunir no começo da sua administração). ...De forma similar, o governo pode atua rapidamente para concretizar uma extensão do tratado de controle de armas New START (o tratado para reduzir as armas nucleares que EUA assinou com Rússia, NdT) – que está no seu final- com Moscou, inclusive levando muito mais tempo desenvolver um olhar integral da Rússia que aborde sua interferência na política estadunidense, o uso da força no Oriente Médio e Europa, e abusos domésticos, como ataques a figuras da oposição, incluindo Alexei Navalny.

Essa é uma agenda para a dominação, com um assessor de confiança que voltou para ajudar a reestabelecer “um processo de políticas de disciplinamento”, com “revisões de políticas entre as agências” e “discussões com membros do congresso de ambos partidos num esforço por encontrar um terreno comum” –todos os passos para o reestabelecimento da estabilidade que o imperialismo estadunidense precisa desesperadamente.

Várias instituições chave, além da OTAN estarão chamadas a cumprir algum papel. Contarão com eles como parte da governança global que tem permitido ao imperialismo estadunidense manter sua liderança mundial.

O FMI, que trabalha mão a mão com o Banco Mundial, foi criado para reconstruir o sistema de pagos internacional da pós-guerra. Hoje concentra-se na política monetária e fiscal, e atua como a principal instituição a través da qual as potências mundiais intervém nas crises financeiras internacionais. O FMI é famoso pelos planos de ajuste estrutural através dos quais o imperialismo impõe a austeridade nos países dependentes, como parte de os forçar a pagar as dívidas externas que geralmente contraem os governos “clientes” estadunidenses e europeus que ao mesmo tempo saqueiam as riquezas e os recursos das massas.

Essas instituições da ordem econômica global também tremiam antes do Trump, em grande parte devido à incapacidade do capitalismo para resolver todos os problemas revelados e agudizados pela crise global de 2008.

Certamente Trump não foi o primeiro presidente dos Estados Unidos em tomar medidas unilaterais, mas todos os seus predecessores atuaram junto com outras ações multilaterais ao mesmo tempo. Trump utilizou o unilateralismo como arma para coagir e castigar a qualquer um ficasse no caminho do que ele entendia como os interesses nacionais dos Estados Unidos, e isso levou às instituições globais na beira da irrelevância. Pelo contrário, Biden está desesperado por reestabelecer a ideia do benefício mútuo da integração econômica global, que também tem sido destruída por uma pandemia global que abalou as correntes que atravessam o planeta. No entanto, ao mesmo tempo Biden buscará proteger a posição privilegiada dos Estados Unidos.

Estado Unidos saiu do cenário mundial de Trump, criando uma abertura com outros países. Ressuscitar a influência global de Estados Unidos é fundamental para desfazer o incentivo que sua redução da influência global, tem dado para China e outros países para assumir a administração econômica internacional. Estados Unidos necessita que seus aliados militares e econômicos voltem ao redil. As corporações transnacionais estadunidenses não podem se permitir os fracassos do unilateralismo de Trump. As tarifas ineficazes do aço, só tem prejudicado à indústria estadunidense. Seu impulso por uma frente anti-China contra a gigante tecnológica Huawei fracassou inicialmente quando as empresas britânicas continuaram fazendo negócios (uma decisão que finalmente foi revertida). Seu abandono da Associação Trans-pacífica, optando no entanto por negociações comerciais diretas altamente voláteis com Japão, Coreia do Sul, Canadá e México, duramente compensou as perdas. A adesão no 15 de novembro da Regional Comprehensive Economic Partnership (Associação Econômica Integral Regional, RECEP por suas siglas em inglês) por parte de 15 paises da Ásia-Pacífico, com a exclusão dos Estados Unidos, da à China um impulso político que podria se converter em econômico com o tempo. O maior tratado comercial da história em termos da população envolvida.

Isso tudo prejudica o imperialismo estadunidense no longo prazo.

Os últimos quatro anos tem criado muitas oportunidades para que os aliados assumam o papel tradicional dos Estados Unidos, o que os fortalece na competição interimperialista. A União Europea – Alemanha em particular- tem ignorado os Estados Unidos, em vez de oferecer suas próprias “soluções” aos desafios mundiais. Essa chamado “efeito Bruxelas” [2] permite à União Europeia estabelecer padrões de governo para o resto do mund, amaçando ainda mais a dominação estadunidense. E ainda que o domínio da EU é uma possibilidade remota, buscar o tempo todo estar ao mesmo nível que seus pares europeus, representa uma perda para os Estados Unidos.

A última dessas instituições é a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estabelecida em 1995 é o principal fórum internacional para estabelecer as regras do comércio internacional a través de um mecanismo de resolução de disputas, a qual todos os membros aceitam se unir. Trump chegou e intencionalmente paralisou o corpo de apelações da OMC, essencialmente rompendo o livro de regras em pedaços, fazendo que as decisões “vinculantes” da OMC não possam ser cumpridas e aumentando a ameaça das guerras comerciais que o organismo pretende combater, objetivo para o qual foi criado.

Com Obama, Estados Unidos apresentou mais casos na OMC que qualquer outro país. Mais da metade do que a China. Enquanto isso, China estava utilizando a OMC com bastante eficácia, pois se aproveitou da demanda das multinacionais da sua mão de obra barata. Enquanto era candidato, Trump denunciou as práticas comerciais da China, argumentando que a OMC não pode lidar com esses problemas. Sob seu governo, burlou o sistema completamente. Um analista qualificou a decisão de Trump de impor tarifas ao aço chinês como “o dia que a OMC morreu”.

Trump queria a OMC fora do caminho para que o imperialismo estadunidense pudesse desafiar Beijin diretamente. Biden, por ora, considera que a OMC tem servido em grande medida ao interesse dos Estados Unidos na estabilidade e em manter a Europa próxima dos Estados Unidos. É por isso que podemos esperar que sua administração trabalhe para fortalecer e remodelar, não destruir, essas instituições: dão aos imperialismos menores pelo menos a expectativa de um campo de jogo equilibrado com Washington.

O que podemos esperar?

A administração de Biden terá que conseguir um equilíbrio delicado, difícil e urgente entre restaurar a ordem econômica global e a dominação dos Estados Unidos, enquanto gere as incertezas da pandemia e a economia no futuro. E terá que o fazer por conta própria. Como deixou claro o ex bolsista de Brookings Institution, Will Moreland, num ensaio para Vox, publicado uma semana antes das eleições presidenciais, é hora que “Estados Unidos comece usar essas instituições para devolver o golpe” aos seus inimigos.

Essa é a razão subjacente para esperar que Biden volte a participar do multilateralismo. Não é sobre a cooperação em si: Estados Unidos e outras nações ocidentais “não deveriam acreditar erradamente que a cooperação sem limites frente a cada desafio compartilhado promove seus interesses”, escreveu Moreland. Depois de todo, Estados Unidos não só se enfrenta a um verdadeiro competidor como a China, o que faz com que os aliados sejam necessário que nunca, mas os domínios chave dessa competição, tanto dos fluxos comerciais e de investimento até as tecnologias avançadas a infraestrutura de comunicações, já estão profundamente entrelaçados em instituições multilaterais.

E claro, durante os anos de Trump na Casa Branca, a globalização harmoniosa tem sido desafiada em todas partes. As tendências nacionalistas tem se fortalecido nas economias avançadas: por exemplo o Brexit, o euro-ceticismo , etc. A contradição econômica, o aumento da desigualdade e o recrudescimento da luta de classes , também são características da situação mundial atual e é provável que se fortaleçam, enquanto ainda se mantem a luta por controlar a pandemia. Biden confronta as realidades de um mundo que não é tão fácil de retornar ao seu estágio anterior, com os problemas estruturais do capitalismo estadunidense e a ascensão da China que já estão mudando as regras do jogo. Terá que decidir até que ponto sua administração quer reafirmar o poder dos Estados Unidos, contendo a China, tal vez querendo voltar à cartilha do Obama de negociar tratados comerciais excludentes. Por sua vez, enfrentará pressões de diferente setores do capitalismo estadunidense sobre o protecionismo: Deveria ter mais ou menos?

De qualquer forma, esse jogo está em curso. O time de Biden está traçando um plano para restaurar a dominação, que inclui consolidar as instituições internacionais que servem aos interesses do capital. Não importa o que essas instituições afirmem sobre seu interesse na paz, a redução da pobreza e a saúde pública, essas coisas só importam se ajudam a manter os lucros e criam oportunidades para expandir os mercados e a exploração. Enquanto isso, mais “democracia” e “diplomacia” no mundo todo só serão, para um Estados Unidos liderado por Biden, um meio para exercer o poder imperialista. Sobre essa base avaliará se toma o caminho das sanções econômicas, as intervenções “humanitárias” ou qualquer outra coisa que o imperialismo estadunidense decida que deve fazer.

A hegemonia dos EUA depende de ser quem toma as decisões. No primeiro ano de Biden não só irá tentar desfazer o abjeto fracasso do Trump e sua quadrilha no controle da COVID-19 - que em si mesmo ameaça a estabilidade capitalista - mas também o que seja necessário para reestabelecer a velha ordem pré-Trump, que era percebido com aquele que ao menos teria dado aos capitalistas globalizados de Estados Unidos uma melhor oportunidade de manter a dominação mundial da que tem usufruído durante tanto tempo. Mas tudo indica que não haverá uma volta atrás da “ordem pré-Trump”. As mudanças que desafiam a hegemonia dos Estados Unidos hoje se originam no mínimo em 2008, quase uma década antes de Trump chegar na Casa Branca. Não serão simplesmente superados pelo reestabelecimento do “decoro internacional”.

Tradução ao português: Juan Chirioca


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FOOTNOTES

[1Para uma discussão mais detalhada da relação entre os Estados Unidos e a China, veja os seguintes artigos de Left Voice do último ano e meio: Juan Cruz Ferre, “A guerra Comercial entre Estados Unidos e China e a corrida pela hegemonia global” (12 de junho der 2019); Ana Rivera, “Incapaz de conter a crise interna, a vitória continua o avanço da China” (16 de maio de 2020); Esteban Mercatante, “China na desordem mundial” (29 de julho de 2020); e Claudia Cinatti, “As disputas entre EUA e China dominam a Assembleia Geral da ONU” (6 de setembro de 2020).

[2Anu Bradford, The Brussels Effect: How the European Union Rules the World (nova Iorque, Oxford University Press, 2020)
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