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GREVE DOS PROFESSORES DE SP | Para que devem servir os comandos de greve?

Simone IshibashiRio de Janeiro

quarta-feira 10 de junho de 2015 | 00:01

No II Congresso da Conlutas, que ocorreu em Sumaré entre os dias 4 e 7 de junho, abriram-se importantes debates. Dentre eles, houve uma polêmica sobre o papel que os comandos de greve devem cumprir. Essa discussão se deu em torno de uma luta bastante concreta: a dos professores da rede estadual paulista, deflagrada em 13 de abril. Algumas das falas que ocorreram no II Congresso da Conlutas em torno dessa questão podem ser vistas aqui. Pela sua importância, faz-se necessário aprofundar essas discussões.

Na greve dos professores paulistas o fenômeno mais importante foi o surgimento desses comandos de base. Incansavelmente, os professores das mais diversas regiões de São Paulo percorreram escolas para mobilizar seus pares, cortaram rodovias, promoveram debates, e atividades com a população durante os quase 90 dias que essa greve está durando. São os que efetivamente realizaram a greve. E também os que conhecem as escolas, e têm a mais exata noção de como está a mobilização em suas regiões. De acordo com os fundamentos mais básicos da democracia operária, seriam justamente esses os setores que deveriam definir os rumos da luta.

Porém, não é isso que está acontecendo. Desde os primeiros dias dessa greve os comandos de base não puderem sequer se expressar nas assembleias. Tiveram que quase se enfrentar com a Articulação, força majoritária do sindicato, para apenas ler no Conselho Estadual de Representantes (CER) uma carta em que pediam voz nas assembleias, e participação nas comissões de negociação ao lado dos membros do sindicato. Se por um lado isso não é de surpreender quando vem da direção majoritária petista do sindicato, por outro é distinto quando essa posição é defendida pelos que se colocam como oposição no interior da Apeoesp, sindicato dos professores da rede estadual paulista.

Foi isso o que se expressou nas falas de alguns dos dirigentes da Oposição Alternativa, frente-única composta pelo PSTU, Conspiração Socialista, Espaço Socialista, e pelo Professores pela Base, que é integrado por professores militantes do MRT e independentes. Dentre todas as forças políticas que compõem a Oposição Alternativa, somente o Professores pela Base teve a posição de defender que os comandos de greve dirigissem a luta. Quando isso foi assinalado no II Congresso da Conlutas, os principais dirigentes das demais correntes da Oposição Alternativa se abstiveram, apenas para fazerem várias falas declarando suas posições contrárias a essa política.

Silvio, conhecido dirigente da Conspiração Socialista, fez uma fala cujo conteúdo foi bastante similar ao da própria Maria Izabel Noronha, a autodenominada Bebel, presidente petista da Apeoesp. Afirmou que a proposta de que os comandos de greve dirigissem a luta, visaria “desqualificar os representantes sindicais do CER eleitos nas eleições sindicais”. João Zafalão, do PSTU, afirmou por sua vez que “sempre defendeu os comandos de greve”. Mas não pôde explicar porque ao longo desses quase 90 dias de greve, não cedeu uma única fala de sua organização no carro de som das assembleias para que a base se expressasse. Claudio, do Espaço Socialista tampouco reivindicou a defesa de que os comandos de greve dirigissem as assembleias, não em suas regiões, mas as centrais que ocorrem no MASP e reúnem todos os professores. Isso na prática equivale à defesa da continuidade das assembleias-comício, em que a base só pode votar a continuidade ou não da greve, e as trajetórias dos atos. Os grandes temas sobre como conduzir o conjunto da greve ficam sendo atribuição da “direção eleita” nos períodos de campanha sindical.

Como retomar o sindicato das mãos da burocracia sem a base?

O primeiro problema da posição defendida cada qual à sua maneira pelo PSTU, Conspiração Socialista e Espaço Socialista, remete-se a uma concepção segundo a qual os estatutos sindicais, bem como os resultados das eleições sindicais, estariam acima da luta de classes. O sindicato para esses setores deve funcionar da mesma forma em tempos de paz e de luta. Na prática isso impede que se abra espaço para que o ativismo de base defina as orientações. O resultado dessa política é que em geral serve para preservar os interesses e a localização das burocracias sindicais intactas, mesmo quando há greves ou processos de mobilização.

São sempre os mesmos dirigentes, tanto da CUT e do petismo, quanto das oposições, que falam nos carros de sim das assembleias. Ao ativismo de base que irrompeu na greve, e a tem carregado nas costas, a resposta que tanto a direção majoritária, quanto a maioria das forças de oposição dão é “quer falar? Quer dirigir? Então entre numa chapa e aguarde para ser eleito nas próximas eleições sindicais”.

Superar essa lógica é não apenas uma questão de democracia operária, em si importantíssima. A necessidade de que os comandos de greve dirijam as lutas é parte de uma política para massificá-las. Principalmente em um sindicato cuja direção é tão questionada pela base, como é a Apeoesp. Isso porque os professores de base ao verem seus pares, que trabalham junto a eles todos os dias, dirigindo as assembleias e as demais instâncias sindicais, ao lado da direção do sindicato, podem passar a ver-se como sujeitos de sua própria luta, e não como “massa de manobra” da direção petista. E também porque os membros dos comandos, ao estarem nas escolas, viverem o dia a dia dos professores, são os que melhor podem expressar sua demandas, e formular as orientações mais adequadas para atingir os objetivos propostos. Afinal, Maria Izabel Noronha não entra numa sala de aulas há muito tempo.

Por fim, cabe ressaltar que as oposições em seus fóruns como o II Congresso da Conlutas sempre denunciam o papel da burocracia sindical cutista. Sendo assim, deve-se questionar como esperam retomar o sindicato das mãos da burocracia, se não for através da luta de classes, dando voz, desenvolvendo e se apoiando nos setores de base dos professores em luta. E mais. Como esperam organizar uma “greve geral” votada no II Congresso da Conlutas, sem impulsionar ao máximo a democracia de base dos trabalhadores.

Se não se podem coordenar os comandos de greve, imagine tomar o poder em todo país

Muitos alegaram que não se poderia deixar a condução da greve nas mãos dos comandos, pois as assembleias seriam intermináveis, já que cada uma das regiões de todo estado tem um. Quando esse questionamento vem da base é legítimo. Mas quando é feito por aqueles que se colocam como socialistas, e supostamente conhecedores da experiência histórica dos trabalhadores, não pode ser levado tão a sério.

Os trabalhadores já organizaram não apenas greves com esse método, mas inclusive revoluções. Os soviets, organismos de autodeterminação dos trabalhadores criados no calor da revolução russa são o exemplo mais emblemático. Expressavam as diversas tendências do movimento operário, unindo e coordenado delegados eleitos e revogáveis de todos os ramos da produção e sociais, vindos das diversas partes do país. Esses trabalhadores tomavam as mais importantes decisões sobre como manejar a produção e colocá-la a serviço de seu combate, e como conduzir sua mobilização. O nascimento dos soviets se deu pela própria necessidade que os trabalhadores sentiram em se organizar, e tomar decisões sobre os rumos de seu movimento durante a revolução russa de 1905. Constituiu-se como um verdadeiro duplo poder, fazendo frente ao parlamento, e foi fundamental para a vitória da revolução russa de 1917.

Se foi possível criar um organismo de autodeterminação da base tão amplo como os soviets, que abarcou todo um país, enorme como a Rússia, como pode ser que numa greve não se poderia apoiar-se em reuniões com membros dos comandos de greves, eleitos e revogáveis, que junto aos conselheiros e à direção do sindicato, debatessem as propostas a serem levadas para a assembleia?

Tanto é possível, que já aconteceu. Na última greve dos trabalhadores da USP, que durou praticamente quatro meses, a direção do SINTUSP dirigia o processo junto com os membros de um comando de base, eleito em cada unidade. Não era superior ao comando de base, mas atuava junto. Dessa forma, as posições levadas pelos membros do comando expressavam a realidade de cada uma das unidades mobilizadas. Num setor tão amplo como professores do estado de São Paulo, além de ser muito mais democrático, propiciaria ter uma visão muito mais concreta sobre como está a mobilização em cada município.

Mas ainda estamos nos primórdios. Pois a luta ainda no calor da greve estadual dos professores paulistas parte ainda incrivelmente, e cabe aqui dizer com a burocracia sindical cutista como com as oposições, de defender que os comandos possam meramente falar nas assembleias. Não pode ser que as oposições, principalmente os que se colocam mais à esquerda dentre as forças que atuam na Apeoesp, se difiram tão pouco na prática da política da direção majoritária sobre esse tema crucial.




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