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CRISE POLÍTICA | Percalços do golpismo institucional

Esquentam-se os ânimos, junto com a temperatura do país, onde favoráveis e contrários ao impeachment pretendem ao longo da semana elevar a pressão sobre os parlamentares com manifestações em todo o país. Em Brasília, onde se concentrarão as tensões, está sendo construindo um muro metálico que dividirá pela metade a Praça dos Três Poderes, onde se localiza o Congresso Nacional. De um lado, manifestantes pró impeachment, de outro, contra. O governo colocará a Força de Segurança Nacional (força armada que combina policiais militares e exército, especialmente treinada para intervir em conflitos internos) para impedir confrontos.

Daniel MatosSão Paulo | @DanielMatos1917

quinta-feira 14 de abril de 2016 | Edição do dia

Um país dividido

Este muro simboliza a situação do país. Se logo após as grandes manifestações da direita no dia 13 de março parecia que existia uma grande maioria nacional pró impeachment e que o Brasil caminhava para um desfecho imparável da destituição da presidenta Dilma Rousseff; a “prisão” de Lula para depor e a divulgação de escutas ilegais para impedir que o ex-presidente assuma como (super) Primeiro-Ministro deixaram em evidência que por trás das massas reacionárias de classe média nas ruas e do aparente interesse de “justiça” da Operação Lava Jato se escondem todo tipo de manobras golpistas judiciais e parlamentares. Um golpismo institucional que, com o apoio da Federação das Indústrias de São Paulo e da Rede Globo, busca impor um governo ainda mais entreguista e de ataque aos trabalhadores do que já vem sendo o governo Dilma.

O país se dividiu. De um lado estão os que não se importam como o fato de Sérgio Moro utilizar métodos que legitimam o ataque a liberdades democráticas elementares, pois valeria de tudo para tirar o PT do poder, mesmo que em seu lugar seja colocado algo mais à direita. De outro lado estão os que rechaçam o golpismo institucional da direita, ainda que estes se dividam entre defensores do governo do PT e muitos setores críticos dos ataques aos trabalhadores, da entrega dos recursos nacionais e dos métodos corruptos que o PT assimilou para governar o capitalismo.

A Lava Jato e suas operações junto à grande imprensa dirigida pela direita passaram a ser vistas por amplos setores como instrumentos de disputa política entre distintos blocos dominantes. Os ministros do Supremo Tribunal Federal assumiram o papel de árbitros da crise: por um lado, foram obrigados a censurar os métodos e interesses de Sérgio Moro (até então incontestável “herói nacional”); por outro lado, mantiveram o veto à posse de Lula, tomando parte no golpismo institucional onde o poder judiciário ajuda a debilitar o governo para favorecer o impeachment.

Soma-se a isso o fato do pedido de impeachment ter legitimidade contestada não somente no Brasil, mas também no exterior. Órgãos de imprensa imperialista de renome como a revista The Economist se pronunciaram abertamente contra a destituição de Dilma em base ao processo instalado no Congresso. Obama tampouco deixou transparecer iniciativas favoráveis. É que o impeachment que vai ser votado no próximo final de semana, apesar de aproveitar-se do “clima” gerado pela Lava Jato, não tem qualquer relação com a corrupção. Trata-se de uma acusação de crime de irresponsabilidade administrativa pelo fato da Presidenta ter autorizado gastos não previstos no orçamento votado pelo Congresso.

O impeachment por irresponsabilidade administrativa foi o caminho encontrado pela oposição para atrair como aliado o vice-presidente Michel Temer, que assumiria o poder no lugar de Dilma montando um governo do PMDB junto ao PSDB. Entretanto, se o PT é derrubado por esse motivo, estaria em questão a legitimidade de quase todos os governos da situação e da oposição, já que dito “crime” é moeda prática comum não somente no Brasil, mas também em outros países capitalistas. O próprio vice-presidente Temer tem pedido de impeachment encaminhado na Câmara por ter cometido o mesmo “crime” que Dilma assinando decretos presidenciais na ausência da Presidenta.

Apesar de não ter assumido como ministro, Lula tomou a frente das negociações para frear o impeachment e constituir base de apoio para um novo governo sob seu comando. Esse protagonismo permitiu que apesar do PMDB formalmente romper com a base aliada do governo, a maior parte dos ministros desse partido se recusou a abandonar seus cargos no ministério. Nesse marco, recente pesquisa de opinião de instituto dirigido pela imprensa golpista indicou substancial aumento da popularidade do ex-presidente, que subiu de 4 a 5 pontos percentuais nos eventuais cenários de eleições presidenciais antecipadas; ao mesmo tempo em que voltou a aumentar sua aprovação como presidente mais popular da história do país.

Ataques e recessão na maior crise econômica das últimas décadas

Enquanto os partidos capitalistas se engalfinham entre si para ver quem controla a máquina estatal, a maioria esmagadora da população pobre e trabalhadora sofre uma dura recessão. Os ataques por parte do governo federal do PT se expressam nos cortes orçamentários em educação, saúde e demais orçamentos ligados a áreas sociais, num dos maiores planos de privatizações desde a ofensiva neoliberal dos anos 90, demissões e arrocho salarial de servidores públicos e reformas constitucionais que retiram direitos. Ataques esses apoiados pela oposição no Congresso e replicado pelos governos estaduais e municipais situacionistas e opositores.

A patronal aproveita a crise para demitir e arrochar salários. Cresce em 85% o número de fechamento de empresas, chegando a 4,4 mil fábricas fechadas no estado de São Paulo e quase 4 mil indústrias falidas no estado de Minas Gerais. No último, a queda da média salarial dos que se mantiveram empregados foi de 7,5% devido à inflação, que atinge em especial os mais pobres devido ao aumento proporcionalmente maior de alimentos e serviços básicos.

Os sindicatos e centrais sindicais dirigidas pelo PT e seus aliados utilizam os a ofensiva golpista da direita para paralisar e derrotar a luta contra os ataques do “seu” governo e da patronal. Por um lado, falam contra os ajustes de Dilma e vendem a ideia de que Lula assumindo viria um governo “anti-ajuste”. Por outro lado, mantêm isoladas as lutas de resistência que explodem, traindo-as abertamente caso ameacem sair do controle, sempre com o argumento de que “lutar de forma independente é fazer o jogo da direita”.

Uma perspectiva de impasses e continuidade da crise

Na reta final para a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, a oposição, com a ajuda da grande imprensa e da Lava Jato, vem largando uma ofensiva de desgaste do governo e do PT para pressionar a opinião pública e os deputados. Novas delações premiadas de empresários ligados ao PT têm ocupado os principais noticiários com títulos que ligam o “petrolão” à campanha presidencial do PT em 2014 e mesmo a escândalos de corrupção anteriores envolvendo o governo Lula.

Entretanto, o grau de divisão do país e de politização da Lava Jato lança dúvidas sobre o potencial de influência dessas novas operações na relação de forças. Aparentemente, só novas provas que envolvam diretamente Dilma ou Lula com esquemas de corrupção poderiam significar uma reviravolta nos prognósticos para a votação do impeachment garantindo uma votação segura para a oposição (que necessita 342 votos para passar o impeachment ao senado).

O governo, por sua vez, está negociando cargos públicos, ministérios e verbas orçamentárias sob seu controle em troca de votos, utilizando a seu favor a sede de recursos para as eleições municipais que ocorrerão em outubro.

Evolução da previsão de votos na Câmara Federal sobre o Impeachment

Fonte: http://infograficos.estadao.com.br/politica/placar-do-impeachment/

Caso avance o impeachment, o cenário de um eventual governo Temer-PSDB está repleto de crises. Não somente porque irá pairar sobre ele a áurea de um poder golpista cujos chefes também estão envolvidos na Lava Jato, mas também porque terá que enfrentar uma situação de crise econômica e de duros ataques com o PT na oposição. Caso Lula consiga evitar o impeachment, seu governo como super ministro não será de menos crise. Não somente porque o golpismo judiciário e parlamentar seguirá assediando-o para impedir um novo triunfo do PT nas eleições presidenciais de 2018. Lula também terá que administrar as expectativas pela esquerda que gerou para mobilizar apoio popular contra o impeachment.

Por mais que Lula tente fazer um governo a princípio não tão ajustador como vinha sendo Dilma, sua política de conciliar um novo pacto de governabilidade com o mercado financeiro irá inevitavelmente frustrar parte das expectativas que gerou, em especial pela boca das burocracias sindicais e lideranças populares petistas. Ainda que Lula busque estimular a economia com créditos aos capitalistas e verbas públicas para investimentos privados, mesmo que faça pequenas demagogias com planos de assistência social, continuarão os cortes de orçamento nas áreas sociais, o desemprego e a queda da renda. E não é improvável que Lula busque trocar governabilidade por reformas estruturais a médio e longo prazo. Por isso, não está descartado que se generalize um novo sentimento de estelionato como o que foi provocado por Dilma logo após as eleições presidenciais de 2014, quando ela polarizou pela esquerda para vencer Aécio Neves; mas que agora não terá mais a Lula como “crítico” desde fora como mecanismo de contenção.

Em qualquer um dos dois cenários, o “Partido Judiciário” seguirá atuando. Com o desgaste provocado pelas ditaduras militares nos anos 70, a extensão da democracia burguesa junto à ofensiva neoliberal, e enquanto o a classe operária ainda não é uma ameaça que exija o uso das forças armadas para freá-la, o imperialismo e seus agentes nativos usam o poder judiciário como agente bonapartista para “remover” governos ou sistemas de partidos disfuncionais a seus interesses que substituí-los por outros mais servis (vide Mãos Limpas na Itália). Seja diante da continuidade da crise política e econômica com um governo Temer-PSDB ou Lula-Dilma, o poder judiciário já prepara eventuais novas investidas usando o Supremo Tribunal Eleitoral e os processos que aí correm para investigar o envolvimento de dinheiro do “petrolão” na campanha presidencial de 2014; que se comprovada poderia dar lugar a eleições presidenciais antecipadas.




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